quarta-feira, 9 de julho de 2014

E AGORA, TATU?




Pinçando versos, aleatoriamente, do poema E AGORA, JOSÉ? do grande poeta Carlos Drummond de Andrade:




E agora, Tatu?

A festa acabou. 

A luz apagou.

O povo sumiu.

A noite esfriou.

E agora, Tatu?



Que escolha!

Ele se parece com uma bola e esta espécie está severamente ameaçada em Minas Gerais e vulnerável no Pará. Está enquadrada no grau de Vulnerabilidade pela Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Corre, portanto, alto risco de extinção em médio prazo.

A intenção, quando da escolha, era chamar a atenção de governantes para a necessidade de conservação da espécie. Isso de acordo com a ONG, Associação da Caatinga, que lançou, em 2011, campanha para que essa espécie, o tatu-bola, se tornasse a mascote da Copa do Mundo de 2014.

A campanha foi exitosa e seguiu-se a escolha do nome entre os três lançados, a saber: Amijubi, Zuzeco e Fuleco.

Venceu o nome Fuleco que é a combinação das palavras futebol e ecologia. Tudo muito apropriado ao evento e às necessidades da Associação da Caatinga que visa à preservação deste animal em extinção no Cerrado e na própria região da Caatinga.

Ao que se sabe, essa espécie é a menor e a menos conhecida no Brasil. Propuseram, inclusive, um desafio à Fifa e ao governo brasileiro. Durante a Copa do Mundo no Brasil, a cada gol marcado transformar-se-iam mil hectares de caatinga em área protegida. A ideia da Associação era ambiciosa, mas perfeitamente factível, considerando a força da Seleção Brasileira, incontestada por jogadores e comissão técnica. 

Pelo visto a Seleção Brasileira contribuiu com a sua parte, sofrendo sete gols em prol da preservação do tatu-bola.

Não se sabe se o desafio foi aceito por ambas as partes. Acredita-se que o coitado do tatu-bola selou o seu destino, agora, de total extinção.

O tatu-bola não foi decididamente uma boa escolha. 

Um animalzinho pequeno, de aproximadamente 50cm e 1kg e 200g, que tem como principal característica a capacidade de se fechar na forma de uma bola ao se sentir ameaçado, tornando-se vulnerável ao ataque de qualquer predador. Não possui dentes, possui unhas que não atacam, não escava buracos e utiliza tocas abandonadas como esconderijo. Segundo Monteiro Lobato, quando da escolha do tatu para fazer dupla com o seu Jeca, o famoso personagem Jeca Tatu, o danado do tatu era um “bichinho feio, magruço, arisco e desconfiado”. E um fazedor de estragos nas roças de milho. É o que conta a biografia desse conhecido escritor. Isso, porém, já é outra história.

Voltemos ao tatu.

O bicho escolhido não foi feito para ataque, nem para defesa. O que sabe muito bem é enrolar-se e travar.

E foi o que se viu. Os tatus travados, sem observar as distâncias abissais que existiam entre si, pois nem estavam a enxergar. Estavam escondidos dentro daquela maldita carapaça. Ela só atrapalhou. Ninguém enxergava coisa alguma, nem sabia para onde ia.

E a Alemanha? Livre, leve e solta.

Aliás, Arthur Schopenhauer, filósofo alemão do século XIX, deixou escrito:

“Não existe vento favorável para aquele que não sabe para onde vai.”

Na verdade, essa falta de avanços estratégicos e uma flagrante desorganização em campo já eram observadas desde o início da competição.

E aquele que ousou voar como um filhote de borboleta, no jogo anterior contra a Colômbia, saiu lesionado com tal gravidade que não pôde mais retornar ao certame.

É! A escolha de um tatu-bola como mascote não foi uma boa ideia.



Brincadeiras à parte, o que faltou então? Faltou TUDO, praticamente.

Há que se reverem os tópicos de planejamento, de organização, de trabalho técnico e tático, de busca pela excelência do coletivo em detrimento do individual, de disciplina, de humildade e de respeito para com todos os adversários. Se algum talento individual sobressair-se, que bom! Isso, porém, não é o principal. O importante é a segurança que o jogador deve sentir na equipe em que joga. Se assim acontecer, a psicóloga pode ser dispensada. A sua presença é importante quando estão esses jogadores ainda em formação. Depois de formados, com experiência e tendo a certeza dos caminhos que deverão trilhar para levá-los ao sucesso, ela poderá permanecer apenas para casos pontuais, se houver. E não o que ocorreu: uma equipe inteira fragilizada desde o início da competição.

Nem o hino cantado à capela foi capaz de levar à frente a Seleção Brasileira. É preciso bem mais que isso.

É preciso estar seguro da sua capacidade e de como fazê-la mostrar-se, no momento necessário, na hora da finalização em gol, tendo havido, anteriormente, um longo trabalho de preparação, treinamento à exaustão, estratégias e alternativas, detidamente estudadas, e um espírito do coletivo como valor maior da equipe. Ou não é para isso que se formam equipes? Não existe equipe formada por um ou dois jogadores.

Quem leva sete (7) gols em uma semifinal, numa Copa do Mundo, não possui equipe. Comprovou-se que tudo o que a Equipe Alemã possuía, faltou ao grupo escolhido para representar o Brasil nesta Copa.



Ah! Ia esquecendo!

O tatu-bola está absolvido por falta de provas. 

Assistam ao vídeo que segue e vejam se o coitado do tatu tem culpa de alguma coisa!







Eu Já Sabia – Música Tema da Copa do Mundo 2014









sexta-feira, 4 de julho de 2014

SERÁ?


Nos primórdios da China Antiga, lá por volta de 3000 a.C., estudiosos afirmam que militares chineses praticavam uma espécie de jogo. Macabro, diga-se de passagem. O divertimento era chutar a cabeça dos soldados inimigos abatidos durante o confronto.

Daí, a coisa evoluiu e passaram a confeccionar bolas de couro. Claro, para não perder a graça de todo, continuavam a usar cabelo para revestir as tais bolas. Provavelmente, o cabelo seria aquele retirado da cabeça dos vencidos.

No Antigo Japão, esse jogo com a bola começou a tornar-se mais parecido com o futebol atual. Estabeleceram-se regras e a bola já era feita de fibras de bambu.

Quando os romanos chegaram à Grécia, lá já existia o jogo chamado Episkiros. Os jogadores continuavam sendo militares e a bola era uma bexiga de boi cheia de areia ou terra. A violência, porém, continuava a existir. Agora, já entre os próprios jogadores. Há relatos de que, na Idade Média, os jogadores, ainda militares, dividiam-se em defensores e atacantes, num jogo chamado Soule ou Harpastum. Nessas partidas, aconteciam mortes de alguns jogadores, dado o grau de agressividade da contenda ocasionado por problemas extracampo, questões de cunho social em que mergulhava a sociedade medieval.

Nessa evolução, surgiu, na Itália Medieval, um jogo chamado gioco del calcio. A violência, porém, perdurava igualmente entre os jogadores a tal ponto que se estabeleceram regras mais rígidas com a presença de, pasmem, 12 juízes, para que as mesmas fossem cumpridas.

Lentamente, com o passar dos tempos, os povos foram se civilizando e transformando o jogo de futebol em algo organizado e sistematizado. Assim, o gioco del calcio chegou à Inglaterra por volta do século XVII, vindo da Itália.

A partir dessa época, foi criado todo o regramento até hoje conhecido, passando-se a usar uma bola, já de couro, enchida com ar. Aos poucos, foi-se popularizando o futebol. Em 1888, fundou-se a Football League que visava organizar e difundir torneios e campeonatos internacionais. E a tão conhecida FIFA teve sua criação efetivada em 1904. Cabe a ela a organização dos grandes campeonatos de Seleções (Copa do Mundo) e de clubes ao redor do mundo (Libertadores da América, Liga dos Campeões da Europa, etc.).

No Brasil, o futebol foi introduzido, afirmam alguns, pelo paulista Charles Miller que, ainda criança, viajou à Inglaterra para estudar. Retornando posteriormente ao Brasil, em 1894, trouxe consigo a primeira bola de futebol e as regras para jogá-lo.

Já o pesquisador da História do Futebol, Paulo Goulart, informa que, bem antes, em 1878, o religioso jesuíta José Maria Mantero trouxe da França um compêndio que descrevia 80 jogos praticados em escolas jesuítas no mundo todo. E o primeiro jogo a ser descrito era o “Ballon au Camp” ou Bola no Campo.

Corroborando essa informação, o historiador da PUC-Campinas, José Moraes Neto, diz:

“O futebol associação, o campo regulamentar, o 11 contra 11, isso tudo vem com o Charles Miller mesmo, não tem como negar”. “Mas o jogo em si, a bola, a disseminação em escolas, nas fábricas, isso é anterior a ele”.



E hoje? Será que as regras em campo persistem?

A bola chutada é a cabeça do adversário já abatido? Não, claro que não mais! Não sei, não! Às vezes, assalta-me uma dúvida.

O futebol não estará sofrendo aquilo que as civilizações atingem, mais dia menos dia, um apogeu e um declínio posterior?

Quando o futebol/arte cede ao futebol/técnica, e esse esbarra em equipes igualmente de alta capacidade técnica, o que resolve, para que a bola atinja a rede adversária, é afastar o obstáculo, de qualquer maneira. As formas podem ser diversas, desde a mordida, a pisada intencional, o golpe mais pra judô do que futebol, até a derrubada do oponente com sérias consequências para a sua integridade física. Todo o cuidado é pouco! Não podemos retornar aos tempos da Idade Média onde havia mortes durante as contendas. A violência era tanta, à época, que para os 27 jogadores por equipe, havia 12 juízes para vigiá-los. Quem sabe a gente adota a marca de sete juízes (um em campo e três para cada lado do campo)? 

Será que isso resolverá? Não, não resolverá.

O que se tem a fazer é civilizar-se. Ter em mente que o futebol é um esporte que traz alegria e divertimento para milhões de pessoas. Não estamos mais numa arena romana, onde seres humanos eram entregues aos leões famintos. O espetáculo deve ser bem outro. Toda a tecnologia que nos permite visualizar, em instantes, se a bola adentrou à linha do gol, também nos dá detalhes de ações deliberadamente mortais contra colegas de profissão. Pois, hoje, ser jogador tornou-se uma profissão. Aquela profissão que deve trazer momentos de alegria e de encantamento com o time do coração. Claro que, também, nos ensina a encarar a frustração da derrota que pode ser aprendida, gratuitamente, toda a vez que o nosso time perder.

Agora, se ficar muito difícil, consulte uma psicóloga. Faça análise!

Veja o que é possível fazer para compensar sua frustração com o futebol.

Garanto-lhe que as opções são várias.

Por favor, será que voltaremos à Idade Média?

Será que estamos em plena decadência civilizacional?

Será que o nosso futebol/arte não mais existe?

Será que a plasticidade cedeu lugar à barbárie?

Acho que, sinceramente, não somos mais únicos e imbatíveis nesse chamado futebol/arte. O negócio é continuar se aperfeiçoando e criando dribles nunca dantes conhecidos neste país. Isso é que trará beleza ao futebol. Aquele jogador que desestabiliza o oponente pela surpresa, pelo voleio que termina num “carrinho” que leva a “brazuca” a se aninhar naquele cantinho inesperado da rede. Isso é o que encanta, é o que inova, surpreende e acrescenta qualidade ao esporte. Com certeza, todos com ele envolvidos sairão beneficiados. 

Será que passamos pela gloriosa Alemanha?

Será?







Tatu Bom de Bola - Arlindo Cruz 


Rumo à Copa – Arlindo Cruz cria samba para decorar os grupos da Copa do Mundo






quarta-feira, 25 de junho de 2014

CATEDRAIS DE EMOÇÕES



Mão no peito, do lado do coração. Olhos, por vezes, marejados de lágrimas. Um canto que sai da garganta com força e profunda emoção e que dura instantes. No palco e na plateia, as vozes juntam-se num espírito cívico de arrepiar. Tudo muito rápido. Esse será o combustível que impulsionará os movimentos constantes e repetitivos durante noventa minutos.

Ah! As emoções coletivas são bem típicas da nossa sociabilidade atual. Construídas sobre uma necessidade muito pessoal, muito individualista e, por instantes, aparentemente gregária. Não suficientemente, porém, comprometida com valores, metas e mudanças que exigem foco, determinação, constância, disciplina, muito trabalho e, consequentemente, algum sacrifício.

A expressão “catedrais” foi usada por Michel Lacroix, filósofo e professor francês, quando, diferencia aquelas de pedra, reportando-se à Idade Média, das virtuais, feitas de emoção. As primeiras, segundo ele, representavam a coesão social que abafava a individualidade. As atuais são aquelas que se constroem rapidamente, desmoronando-se com igual intensidade. 

Essas catedrais de emoção são como estádios que se enchem e se esvaziam rapidamente. Seus protagonistas, após o espetáculo, levam embora a sua individualidade, muitas vezes feroz. Lá, no templo, não se criam compromissos com nada, com ninguém. Mais ou menos como num jogo virtual. Entramos e saímos sem obrigações. 

Dirão que, afinal, aquilo que ali transcorreu foi apenas divertimento.

Será que, instados a participarmos de atividades ordeiras, em prol do coletivo, teríamos a mesma emoção de quando incentivamos nossos jogadores a honrarem a camiseta canarinho?

Aliás, falando em bichos, os elefantes e os leões indomados já se foram.

Agora, quem temia os Diabos Vermelhos e os Samurais Azuis, quando pensou que a situação acalmara com a despedida dos últimos, assustou-se.

Permaneceu, por aqui, uma espécie de vampiro moderno, que prefere o ombro em vez da jugular. Pelo menos, o estrago não é tão grande.

Cuidado mesmo tem que se ter é com aquele bichinho pequenininho, que se infiltra por entre as pernas, por entre os pés de qualquer hospedeiro que se apresente para com ele driblar.

É o menor de todos os bichos que por aqui estão desfilando nesta Copa. 

É, na verdade, um inseto que faz um estrago danado. Garanto-lhes que é pior do que levar uma mordida. Ele nos suga, nos rouba, nos pilha sem dó. Cuidado com ele!

Cuidado com a pulga! Ela está solta nos estádios. O difícil é saber quem será o próximo hospedeiro. Nessas catedrais, onde a emoção rola solta, ninguém está a salvo.

O nosso ex-filé de borboleta, que não gosta desse apelido, é o único capaz de enfrentar essa pulga. Estou levando fé nessa borboleta. Torçamos para que ela voe até o fundo das redes e demonstre ser um inseto que é pura beleza, confirmando o nosso futebol como um futebol/arte.

Portanto, redes adversárias, cuidem-se!

Adaptando trecho extraído do texto BORBOLETAS, de Mário Quintana, ela, a borboleta, deve ir até vocês, porque, com licença, vocês, redes adversárias, são os jardins dela. 

E vamos combinar que há mais beleza numa borboleta voando do que numa pulga aporrinhando.



No plano societário, quem sabe, um dia, consigamos atingir as redes da coesão social com pitadas de fraternidade, cultivando jardins para que elas, as borboletas, voem como no Éden. Será querer demais?

Com políticas educacionais de qualidade poderemos chegar a transformar a realidade dessas catedrais de hoje, apenas de emoções, em catedrais de realizações, considerando o material humano riquíssimo de que dispomos.





País do Futebol - MC Guime participação Emicida 






quarta-feira, 18 de junho de 2014

É LONGO O CAMINHO



Que primeira estrofe mais depreciativa!



Lá vem mais uma Copa.

Coração já se convoca.

A Pátria de chuteiras.

Tudo mais se joga pela ribanceira.

O trem da alegria vai levar

Toda turma do funil.

Contrabando na bagagem do cartola.

Ora bolas, é Brasil.



É o reconhecimento, plasmado na letra do hino oficial da Copa do Mundo de 2014, de práticas, ao que parece, aceitas pelos cidadãos que aqui vivem.

Expor mazelas e ainda conformar-se com isso: é demais.

Já o jingle Mostra Tua Força Brasil, encomendado pelo Itaú, banco oficial da Seleção Brasileira e da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014, mostra, pelo menos, um país que reafirma as suas cinco estrelas estampadas na camisa da Seleção, exaltando o amor e a garra que a “massa” tem pelo Brasil. Destacamos dois trechos, com erro de concordância, que seguem:



Pois só a gente tem as cinco estrelas na alma verde-amarela.

E só a gente sabe emocionar cantando o hino à capela.

Mostra tua força, Brasil!

E faz da nação tua bandeira

Que a paixão da massa inteira

Vai junto com você Brasil.



Isso é pouco, mas não tão depreciativo.

Agora, Eunice, professora já aposentada, não imaginava que assistiria, durante a cerimônia de abertura oficial da Copa do Mundo de 2014, imagens que lhe trariam saudades. Lembrou-se ela que, certa vez, dirigiu, no pátio da escola, uma representação de seus alunos durante uma encenação em que criaram fantasias, confeccionadas em papel, imitando árvores, pois compunham um cenário que ilustrava a poesia de Olavo Bilac chamada Velhas Árvores. A apresentação foi muito criativa, merecendo a nota 10. Claro que, naquela circunstância e com os adereços que dispunham, aquela performance surpreendeu e agradou a todos os presentes.

Já na festa de abertura da Copa do Mundo de 2014, “aquelas árvores” deixaram a desejar. As árvores vivas de Eunice teriam feito bonito naquela apresentação.

A cerimônia, dividida em três partes, apresentou na primeira a riqueza natural do país, a representação da sua natureza. Num segundo momento, exaltou-se o povo através da música e da dança. Por último, homens-bola surgiram, representando o futebol brasileiro, paixão nacional. Uma paixão tão avassaladora que transformou em arte o futebol. Pelo menos, é o que, até há pouco tempo, era visto como um diferencial no futebol brasileiro. As coisas parecem estar mudando! Vamos manter, por ora, essa expectativa que pode fazer a diferença no final do certame.

A trilha sonora de toda a cerimônia esteve a cargo de Otávio de Moraes, parecendo adequada ao espetáculo e servindo para dar maior brilho aos diversos momentos que se iam sucedendo. Ele é um conhecido criador de trilhas sonoras para importantes clientes na propaganda como o Banco Itaú, patrocinador oficial da Copa do Mundo 2014.

Agora, a apresentação musical de encerramento do espetáculo foi algo triste de se ver, ouvir e assistir. Talvez, ao gosto de belgas ou congêneres. Não teve, porém, nada a ver com a tradição musical mais representativa do povo brasileiro que é o samba. Com tantos discípulos de Joãozinho Trinta, com tanta gente capacitada a projetar e montar um espetáculo genuinamente brasileiro, coube a um casal de estrangeiros essa tarefa. Só podia dar no que deu.

A coreógrafa belga Daphné Cornez e o diretor italiano Franco Dragone foram os idealizadores e criadores do espetáculo que durou apenas 25 minutos e foi considerado, por muitos nacionais e outros tantos do exterior, como um espetáculo “morno”.

Deixando de lado a apresentação e desenvolvimento do espetáculo como um todo, que ficou a desejar, acredito que o maior azarão foi a música de encerramento com a participação de três reconhecidos cantores que, sozinhos, com seus estilos e público, fazem sem dúvida grande sucesso. São ótimos artistas. Juntá-los, cantando em playback We Are One, foi desolador. E a porto-riquenha dançando “na boquinha da garrafa” foi de doer. Aqui tem gente que faz isso muito melhor, com muito mais sensualidade. 

O momento não era para isso.

Perderam uma ótima oportunidade de mostrar ao mundo o nosso samba “de partido alto”, levantando de vez a galera que assistia ao espetáculo. Mas foi a FIFA que organizou todo o espetáculo! E sabe-se lá se aquelas estruturas, as do topo da arquibancada tubular externa, aguentariam tal empolgação? Circula pela Internet a informação de que as pessoas, que estavam mais abaixo, pediam para as de cima não pularem, pois tremia tudo.

Mas, também a Internet... Tudo cabe ali.

Cabe até a manifestação de pessoas que disseram que a imagem dos jogadores brasileiros, ao ingressarem no campo, parecia de detentos voltando pra jaula, com as mãozinhas no ombro e de cabeça baixa. Outros mais, muitos mais, afirmaram que mão no ombro significaria apoio, como o de um amigo verdadeiro. Dar a mão, afinal de contas, é um ato que se faz com qualquer um. Dar o ombro? É outra coisa!

Pois é! Ela, a Internet, registra tudo, possibilitando toda e qualquer manifestação. Tudo e todos são perquiridos. Tudo meio método socrático com um interlocutor virtual. O que é bom para o desenvolvimento das ideias, quando bem dirigido. Mas isso já é outro papo. O caminho é longo para que as boas ideias materializem-se em ações individuais, transformando a “massa”, referida no hino, em cidadãos verdadeiros.

Graças à tecnologia, pudemos assistir a uma coreografia pobre, a um encerramento desvinculado da nossa exuberância musical, que sabemos de qualidade.

Pena que o pontapé inicial de abertura da Copa nos foi subtraído, tanto pela ausência da fala das autoridades que deveriam fazê-lo, como é de praxe, quanto pela exposição do jovem tetraplégico, alçado a jogador, graças à ciência e tecnologia trabalhadas por cabeças brasileiras.

É! A manipulação é perversa. 



Os FILHOS DE VERA CRUZ, música composta por Altayr Veloso e Paulo César Feital, especialmente para a Copa, e cantada por Zeca Pagodinho, bem que poderia ter sido a música escolhida para o encerramento do espetáculo. E veja o quanto de simbólico encerram os versos que seguem, transcritos da referida música:



“Ó, minha pátria amada, cuida bem dos seus guris.”

“Mete nas canetas, faz de letra meu país.”



Observa-se tanto a expressão do drible “de caneta”, quanto o pedido de que se coloquem os guris de posse das canetas, com que se escreve, fazendo de letra um país. Não somente com os pés trocados como um gol de letra, mas um gol de letra no analfabetismo funcional, que ainda grassa.

O caminho é longo, mas vale a pena investir, pois são as ideias que movimentam o mundo. Educar é o caminho.






Zeca Pagodinho fala sobre Filhos de Vera Cruz – música para a Copa do Mundo 


Clip de Zeca Pagodinho para a Copa do Mundo/Brasil 



Velhas Árvores - Olavo Bilac 




quarta-feira, 11 de junho de 2014

NO CLIMA...


O olhar de Celinha é de quem a tudo entende e de tudo participa. Pequeno, mais na retaguarda, observa de longe, geralmente. Nada como fazer parte daquela vida tão atribulada.


Quem diria que Rô se completa, de verdade, quando abre a porta e dá de cara com aqueles dois pares de olhos à espera não se sabe bem do que. Bem, à espera de amor, atenção, afeto, carinho e outros que tais.


Rô, diga-se de passagem, não é exatamente assim tão dócil, tão afável, com os de sua espécie. Mas com eles! Sabe como cativá-los, atraí-los, chamá-los! E tem, da mesma forma, essa atenção retribuída. Um quase “namoro” diário, diria. 

Aliás, palavra essa que, já dicionarizada, data de 1881, sendo “namorada”, ainda antes registrada, em 1813. A primeira no Dicionário Caldas Aulete, 1ª edição, e a segunda no dicionário Morais, 2ª edição. Namorar não é somente inspirar amor ou apaixonar-se. É, bem antes, cativar, atrair, chamar a atenção, encantar-se.



O cessar do barulho de água do chuveiro prenuncia a hora da janta. Que hora tão feliz para os três!

Depois, uma breve olhada sobre aquilo que aconteceu pelo mundo e que, com certeza, não interessa àqueles que se enrodilham aos pés da já sonolenta assistente, Rô. Assiste à televisão, naquela hora, por hábito e por, até certo ponto, dever de ofício.

Ao deitar, porém, é que o namoro completa-se. Tudo aos moldes modernos. Os tempos são outros, caros leitores. Com certeza, depois de abraços, beijinhos e carinhos sem ter fim, conforme letra de Vinicius de Moraes, na música Chega de Saudade, de Antonio Carlos Jobim, a despedida dos enamorados à porta da casa da escolhida não se seguirá. Isso é coisa do século passado. Bem passado! 

Agora, antes de Rô deitar-se, lá já estão Celinha e Pequeno acomodados. Estabelece-se, então, sem querer ser vulgar, nem escandalizar, uma espécie de ménage à trois, numa versão puramente afetiva, desvestida de qualquer outra intenção, por óbvio! Rosângela, mulher de seus 50 anos, realizada em sua vida profissional, como autônoma no seu negócio de publicidade, aparenta ser feliz em sua vida pessoal. Tem um afeto correspondido, religiosamente, todo santo dia, sem cobranças, sem reclamações, sem agressões, hipocrisia e nem mentiras. Como Rô vai vivendo? Ao que parece, muito bem, obrigada!

E a jovem adolescente que espera um buquê de flores que o também adolescente lhe prometeu entregar no Dia dos Namorados? Ela transborda de felicidade!

E aquela outra que ama “de paixão” a amiga, ou aquele outro que encontrou no amigo a razão de viver? Também, vão bem.

E os outros, acho que ainda são a maioria, que trocarão juras de amor para todo o sempre? Também, estão felizes!

E os que nem mais olhares trocam, sobrevivendo como o par ideal aos olhares de terceiros? Sim, também esses parecem felizes!

E tantos mais que realmente encontraram a receita do viver harmonicamente, não sem sacrifícios pessoais? Esses comemoram a felicidade de estarem juntos, prova de que é possível trilhar o mesmo caminho de mãos dadas por tanto tempo.

E os enamorados das causas sociais que cativam aos necessitados de toda a ordem? Também esses estão a comemorar esse dia.

E os poetas? Aqueles enamorados das palavras e que as lançam sobre seus admiradores, num namoro constante e diuturno? Também esses estão no clima...





Portanto, namorem bastante. Continuem a namorar, porque, a despeito do escolhido/a para o namoro, o clima que se estabelece com o ser amado é que contará para que tudo pareça mais iluminado e belo.

Tal como na adolescência, ou quase infância, quando lá, distante no tempo, despertamos para o encontro amoroso.

Como nos excertos da poesia Dantes..., do livro Trocando Olhares, de Florbela Espanca, poetisa portuguesa, quando verseja:



Eu brincava a correr atrás de ti;

Uma sombra perseguindo um clarão...

E no seio da noite, os nossos passos

Pareciam encher de sol a ‘scuridão!



Eu tinha medo, um medo atroz infindo

De passear pelos campos a tal hora,

Mas, olhando os teus olhos cintilantes,

A noite semelhava uma aurora!



Ou, ainda, nos versos de Velha Infância, música de Arnaldo Antunes e Marisa Monte, quando diz:



E a gente canta

E a gente dança

E a gente não se cansa

De ser criança

A gente brinca 

Na nossa velha infância



Seus olhos, meu clarão

Me guiam dentro da escuridão

Seus pés me abrem o caminho

Eu sigo e nunca me sinto só




Você é assim

Um sonho pra mim

Quero te encher de beijos

Eu penso em você

Desde o amanhecer

Até quando eu me deito



Eu gosto de você

E gosto de ficar com você

Meu riso é tão feliz contigo

O meu melhor amigo

É o meu amor



Ou, ainda, quando a poeta quer o ser amado encantar, versejando:



Sei que não sei tudo.

Na verdade, apenas um bocado.

Contigo, porém, finjo saber quase tudo.

Só pra te deixar apaixonado.



Que a paixão é cega. 

Não vê um palmo além.

E por acaso existe alguém, 

Que já não conheceu essa entrega?




Se tiveres algum segredo a contar, 

Conta-o a mim.

Porque dele saberei guardar.

Mesmo daquela que sabe tudo de mim.

Pois sou duas e quero te encantar.

                                                     (Feitiço)



Mesmo depois, quando a saudade bater em sonhos à porta, ainda assim é preciso entrar no clima... e sorver o que de bom restou, como os versos que seguem:



O vento sibila lá fora...

Meus olhos se debruçam para além.

Um ruído de água toma conta de mim.

Eis que te vejo de roupão: é alucinação.

Viro-me e dou de cara com Chico: translúcido.

Hum! Que pelos macios!

Em êxtase, rodopio pela casa.

Busco aquele perfume,

Mas nada encontro.

Apenas um seio vazio é o que sinto: 

Vazio de seiva,

Vazio do teu cheiro,

Vazio de tuas mãos.

Opa! Por pouco não piso em Félix:

Bigodes brancos, pastosos, leitosos,

Que ronrona atrás de mim.

ACORDO...

E passo o mate pra mim.

                                                   (Em minhas mãos)



A todos que se sentiram representados ou que ainda buscam, em seus relacionamentos, esse estágio de encantamento


UM FELIZ DIA DOS NAMORADOS!







Velha Infância - Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown


Chega de Saudade - Antonio Carlos Jobim
Montreal Jazz Festival – 1986 




  





terça-feira, 3 de junho de 2014

DRIBLANDO...







Tenho para mim que ele buscou melhorar suas condições de vida. Nada mais justo. E suas dimensões pequenas foram um facilitador. Foi criativo o seu agir e não teve preguiça. Acabou num SPA, conforme disse o biólogo Ricardo Freitas do Instituto Jacaré.

O problema é que depois que chegou ao SPA, mais precisamente ao Lago da Quinta da Boa Vista, zona norte do Rio, a vida no lago não foi mais a mesma. Eram aves e peixes pulando pra todos os lados, tentando escapar da sanha do Robinho, um jacaré-de-papo-amarelo, macho, medindo 1 m e 26 cm e pesando 4 kg e 260 gramas. 

O pânico instalou-se entre aqueles que costumavam passear de pedalinho pelo tranquilo lago.

E Robinho lá dentro, sem concorrente, solito no más, nadando em água quentinha e tirando, vez por outra, uma soneca em pequenas grutas existentes.

Que maravilha!

Diga-se de passagem, não se pode culpá-lo por essa fuga do Parque Chico Mendes. Segundo relatos, as coisas não andam mais como antigamente por lá. A fauna, não mais diversificada como no passado, o isolamento do próprio parque dificultando o fluxo gênico, o assoreamento e poluição da Lagoinha, isso tudo explicaria as escapadas dos jacarés para fora dos limites do parque.

Então, foi em busca de mais alimento, liberdade e emoção. Dessa maneira, adentrou pelas galerias de águas pluviais da região, indo parar no Lago da Quinta da Boa Vista. A felicidade, porém, durou pouco. Durante 72 horas fez o que pôde, driblou com competência todos os seus marcadores. Por isso, foi apelidado de Robinho, nosso conhecido jogador. Finalmente, refugiado dentro de uma gruta, foi capturado. Segundo o biólogo, a captura foi no laço, manualmente. Nada sofreu. Foi devolvido ao Parque Chico Mendes novamente.

Os frequentadores do Lago deram graças a Deus, pois estiveram, por um tempo, mais a perigo que minhoca em galinheiro.

De qualquer sorte, provou ele a sua capacidade de driblar não só aos seus captores, confirmando a “tese” de que é possível migrar, quando se quer verdadeiramente, para outras paragens, para qualquer outro mundo, considerando-se aqui uma nova visão no mundo das ideias, ou no das relações societárias, ou no do seu “eu” consigo próprio. Tudo em prol de uma melhoria nas condições de vida pessoal e em sociedade.

Basta que saibamos encontrar as alternativas melhores e corretas (não os arranjos chicaneiros), driblando com competência as dificuldades que se impõem a quem resolve enfrentá-las.

Segundo Charles Watson, professor na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro:

“A preguiça bloqueia a criatividade”.

Acrescenta, mais adiante:

“Todo mundo tem ideias. Quando você tem uma ideia que acha muito especial, pode contar com o fato de que outras 250 mil pessoas tiveram essa ideia. A diferença está em quem decide concretizá-la e isso envolve intenso trabalho”.

(Fonte: ZH de 31/05/14 – p.23)

Exemplo incontestável traz a reportagem, também de Zero Hora, de 1°/06/14, p.46, que leva o título de A Formatura do Ano, conforme link abaixo.

Nela fica demonstrado que a falta de dinheiro e de apoio da família para estudar não foram obstáculos suficientes que impedissem a jovem vietnamita Tay Thi, de 20 anos, de ser a primeira pessoa de sua comunidade a ter formação universitária. Vale a pena a leitura dessa reportagem.

Então, valendo-me do já famoso “Robinho”, cujo drible foi exitoso, pelo menos por um tempo, dispenso, de propósito, o aspecto do acaso. Não foi por acaso que caiu ele nas galerias de águas pluviais. Saiu, isso sim, em busca de mais alimento. Foi à luta.

Pois é! Quando indago de um jovem sentado no meio-fio da Avenida Getúlio Vargas, por que ele não arranja um trabalho, ele confessa, pausadamente, que não quer trabalhar. Prefere ficar sentado onde está, recebendo moedas, que não lhe darão futuro algum. Moedas dadas para acalmar a consciência de quem se condói com a cena.

Errado ele, pobre mendigo. Errados nós, que não cobramos do Estado soluções concretas, viáveis e aplicáveis a todos os que perambulam pelas esquinas, se avolumam embaixo de marquises, viadutos e pontes ou, displicentemente, sentam-se em frente a estabelecimentos bancários e restaurantes, aguardando que do céu caiam benesses que só com o trabalho é possível tê-las. Consegui-las de outro jeito, sabe-se, ou é mendicância, e aí deve o Estado direcionar políticas para resgatar esses indivíduos da rua, capacitando-os para o trabalho, ou é crime e merece uma legislação repressiva e extensiva a todos os que incorrerem nessa prática. Sempre atenta, porém, à ressocialização desse indivíduo, que é o objetivo último.

Portanto, drible bom mesmo é aquele dado por quem, frente a dificuldades de toda a ordem, busca o melhor caminho para atingir seus objetivos. Sempre, é claro, dentro da ética, do respeito e do bom senso. Aquilo que, antigamente, chamava-se de “bom caráter”.



Por ora, a partir de 12 de junho, esperam-se muitos dribles dados pelos nossos jogadores, para que consiga a Seleção Brasileira atingir o seu objetivo maior que é a conquista do Hexacampeonato Mundial de Futebol.

Torçamos para que haja muitos dribles e que, pelo menos alguns desses dribles, sejam contra o goleiro, atingindo a rede adversária com sucesso. Qualquer coisa, a gente convoca o jacaré Robinho, que é bom de drible.

A bola vai rolar...

Depois da festa?

Bem, vencedores ou não, está mais do que na hora de mudarmos o paradigma do famoso “jeitinho brasileiro”. Isso não é driblar dificuldades. Isso só nos atrasa e nos deprecia frente aos outros e a nós mesmos.

Mais foco, determinação e disciplina, palavras-chave de conhecido empresário brasileiro, com o qual concordo plenamente, resultarão em objetivos alcançados. Claro, tudo com muito trabalho.





Desejando que a Seleção Brasileira faça muitos gols, lembremos, agora, da música que consagrou o espetacular gol marcado por Fio Maravilha, jogador do Flamengo, em partida contra o Benfica em janeiro de 1972, assistida pelo flamenguista Jorge Ben Jor e que resultou na música Fio Maravilha, gravada no mesmo ano, que entrou para a História da Música Popular Brasileira. Seguem, abaixo, dois vídeos que reproduzem a canção Fio Maravilha. A primeira apresentação traz apenas o áudio da música, ainda com sua letra original. O segundo vídeo, ao vivo, Jorge Ben Jor, por razões de direito autoral, em ação movida pelo jogador João Batista Sales, o Fio Maravilha, contra ele, modifica a letra trocando as palavras Fio para Filho e Galera para Magnética. Isso deixou um tanto quanto estranha a letra, não perdendo, porém, a batida que consagrou a música.










Fio Maravilha - Jorge Ben Jor (letra original)




Filho Maravilha - Jorge Ben Jor












quarta-feira, 28 de maio de 2014

PERENE ALIMENTO



Onde será que ela despeja toda a sua luz durante o dia?

Acho que para ela não existe dia. Só na escuridão é que desfila seu esplendor. Por isso busca, noturnamente, mostrar-se nua, prenhe de tempos em tempos, mirrada em outras vezes. Porém, sempre poderosa. Perfeita no seu comando, norteando mares e marés, norteando amores e dores.

Ao se deixar fecundar, vai-se avolumando, noite após noite, desfrutando de olhares sequiosos de sua beleza, parecendo uma dama da noite que se perde no infinito, por vezes.

Não se perde, porém, da sua função primordial que é encantar, seduzir. Quando reaparece, suas formas vão tomando corpo e aí é que mostra toda a sua força. Ela é profundamente diferente de nós mulheres. Quanto mais volumosa, mais atraente, mais desejada. Dessa forma plena é que seus amantes a querem cada vez mais. Sob sua luz, serve ela de repositório a juras de amor.

Quando vai emagrecendo, porém, perde muito de seu poder. É como se na passarela do infinito, só tivesse vez quando estivesse bem redonda. Quanto mais redonda, mais presença, mais assistência, mais luz.

Enamorada dela, sinto-me profundamente recompensada quando a vejo nua, totalmente redonda, sobre minha cama iluminando meus sonhos. Despejando sua beleza toda sobre mim, aguardo, a cada passagem sua, que meus sonhos aconteçam de verdade. Que eu possa tornar-me tão bela quanto ela e tão generosa no doar-se a quem busca por mim.

Contrapondo Pablo Neruda em seu Livro das Perguntas, em que lança a frase:

- Onde deixou a lua cheia seu noturno saco de farinha?

Eu respondo que a lua cheia despeja seu noturno saco de luz sobre nós todos, abastecendo, com seu perene alimento, nossos sonhos pelos tempos afora.

Um alimento que necessita do silêncio para que melhor a apreciemos.

Aquele silêncio captado por quem se detém a olhar o céu que, mesmo durante o temporal, oferece momentos de profundo vazio de sons. Treinar os ouvidos e ser capaz de captar o silêncio e dentro dele o mais leve balançar das folhas ao vento.

Daí em diante, todo o som será apreciado com ouvidos seletivos e prontos para qualquer mudança nas cadências que o acompanham. E isso é saudável.

Há quem, porém, diante de um verdadeiro tsunami de sons que nos cercam, não resista e procure afastar-se, levando consigo a fé de que “a onda passará”, como diz a letra da música  A Força do Silêncio de Humberto Gessinger e Duca Leindecker.

Há pessoas, com as quais tenho conversado, que têm dispensado, com certa frequência, os jornais televisivos, que são sobremaneira importantes, sob o argumento da necessidade “do silêncio” de quem não quer ouvir de forma diária e constante um tsunami, neste caso, de desgraças, de desastres, de matanças. Têm optado pelo silêncio. Aquele que Quintana enalteceu como sendo O DOCE CONVÍVIO. Escreveu ele:

Teus silêncios são pausas musicais.


E a lua?

A lua agradece. Sobrará mais tempo para ela. Sobrarão mais momentos para desfrutarmos do seu olhar noturno sobre nós, como disse Quintana:

Atenção! O luar está filmando...

Afirmação essa, dirão, que só pode ter nascido de um poeta. Claro, que sim. Quintana, novamente, confirma a importância dela, a lua, sobre os poetas, quando escreve:

Digam o que disserem, mas a lua continua sendo o LSD dos poetas.

Eu diria que, para quem treinou o olhar para buscar o belo, ela faz parte do universo particular desse observador. E ao ler Quintana em outro epigrama, que faz parte do seu Caderno H, encontro a resposta para tal encanto. Sob o título NÓS OS ESTELARES, escreveu:

Esses que vivem religiosamente se embasbacando ante o espetáculo das inatingíveis estrelas – nunca lhes terá ocorrido acaso que também fazem parte da Via Láctea?

Pois é, ela também é inatingível, mas somos, todos, dela vizinhos, vivemos no mesmo espaço e, sempre que podemos, nos visitamos. No meu caso, é uma visita de olhares que, embora distantes, adentram a minha privacidade quando pousam sobre minha cama.  Nessas oportunidades, ela saúda nossa cumplicidade, desviando o olhar, por vezes, enrubescida.

E diante da minha surpresa, um piscar percebo, saudando essa tão antiga amizade.


É! Ela é perene.

Alimenta meu espírito e ilumina os cantos escuros da minha caminhada.

E é no silêncio de um olhar que sempre nos comunicamos.




Era – Divano



A Força do Silêncio - Pouca Vogal



Luar (A Gente Precisa Ver o Luar) - Gilberto Gil 




No Lombo do Luar - Os Monarcas