segunda-feira, 13 de julho de 2015

EM BUSCA DA LUZ VERDADEIRA... ESSE É O PLANO



Com a mãozinha na beira do poço, espia lá pra dentro, pra o escuro. Nada enxerga. Nem consegue ver onde é o fundo.
 
A imaginação continua. E se fosse o contrário? E se estivesse lá embaixo, no escuro? Ela, a luz, acenaria lá de cima, da beira, como a indicar uma rota de fuga. A sensação seria diferente.
 
Quem, naquela idade, gostaria de penetrar no escuro sem saber aonde iria dar aquele caminho desconhecido.

A luz, por outro lado, por mais tênue que seja e por menor o ponto iluminado, sempre indicaria uma possibilidade de encontro com algo mais promissor do que a escuridão absoluta.

Visões infantis transformadas em pensamentos amadurecidos pelo tempo.

A luz ilumina e nos afeta com a intensidade em que é projetada ou com a intensidade que nos permitimos enxergá-la.

A luz branca do poste, que ilumina o chão, será menos ou mais intensa dependendo do olhar de quem observa e, principalmente, se este olhar enxergar aquele que jaz envolto em trapos no meio-fio da calçada. Será possível colocar um pouco mais de luz neste vulto?

Se a conscientização fizer parceria com a tomada de atitude, valerá um olhar mais demorado porque ele indicará uma luz a perseguir-se: exatamente como aquela que conduz da escuridão do fundo do poço à luz que emana da sua beira.

Uma luz é o que se persegue.

Que venha do sol que ilumina o dia.

Que venha da lua que ilumina a noite.

Que venha da justiça, da igualdade e da fraternidade que iluminam a sociedade.

Que as sombras não nos pareçam reais, pois não o são. São apenas sombras.

A luz que brilha fora da caverna é a que nos deve guiar. O olhar contra a parede e a iluminação a nós imposta tem que ser subvertida. A luz que se busca é aquela capaz de abrir as mentes e tocar os corações.

A evolução do ser humano só acontecerá quando as condições para tal forem conscientizadas e buscadas por ele próprio. Pela conscientização da importância de si mesmo como espécie.

É um trabalho árduo que pressupõe a capacidade de percepção do que nos cerca: das artimanhas em que estamos envolvidos.

A globalização, até certo ponto, facilita esta conscientização, pois há inúmeros exemplos, em diversos segmentos de sociedades tão diferenciadas, que possibilitam uma observação geral do que já deu errado, do que está dando errado ou do que ainda parece ter salvação.

Tudo indica que estamos a viver de imagens fabricadas e que passamos a concebê-las como realidades. As telas transformaram-se em paredes onde depositamos o olhar opaco, já sem luz, porque a luz verdadeira está lá fora. Está no parque, nas calçadas, nos viadutos, nos pátios, no convívio, no olhar do outro.

Na caverna de Platão e mesmo na de Saramago, mais próxima a nós, temos uma luz irreal, uma luz que não nos ilumina, que não deveria fazer parte de nossa caminhada.

Buscá-la: deve ser o plano individual.

Expandi-la: o plano universal.

Senti-la: aquilo que nos fará evoluir.


Uma luz em que o espectro apresente todas as cores, todos os matizes, todas as variantes: assim como são constituídos os mais diversos seres humanos.

Saiamos em busca. Para tanto, exige-se muito esforço.

Esse é o plano.

Afinal, estamos a falar da nossa sobrevivência como espécie.

Não valerá a pena o esforço?



De resto, façamos como escreveu Mario Quintana: 

 
 
Ou como Nelson Cavaquinho e Elcio Soares que souberam transpor esta mesma luz na composição Juízo Final, música cantada pelo próprio Nelson, com imagens resgatadas de apresentações do artista.

Que esta luz vingue para a nossa salvação como espécie.




Nelson Cavaquinho – Juízo Final 








terça-feira, 7 de julho de 2015

DESDE SEMPRE... NADA SERÁ COMO ANTES



Pezinhos aproximam-se, ligeirinho, do portão da rua e descem pelo caminho que leva ao pequeno armazém da esquina que vendia docinhos. Na bandeja, ao final do dia, restavam alguns farelos adocicados. Nada mais.

Tudo tão tranquilo, tão livre, tão natural.

Uma criança de tão pouca idade, nos seus cinco anos de vida, saía pelo portão para comprar docinhos.

Hoje, é absolutamente proibido tal comportamento pelo perigo real que ronda todos e tudo: não mais só as crianças.

Apenas a saudade será sempre igual.
A saudade daquilo que existiu, daquilo que foi.

Ir à escola pelos campos afora, sozinha, caminhando sem preocupação, cabelos ao vento e a pasta com os cadernos. Sem celular, porque não existia.

Hoje, impossível tal aventura diária.

Apenas a saudade será sempre igual.
A saudade daquilo que existiu, daquilo que foi.

Caminhar por ruas centrais daquela Cidade, ainda toda Sorriso, era um prazer. A jovem adulta, toda feliz, com um rubi pendurado ao pescoço, presente da avó, caminhava despreocupada com aqueles que, porventura, lhe observassem. Fossem conhecidos ou não, estivessem caminhando ao lado ou nas proximidades, isto era indiferente.

Hoje, impossível tal atitude.

Apenas a saudade será sempre igual.
A saudade daquilo que era, que tinha sido, que fora.

Deslocar-se a pé, em plena meia-noite, saindo de um show no Gigantinho e indo para casa, acompanhada pela mãe já idosa, seria isto possível?

Sim, elas e outras tantas pessoas, moradoras do bairro, percorriam ruas em plena madrugada, despreocupadamente. Todas ainda sob o impacto do belo espetáculo assistido, com os olhos ainda impregnados daquelas imagens que nos fazem vibrar por dentro, que nos enlevam. E tudo isto pela rua, rumo ao lar.

Lares cujas cercas ou muros não existiam. Onde a grama encostava na porta da frente e se estendia até o meio-fio da calçada. Sem grades, sem cercas, sem medo. Algo desconhecido hoje.

Apenas a saudade será sempre igual.
A saudade daquilo que tinha sido, daquilo que fora.

Ah! Como seria na Idade Média?

Por aqui, não sabemos.

Ainda não existíamos.

Um pouco depois, porém, já se enfrentaria a realidade do dia a dia. Pulando-se os primeiros trezentos anos, por volta de 1800, a título de passeio pela memória, com certeza existiram dificuldades. Quem sabe, incompreensíveis para a época. E a saudade dos séculos anteriores se estabelecia como consequência.

Apenas a saudade será sempre igual.
A saudade daquilo que tinha sido, daquilo que existira.

O tempo traz mudanças, mas todas, em certa medida, fizeram-se presentes em todas as épocas. O homem poderia, portanto, ir somando experiências e melhorando o seu interior no sentido de uma maior empatia com o seu semelhante. Salvaria com isto o outro que é a sua própria semelhança. Todos ganhariam. A Humanidade ganharia. A Cidade Sorriso ganharia.

E a saudade, talvez, nem tivesse assento, pois, a cada dia, seríamos melhores, mais humanos, mais civilizados.

Não sendo esta a realidade, permanece a saudade daquilo que antes era bem melhor.

E como nós humanos somos imperfeitos, a perfeição, talvez, nunca se alcance. E para sempre haja “aquela saudade” dos tempos antigos, em que parecíamos melhores do que somos hoje.

Na verdade, parece utópico perseguir-se tal caminho: o da perfeição.

Mas o que nos faz caminhar é justamente a busca pela utopia. Eduardo Galeano, escritor uruguaio recentemente falecido, estava certo. Ela serve para isso: para que não deixemos de caminhar.



E o título se comprova.

Desde sempre, nada será como antes. E os sonhos, por mais distantes que pareçam estar, servirão para que caminhemos em busca deles.

E a saudade daqueles tempos mais antigos, daqueles melhores tempos nunca cessará. Todas as mudanças geram desconforto e uma ponta de nostalgia dos tempos passados. Ainda mais quando elas dizem respeito à própria evolução do ser humano.

Portanto, enfrentemos os novos tempos, pois eles são, em essência, os mesmos velhos tempos, travestidos, porém, de modernos. E, por isso, novos para os olhares desse novo/velho homem.

Basta nascer, abrir os olhos e já preparar-se para sentir saudade do conforto que era aquele cálido berço em que se encontrava deitado o pequeno ser, até então.

Temos um esplêndido passado pela frente?
Para os navegantes com desejo de vento, a memória é um ponto de partida.                
                                                                     (Palavras Andantes – Eduardo Galeano)

E, em cada novo tempo, a saudade estará presente, mas a esperança, que com ela faz par, será sempre um caminho que se deixa de herança, conforme versos da música Novo Tempo, parceria de Ivan Lins e Vitor Martins.

Agora, vale a leitura de dois epigramas que seguem, criações de Mario Quintana, publicadas em seu Caderno H, que mencionam, de forma jocosa, o tempo e a percepção do homem sobre a relação sua com ele.








Novo Tempo – Ivan Lins








sexta-feira, 12 de junho de 2015

ELA É PARTE DE NÓS



Todos a possuem, embora nem saibam.

Quem se interessaria por aquelas formigas, carregadinhas de folhas, levando o alimento para os seus esconderijos? Pisar sobre elas sem olhá-las é absolutamente normal. Porém, há quem, olhando a cena, dê vazão a uma perspectiva interpretativa do mundo, daquele recôndito íntimo que guarda sensibilidade e atenção e extraia da cena palavras que expressam a semelhança entre todos os seres vivos: a luta pela sobrevivência, comum a todos.

Todos possuem este instinto como também possuem um olhar possível de transcender uma cena tão insólita, irrelevante, quanto uma fila de formigas. É nessa transcendência, que alguns não exercitam, que se poderia avaliar a capacidade de percepção e de construção da palavra pensada, falada e escrita: da palavra poética.

Ela nos pertence. Apenas, alguns não acordaram para ela. O ato da Criação já é um ato de pura Poesia. E a fantasia faz parceria com a utopia para colorir uma realidade nem sempre colorida. A Poesia pode, porém, transformá-la, transformando o próprio ser em agente único com esta capacidade, porque está na gênese do ser humano pensar poeticamente. 

Portanto, ela, a Poesia nunca morrerá, enquanto um só homem existir. Ela sempre servirá para a expressão mais íntima, mais absoluta, mais necessária a este ser humano carente de respostas, abraçado por dúvidas e questionamentos. Ela sempre exercerá o seu papel de dar vazão a essa necessidade constante. Ela veio com ele para lhe dar suporte e lhe possibilitar extravasar o que, por vezes, lhe é pesado demais. Ou, quem sabe, até o que lhe transborda de felicidade e que se derrama para lhe dar novo fôlego às certezas e incertezas do dia a dia.



O poeta Affonso Ávila, detentor do Prêmio Jabuti de Literatura, mineiro de Belo Horizonte, já falecido, escreveu:


“Vejo que a poesia nunca desaparecerá. Dentro de séculos ou milênios vamos ter poesia publicada na Lua, em Marte. Por onde o homem for a poesia vai com o homem. Ela vai dentro do homem, está na gênese do homem”.


E observem como, desde jovem, é possível ter um olhar diferenciado sobre o aparentemente trivial, mas que transformado em poesia demonstra o quão importante é a capacidade de expressão poética, como seguem os exemplos abaixo, transcritos textualmente. Todos os textos poéticos foram elaborados por alunos de escolas estaduais do Rio Grande do Sul e publicados, em 2009, no livro Crianças do Rio Grande Escrevendo Histórias.













No primeiro poema, cenas aparentemente banais como a imagem de pés ressaltam a importância dos caminhos que irão percorrer, não importando qual tipo de pé esteja sendo observado. O que se impõe é saber quais caminhos serão escolhidos pelo ser humano para a sua caminhada pela vida afora. E as antíteses, figuras de linguagem de aspecto semântico, por várias vezes repetidas, demonstram que a construção poética pode surgir a partir da necessidade de expressão de opostos, elementos que nos acompanham desde tenra idade. 

Ou, ainda, no segundo poema, uma reflexão sobre a ação deletéria do homem sobre o meio ambiente, ressaltando, porém, a inabalável esperança que deve uma criança portar. Surpreende a percepção infantil de que por ser criança a esperança ainda persiste como perspectiva.

O terceiro poema traça, de forma ordenada, o desfilar de sentimentos egoístas que não apontam para um viver saudável.

E o tema da adolescência, no quarto poema, aparece como um extravasar de sentimentos numa fase da vida ainda por firmar-se, com todos os atropelos causados pelos hormônios em alta, retratando de forma até bem-humorada o seu próprio quadro de vida, valendo-se de figuras iguais a si mesmo.

É! A poesia está dentro de nós. Quando instigada, acorda e faz maravilhas.

Para os mais crescidos e que acreditam no amor cabe, hoje, Dia da Língua Portuguesa, lembrarmo-nos do poeta Luís Vaz de Camões e sua extensa produção literária. E ele soube com grande virtuosismo cantar o amor.

E como todo bom poeta a centelha que alimenta a sua expressão escrita é produto desse amor que se encontra na sua própria origem, pois a Poesia está na gênese do próprio poeta.

E quando ela faz parceria com a música, melhor ainda fica.

Exemplo dessa bela combinação fica evidente na música MONTE CASTELO do Grupo Legião Urbana, na voz de Renato Russo, onde versos de um conhecido soneto de Camões são muito bem aproveitados em letra, música e arranjo de sua autoria. O título Monte Castelo é uma referência à principal batalha ganha pela FEB durante a 2ª Guerra Mundial.



Nesta data de 10 de junho, em que se comemora o Dia da Língua Portuguesa, nada mais apropriado do que refletirmos sobre a importância dela em nosso dia a dia e, em especial, quando ela está vestida de POEMA, que é a expressão mais completa e mais reveladora do nosso eu.

O título da música, Monte Castelo, traz um claro antagonismo à mensagem da letra, pois a referida batalha é de desamor como todos os atos de guerra mantidos pela humanidade.

Em razão não só da data de 10 de junho, como também a de 12 do mesmo mês, Dia dos Namorados, vale a pena ler a bela mensagem de amor contida no soneto AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER do tão prestigiado poeta português. Nele, os oxímoros e paradoxos, figuras de linguagem de aspecto semântico, bem como as anáforas, figuras de linguagem de aspecto sintático, estão presentes enriquecendo o produto final: um belo e atual poema, com todas as incertezas e surpresas que o AMOR possibilita. E este sentimento, com certeza, é o que interessa aos apaixonados.

A leitura deste soneto de Camões é um presente da cronista para o Dia dos Namorados. 

Após, ouçam o soneto recitado por um ator português, com uma ligeira modificação no final do texto, bem como o mesmo soneto musicado e interpretado por uma dupla de cantores portugueses que conferem ao poema um ritmo, uma batida bem atual.

Para finalizar, o arranjo da música Monte Castelo com a letra do soneto de Camões interposta.









João Villaret – Amor é fogo que arde sem se ver 


Luis Represas & João Gil – Amor é fogo que arde sem se ver 


Legião Urbana – Monte Castelo 







domingo, 10 de maio de 2015

PRESENÇA CONSTANTE












Com chuva, com sol, não importava o tempo, aquele compromisso era cumprido com grande satisfação por mim e por quem me acompanhava.



Afinal, a leitura de livros e revistas era complementada por outra leitura: a da pauta musical.


Ler, algum tempo atrás, era percorrer com os olhos o caminho das letras, as pausas e interrogações, as reticências... Para mim era também reproduzir com o toque dos dedos as notas absorvidas pelo olhar e transformadas em sons que brindavam os ouvidos, que alimentavam o corpo e o espírito.

Ler e imaginar, ler e sonhar, ler e interpretar um texto sempre foi prazeroso.

Agora, reproduzir a pauta musical em sonoridades que convidam o próprio corpo ao movimento e que, também, carregam a imaginação pra bem longe é uma capacidade que nos oferece um sabor diferenciado ao trivial do cotidiano. Treinar o ouvido à beleza dos sons do mundo musical é um importante suporte para que enfrentemos alguns momentos de maior ou menor inquietação espiritual. Ser capaz de sentir emoção no ato de ouvir determinada melodia é bastante reconfortante. Nem é preciso entender de pauta musical. Basta aprender a sentir a beleza que brota de sonoridades as mais diversas. E isto fica por conta do momento, do tipo de música e do humor daquele que está em busca.



Retornando à caminhada, sob chuva ou sol, agradeço àquela que me acompanhou nesta jornada por longos sete anos. De ônibus, lá íamos duas vezes por semana, nos primeiros tempos, e uma vez no restante, até o local onde as aulas eram ministradas. Tempos inesquecíveis. Claro, este é apenas um trecho da caminhada. Outros existiram antes e depois deste. Alguns outros, posteriores, bem mais desafiadores.

Todos, porém, com esta presença fundamental, constante, incentivadora e colaborativa na acepção mais ampla da palavra. Além de ter sido uma guerreira de longas batalhas ao meu lado.

O meu carinho e saudade àquela que me acompanhou até quando pôde. E que, acredito, ainda olha por mim de longe. Quem sabe... Talvez, de bem perto.



Ah! Ia esquecendo...

Hoje, a sigla LER, não o verbo, representa um dos motivos de consulta ao ortopedista. A síndrome chamada Lesão de Esforço Repetitivo tem levado vários jovens, segundo informação de um médico ortopedista, a serem atendidos após sentirem dores nos dedos e pulsos pelo ato de uso repetitivo de comunicação pelo WhatsApp ou What’s Up, o que seria mais correto. Além do uso compulsivo de celulares, tablets e smartphones que, comprovadamente, geraram a chamada Dependência Digital, já considerada um transtorno mental.

Isto, porém, é assunto para outro momento.

Hoje, é o dia delas: o Dia em Homenagem às Mães. O meu agradecimento e saudades à Dona Sirene, minha mãe.

As saudades, no meu caso, revelam que a distância no tempo não interfere no sentimento de falta. Ele ainda está presente. 



Minha homenagem às Mães com a Turma do Balão Mágico cantando MINHA MÃE, letra sempre atual e que serve a todas nós mães de hoje, às futuras e, também, àquelas que já se foram.






Minha Mãe – Balão Mágico 








sexta-feira, 24 de abril de 2015

O VAZIO PLENO













O cheiro de bergamota, o do caqui-chocolate e o da laranja no pé...

O barulho do balde batendo na água, no fundo do poço...

O banco de praça servindo de mesa para o café da manhã da Mariazinha e do Joãozinho, bonecos tão amados...

O galpão que guarda tantas quinquilharias...

O balanço que carrega Juquinha de cá pra lá, de lá pra cá...

A cortina que esconde o presente de Papai Noel...

A parreira que quase não dá uva, mas compensa com uma sombra benfazeja...

Um cachorro que cuida do pátio e caça minhocas quando essas se aventuram para fora do canteiro das hortaliças...

Um olhar que procura a lua, pois sabe que é de lá que vem aquela luz que fascina e que mostra o caminho do céu...

Um caramanchão de flores que enfeita o portão de entrada do jardim...

Uma parede de hortênsias, quase sempre florida, enfeitando a janela do quarto...

Um porão que guarda um pote de manteiga, em dias extremamente quentes, para conservá-la fresquinha, pois não se tinha ainda adquirido o tão sonhado refrigerador... 

E que guarda mistérios, por vezes...

A cerca que esconde por entre as tábuas a figura da amiguinha que, de quando em quando, aparece para brincar...

Os pintinhos que acompanham a galinha Mindinha, todos juntinhos, na caminhada matinal...

A colmeia, muito respeitada, existente no fundo do quintal e só visitada por quem sabe colher o mel...

A pata Isadora que acabou morrendo por causa do galo Teodoro. Evento que, à época, ultrapassou a compreensão infantil...

Uma casa, um pátio, um jardim, um céu...

Uma menina sozinha e muitos livros: um universo para viver e sonhar.



Era uma solidão plena. Plena de imaginação, de cenas criativas, de sonhos e também, por vezes, do medo do desconhecido que se colocava fora do portão de entrada da casa. Nada tão assustador, porém, que não se desintegrasse pela alegria de percorrer poucos metros até alcançar outro portão: o da primeira escola que a menina passou a frequentar a partir do 1° ano.

Uma solidão que se desfez no encontro com os colegas de aula e na relação com os professores, que sempre tanto prezou.

E tudo mais ainda melhorou quando iniciou os estudos de música. Como afirmava Arthur da Távola, reconhecido jornalista, escritor, professor e um grande conhecedor da música clássica e erudita:

“Música é vida interior. E quem tem vida interior jamais padecerá de solidão.”

Um aparente vazio. Nada que um pátio desafiador, que a música, os livros, a lua e as estrelas não tenham preenchido.

E quando o dia anoitecia a imaginação percorria os campos férteis, lavrados ao sol e regados pelo suor das atividades desenvolvidas ao longo desse dia.

E assim caminhava a menina.



Nos embates do cotidiano, ela continua ouvindo, lendo e criando, sempre que possível.

E, principalmente, olhando, observando, conversando... E, novamente, olhando, percebendo, sentindo...

Sentindo, como se naquele pátio ainda estivesse.

Imaginando, como se aquela lua e aquela estrela fossem suas companheiras permanentes. E elas o são, ainda.

Criando, como se tivesse por missão preencher o constante vazio que deve estar para sempre pleno. Pleno de sonhos e de ações concretas. Pois é isto o que somos: aquilo que sonhamos. Para tanto, a menina acredita que deve fazer acontecer.

Esta é a verdadeira solidão plena e produtiva: aquela em que se tem espaço para sonhar e para fazer acontecer. Reconstruir com os pedaços um novo todo: é sempre desejável. 

É o que se busca com o poema RESCALDO. Transpondo-se para o universo infantil, AQUELE BICHINHO traz o desejo expresso de “reconstrução” e “continuidade” por quem tem nas mãos tal possibilidade. Neste, a ternura e a fantasia andam de mãos dadas. Em ambos, é bom estar preparado, sempre, para um novo recomeço. Um lugar em que o vazio não se instale, pois um recomeço é a capacidade de torná-lo pleno: pleno de sonhos e de realizações.

Vazio? Que vazio?

Seres pensantes nunca se encontram vazios. Pensar já é um exercício. E que exercício!

Há quem considere a possibilidade concreta do vazio pleno ou do alcance de uma espiritualidade profunda, desapegada de tudo e de todos. Deixemos isto, porém, para o depois. O depois que não exija nada mais de nós: nem o ato de pensar. Aí, quem sabe, o vazio finalmente apareça. Isto, porém, deve ter existência em outra dimensão.

Fiquemos, por ora, com a capacidade única de sermos criaturas e criadores de novas criaturas. E isto, com certeza, torna o nosso vazio totalmente pleno. “Dá um trabalho danado”, mas é extremamente gratificante.

Trazermos os sonhos de infância e a imaginação criativa, que nos acompanha desde sempre, para um cotidiano de realizações pessoais. Este é o nosso destino por aqui. Ou não é?


Relembrem a música VELHA INFÂNCIA, composta por Arnaldo Antunes, integrante do Trio Tribalistas, que busca na letra aqueles referenciais infantis do amigo, do canto, da dança, das brincadeiras, do clarão da lua, da escuridão, tudo o que nos torna seres sonhadores, pois de sonhos somos construídos. E é na infância onde eles brotam. E temos de tê-los, mesmo que utópicos.


Eduardo Galeano, nosso reconhecido escritor sul-americano, recentemente falecido, afirmou que a utopia serve para que não deixemos de caminhar. Caminhar, digo eu, em busca deles: os sonhos.









Velha Infância – Marisa Monte 









sábado, 21 de março de 2015

RENOVAÇÃO


















Renovar é reinventar-se. É assistir ao espetáculo do chão atapetado pelas flores recém-caídas dos jacarandás da rua onde moro. É saber que este tapete se renovará, por primeiro, em novas flores exuberantes e em um novo tapete de rua no próximo Outono.

Com tantas datas a serem comemoradas no mês de março, é difícil escolher apenas uma para se comentar. Com certeza, porém, todas contêm o aspecto da renovação. Não só porque serão novamente comemoradas no ano seguinte, mas porque implicam num contínuo desejo de melhora daquilo que se está a homenagear.

Quem não quererá melhorar a situação das florestas e da água no planeta?

Para isso, porém, não basta elegerem-se os dias 21 e 22 de março para tais comemorações.

Aliás, se não cuidarmos desses dois fundamentais bens da humanidade, os nossos futuros Outonos não serão tão belos quanto os de hoje. Os jacarandás, talvez, nem mais depositem suas flores sobre os passeios porque, quem sabe, nem mais floresçam para nos dar este espetáculo.

E a nossa cidade, esta jovem de 243 anos, precisa se reinventar para que continue ainda jovem por mais 243 Outonos.

Temos que cuidar das poucas áreas de mata nativa de que ainda dispomos. Isto é absolutamente urgente.

E o nosso Guaíba? O nosso Arroio Dilúvio? Tanto se tem falado e tão pouco se tem feito.

Em A HORA É AGORA!, crônica publicada em 02/01/14, fiz referência a outra crônica, de nome RS + 25 – OH, GAIA! HAVERÁ SAÍDA?, publicada em 04/07/12, onde o vídeo anexado demonstra o que foi feito no Arroio Cheong Gye Cheon, em plena cidade de Seul, capital da Coreia do Sul.

Na mesma crônica, outro vídeo apresenta estudos iniciais feitos pela parceria UFRGS/PUC, onde as Universidades colocam todo o seu aparato humano e tecnológico à disposição dos gestores públicos, para que se leve adiante essa proposta de despoluição do Arroio Dilúvio. Tais vídeos são bastante elucidativos para a resolução de problemas como a despoluição e o cuidado com os mananciais, criando-se com estas medidas um forte apelo ao turismo na região.

Em outra crônica, À BEIRA DE UM RIO, publicada em 27/08/14, fiz uma reflexão sobre a situação do nosso Guaíba, de todos os demais rios que o compõem e dos arroios que desembocam nestes rios. A poluição hídrica é um fato gravíssimo.



Embora diante de tantas mazelas que nos cercam, é preciso ser feliz.

Não é nem preciso comemorá-la na data de 21 de março, dia dedicado a ela.

É preciso, porém, vivenciá-la diariamente. Renovando-se cada um de nós a cada amanhecer.

Na crônica UMA BUSCA DIÁRIA, publicada em 26/03/14, a felicidade é descrita como a capacidade de encantamento, de entrega, de emoção e paixão pela vida. Instantes do dia que o transformam para além do trivial, embora, como escrevi, esse aspecto contenha elementos significativos na busca de instantes em que a felicidade pode ser, também, ali encontrada. 

Como as marés, ela vem e vai. O importante é que esse movimento se estabeleça com constância. E cabe a cada um de per si captar, pelo menos, um instante diário em que o espírito, que é amor, possa sentir com o coração o poder de amar. A felicidade, neste momento, inundará aquele ser amoroso que detém o poder divino de fazer-se feliz, porque filho do Criador.

O aprendizado da felicidade requer um exaustivo trabalho do sentir. É pela capacidade de sentir que nos tornaremos mais próximos do outro e descobriremos o valor maior que representamos para nós mesmos e para o conjunto. Por isso, o embate é constante e necessita de um compromisso diário.

Torçamos para que os amanheceres sejam mais plenos e fraternos. Que novos caminhos se abram a todos que acreditam num olhar amoroso para consigo e para com o outro.

Aí estará depositada a semente da felicidade. Dela surgirá uma colheita digna de quem a plantou. 

E renovar-se será o propósito diário, a cada amanhecer...








Felicidade – Marcelo Jeneci