segunda-feira, 4 de julho de 2016

MUITO PRAZER! EU SOU A BOLSA...






Tenho muitos tamanhos, formatos e utilidades. Não gosto de ser jogada em qualquer lugar, deixada no chão, quase esquecida num canto da sala.
Sou vaidosa e tenho milhares de irmãs espalhadas por aí: tão vaidosas como eu.

Tem gente que se mantém fiel a uma por décadas, mesmo que não seja de grife. Apenas por puro afeto. Afinal, guardamos com carinho tudo aquilo que nos é colocado a guardar. Carregamos desde lencinhos, que oferecemos para as lágrimas enxugar ou os espirros abafar, a remedinhos, canetinhas, bloquinhos e aquele complemento que acompanha os batons, isto é, um blushzinho para retocar a maquiagem da dona.

Como circulo no meio feminino, devo confessar a minha ignorância quanto ao que carregam os homens em suas bolsas, incluindo-se todas, de todos os tipos.

Sei, também, que há donas que armazenam barrinhas de cereal para uma fome repentina, bem como outros pertences, eventualmente necessários, mas tão íntimos, que me abstenho de citá-los.

Sirvo, também, e isto me desgosta profundamente, para esconder objetos. Adoro, portanto, quando me abrem e arrancam de mim aquilo para o qual não fui feita. Fui feita para carregar os pertences pessoais de cada dona: não os surrupiados.

Há quem me confunda com sacola. Não gosto disto. Não é questão de grandeza. Sacola para mim, que sou uma bolsa, dá a impressão de um lugar em que se carrega de tudo um pouco: inclusive lixo.

Também não gosto que me confundam com bolso. Bolso lembra lugar para colocar o chamado lenço de bolso nos paletós ou blazers, quando isto era sinônimo de elegância. Bolso lembra-me, também, daquela menininha que guardava no bolso do casaquinho as florzinhas e sementinhas que encontrava pelo caminho. Era um lugar tão pequeno que só cabia a mãozinha com as sementinhas: as florzinhas saíam voando.

Pois eu sou esta bolsa que tem tantas utilidades. Eu reconheço-me assim.

Por outro lado, de uns tempos pra cá, tenho ouvido meu nome a torto e a direito. Não me tenho mais reconhecido nesta nova versão. Estão usando meu nome de forma metafórica. Foi o que disse minha dona. Ela contou-me que, atualmente, existe uma infinidade de bolsas. Todas diferentes de mim. Estas novas bolsas não são um objeto: são uma criação. Claro, todas se servindo da noção de utilidade que me é intrínseca.

Vejam só! É bolsa disto, bolsa daquilo...

Disse-me ela que tais bolsas servem para alimentar, para estudar, para morar... Que foram criadas para auxiliar os mais carentes.

No princípio, até fiquei feliz. Imagina! Eu servindo de inspiração para tão nobres causas!

Só que minha dona afirmou que tudo foi dominado, virando uma sacola de bondades, onde cabe de tudo um pouco, pois fiscalização nunca existiu sobre tais auxílios.

Confesso que não entendi o que ela quis dizer. Avisou que qualquer dia vai me explicar melhor. Que tudo só valeu porque eu virei uma metáfora. Metáfora? Ela também vai explicar isto.

Disse mais:

Que está esperando a Bolsa de Valores dar uma folga, para ver se melhora de vida. Porque do jeito em que está a coisa, qualquer dia, mesmo sentindo ter que assim agir, vai me vender para o brechó do bairro. Anda precisando de um dinheirinho...

Puxa! E eu vou para outra dona.

Só espero que, antes de me vender, me explique o que é metáfora.

E quanto às outras manas que estão por aí, isto é, as verdadeiras bolsas: tenho certeza que continuaremos nossa caminhada. O que importa é servir bem a quem de nós precisa.

Agora, senhoras, cuidado! Não se deixem levar pelas bolsas de grife.

Calma! Nada contra as de grife. Apenas considero que elas, as bolsas de grife, não resolvem os problemas existenciais. Isto fica claro na letra da música Bolsa de Grife, cantada por Vanessa da Mata.

Afinal, não sou de grife, mas executo com mestria meu trabalho.

Que o diga minha dona!

Quanto às outras, as metafóricas, aguardo as explicações.

Tenho pra mim que ela também aguarda mais detalhes.

Afinal, parece que há um pessoal já trabalhando, numa nova Operação, para sair atrás do prejuízo causado por tais bolsas.






Bolsa de Grife – Vanessa da Mata







sexta-feira, 17 de junho de 2016

MAIOR DO QUE “AQUILO”: SÓ O GLU-GLU-GLU!











Há uma quadra de Fernando Pessoa, entre tantas quadras ao gosto popular por ele escritas, que diz:
 

Pois, a propósito do último verso desta estrofe, espera-se que o mesmo não se confirme.
Aliás, para quem leu a crônica BICAR? FOI IMPOSSÍVEL!, publicada em 17 de julho de 2014, a compreensão do que segue ficará mais facilitada.

Lá atrás, mas não tão atrás assim, um salvador apareceu. Dunga era seu nome. Lembrado como um dos Sete Anões, reconhecido pelas crianças de outrora, muito brincalhão, que surgia para resolver todos os problemas que se apresentavam à época. E eram tantos! Eram muitos.

Acredita-se, hoje, que foi um personagem que nada teve de brincalhão e que também nada resolveu. Até porque uma andorinha sozinha não faz verão. Cada vez mais qualquer empreendimento vai precisar do espírito coletivo do grupo para alcançar os requisitos necessários à conquista do sucesso. E, além disso, que cada um dê o melhor de si para o conjunto.

O gosto da laranja mecânica, à época dos 3x0, não foi possível experimentar. Nem uma bicadinha foi permitida. Alguma coisa que amenizasse a derrota avassaladora, anteriormente sofrida. Nada aconteceu. As tão decantadas aves canoras não voaram o suficiente para adentrar àquele estonteante carrossel. Deram-se por satisfeitas em, pelo menos, não atingir um escore tão vergonhoso quanto o anterior.

Pois quem chegou para resolver o problema, também não resolveu.

Depois de tanto tropeço, chegou-se, finalmente, ao tempo das onomatopeias.

De gorjeios tão melodiosos, de piu-pius tão canoros, encontram-se tais aves afugentadas, presentemente, pelos glu-glu-glus ameaçadores que selaram mais uma derrota.

Assim, ficou claro que maior do que o ocorrido em 2014: só o glu-glu-glu.

E, novamente, outro gaúcho, não da fronteira, mas da serra, colocará em ordem as coisas lá pela Seleção Brasileira.

Carisma? Ele tem. Competência? Também. Além do espírito agregador que tem demonstrado na sua trajetória de vida.

Interessante observar que o nome do time formado por ele e amigos, para curtirem as folgas em Caxias, chama-se Carrossel. Aquele legendário grupo de jogadores da Holanda que formavam o conhecido Carrossel Holandês, vencedores da Copa de 1974.

Esperamos que, agora, a Seleção redescubra o seu potencial. Que seja possível reverter o vexame da última Copa do Mundo e que, principalmente, Tite consiga nos fazer esquecer daquele ensurdecedor glu-glu-glu com que fomos mandados embora da Copa América.

O canário trancou o bico. Coisa que ninguém imaginava acontecer. Aconteceu, porém.

Voltaram para dentro da gaiola. Que horror!

Agora, sabe-se que não é só tempo de mesóclises. As onomatopeias estão em voga, também.

Xô, glu-glu-glu!

Pobres canários!

Aliás, o falar estará se aprimorando nos últimos tempos?

Repeliremos, com veemência, qualquer insinuação desse tipo. Os canários voltarão a voar e cantar.

Outra novidade é este futuro do presente, usado por uma conhecida autoridade da nação.

Acontece, porém, que um futuro do presente não é capaz de apagar um passado...

Aguardemos as esperadas mudanças!

Xi! Olha aí um Presente do Subjuntivo, tempo que denota a existência ou não existência do fato como uma coisa incerta, duvidosa, eventual ou, mesmo, irreal.

Será que ficaremos sem as mudanças tão necessárias?


 
Branca de Neve e os Sete Anões





segunda-feira, 30 de maio de 2016

CUIDADO! SE CONTINUAR, LEVÁ-LO-ÃO EMBORA!



Foram três meses de puro desrespeito com quem tem direito ao descanso durante a noite. Beatriz foi testemunha auditiva das investidas a qualquer hora do dia ou da noite.

Diferentemente daquele seu irmão, o EPA, que teve sua triste história contada em 20/08/14, na crônica do sugestivo título UMA MANHÃ PARA ESQUECER, este nem nome tem e não vive num rincão distante.

Este, na verdade, está mais para aquele transgressor de Copacabana que sofreu um processo e teve que cumprir uma decisão prolatada pelo 4º Juizado Especial Criminal do Rio de Janeiro que determinou sua prisão durante o horário entre às 22 horas e às 6 horas da manhã.

Pelo que Beatriz tem ouvido, estão tentando mandá-lo embora, para ir cantar noutra freguesia. Já faz alguns dias que não dá o ar da graça. Até então, era, dia e noite, aquela cantoria a plenos pulmões. Não só quando anoitecia, mas durante a noite. E, claro, pela manhã afora. Não queria nem saber. Quando dava na telha, abria o bico. Até elas, moradoras do mesmo chão, já não aguentam mais. Embora sempre em maioria, não têm voz ativa para detê-lo. Elas, que também cantam, assumem com este proceder a autoria de um ato sublime: a possibilidade de gerarem um novo ser. E este anúncio, geralmente, acontece em pleno dia.

Beatriz, sem querer ser feminista, porque politicamente incorreto, acredita que este galináceo já se excedeu. É um macho muito metido, pensa que é grande coisa. Aliás, Beatriz soube por elas, que residem no terreiro, que há outros machos que poderiam tomar este lugar com folga de popularidade. Porque um cargo de mando, assim, precisa de competência e de capacidade de agregar. Afinal, ser competente é vital. Convenhamos, há espaço para todos, desde que cisquem cada um no seu quadrado.

Na verdade, elas não aguentam mais aquela história de “daqui não saio, daqui ninguém me tira”. E continuam fazendo comparações com outros que circulam pelo mesmo terreiro. Há outro, muito conhecido, que não perturba à noite. Vive às claras. Não faz conchavos.

Pois, vejam vocês, Beatriz e os demais vizinhos não sabiam disto. Só quem está mesmo no galinheiro é que pode chegar a estas constatações. Somente vivendo ali o dia a dia, para saber desses detalhes.

Parece que a incompetência é tamanha do tal ser que elas e os outros poucos, que existem por ali, levá-lo-ão para fora do cercado, de qualquer maneira. Se não for à custa de muita conversa e de aconselhamento, será por força de alguma medida do “dono” do cercado, ou de quem o represente: em caso de impedimento. 

O fato é que os vizinhos das redondezas do cercado poderão, acredita-se, em curto prazo, voltar a dormir em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo.

Talvez, uma ordem judicial apresente-se como solução. De qualquer maneira, aquele “galo” de Copacabana e este de um bairro bem próximo ao centro da Capital, terão seus comportamentos corrigidos ou, pelo menos, disciplinados para o bem de todos.



Viva o galo EPA! Aquele do nosso rincão.

Quanto aos outros, cuidem-se dos maus procederes. A enxurrada poderá levá-los de roldão. Ou ela, a enxurrada, LEVÁ-LOS-Á de roldão, uma mesóclise tão ao gosto do momento.



Agora, galo bom é aquele que se junta a outros tantos galos e todos juntos vão tecendo o alvorecer de uma nova época, de uma nova manhã livre de armação. Uma manhã que se eleve por si numa luz balão, numa luz que a todos ilumine. Uma manhã tecida ao canto dos galos e poeticamente captada pelo nosso grande poeta João Cabral de Melo Neto. (trecho extraído e adaptado do poema – Tecendo a Manhã)








TECENDO A MANHÃ – poema de João Cabral de Melo Neto













segunda-feira, 16 de maio de 2016

A IMPORTÂNCIA DELA



Parece tão longe. Navega de um lado para o outro. Junta-se a outras. Aparece e desaparece. Guarda perguntas e respostas.

Tornou-se importante. É uma metáfora ambulante. Informações confidenciais, e outras nem tão, são lá guardadas. Dizem que a recuperação das mesmas é viável e tranquila. Mensagens circulam por ela.

Por outro lado, o nosso olhar carregado de perguntas deposita sobre ela questões insolúveis, principalmente quando ela some, de repente, escondida pelo brilho do sol. Mais ainda causa espanto para um olhar indagador quando esconde o astro-rei.

Um olhar poético, ao vê-la, mergulha em admiração e espanto pela rapidez de sua passagem e sobre as consequências dessa mudança, por vezes, tão célere.

Como confiar numa aparição tão inconstante?

Terá ela toda essa capacidade de armazenar e devolver o que lhe for pedido, a qualquer momento?

E quando ela não estiver lá?

Nada de sustos. Esta é de outra categoria: pertence ao Criador.

A outra, aquela que pertence à criação humana, é uma metáfora: uma nuvem que armazena informações. E esta metáfora não serve aos poetas.

Eles precisam daquela que é fruto da Criação. Aquela que guarda questões que são parte do olhar humano mais sensível. Aquele olhar que, de uma nuvem verdadeira, é capaz de guardar não informações, mas emoções. Ela que revela a chuva por cair, ou que pode nos resguardar do sol mais intenso. Aquela nuvem que pode prenunciar um escurecer mais rápido do que o habitual, afugentando o dia numa demonstração de força e poder.

Porém, também, onde podemos navegar nossas emoções, nossos receios, medos e esperanças. Aquela que também pode nos levar a nos comparar com algo passageiro. Assim como diz a sugestiva estrofe da música NUVEM PASSAGEIRA de Hermes de Aquino:





Ela, produto da Criação, que é apenas um conjunto de partículas de água ou de gelo em suspensão na atmosfera, adquire relevo quando Manuel Bandeira a usa, assim como segue:





Metáforas como “cair das nuvens”, “ir às nuvens”, “andar nas nuvens”, “pôr nas nuvens” são criações advindas de um olhar sensível sobre uma simples nuvem.

 
Agora, se ela servir de forma efetiva para guardar tanta informação, acredita-se que terá valido o esforço dos criadores da nova comunicação em rede e do consequente armazenamento de incalculável material, embora permaneça ela, a nuvem, intangível, mas ainda motivo de poesia aos olhos de quem se emociona ao vê-la navegar pelo infinito, sem rumo definido.

E, novamente, lembrando:

Somos como “aquela nuvem passageira que com o vento se vai...”

 
Porém, concordando com o que dizem criadores e usuários da tal nuvem, reconhece-se sua importância e utilidade nos dias atuais e nos que virão. Então, viva ela: a nuvem.

Ela que, quando desaba, pode tornar-se chuva, lágrimas e finitude para o poeta ou pura informação.









segunda-feira, 7 de março de 2016

É A LAMA... É A LAMA...



Abre os olhos. Como última imagem, que sobra do sonho, a lama escura se espalha em frente da protagonista que se depara com a impossibilidade de transpô-la. Nem sabe de qual sonho se originou. A lembrança do sonho foi-se, mas a lama, como última imagem, permaneceu: malcheirosa, escura, pegajosa.

Durante o café, busca no expresso sorvido às pressas, a cor escurecida que tanto impactou o olhar ainda sonolento, mas já questionador dos motivos daquela última cena.

À mente vem a provável resposta para tal imagem.

Sim, tem ouvido, lido e, especialmente, visto muitas notícias.

Onde? Na televisão.

Dá de ombros e vai em frente.



Sim, Joice está certa.

E isto é ruim? Claro que não. Estamos vivos e devemos estar a par do que nos cerca e daquilo que, embora longe, nos afeta de forma profunda, por vezes.


A lama, originada do rompimento de barragens, espalha-se por córregos, rios, deixando resíduos tóxicos ao longo das comunidades ribeirinhas, ultrapassando municípios e estados, chegando ao mar. Isto é de extrema gravidade para as pessoas e o ecossistema.

Os prejuízos são consideráveis e a recuperação sem data marcada para acontecer.

É a lama...

Como grave é o relato a mim feito por uma cidadã, trabalhadora, que reside no Município de Esteio, abastecido pela água oriunda do Rio dos Sinos.

Disse-me ela que a água que sai da torneira é escura e malcheirosa, fedida mesmo. O filtro d’água não dá conta de limpá-la. Tentou, então, fervê-la. Não adiantou, pois o cheiro permaneceu. Então, a solução é a compra de água mineral pela população. Para o banho, porém, a água é aquela mesma. E a pele? A pele arde. A água é quase uma lama. Pobre rio que recebe todo o lixo tóxico oriundo de empresas que nele fazem descarte de seus produtos. Pobre população!


A lama virtual subjaz a esta lama real. Aquela que não se vê, mas que parece tomar conta de tudo e de todos, desaguando em todas as lamas reais que se está a assistir.

Joice até já sonha com esta lama. Aquela que a impede, pelo menos no sonho, de prosseguir. Mas que tem o condão de fazê-la refletir. E reflexão é o de que precisamos.

Para tanto, necessário faz-se conversar, dialogar, constatar, tomar decisões e agir. Reflexão, porém, exige informação, leitura, conversa direta com o outro e não através da tela. Não conseguimos mais refletir, pois este exercício requer silêncio num primeiro momento. Depois, conversa face a face com o outro, onde os sentimentos são expressos e sentidos pelo brilho dos olhos dos interlocutores.

A ferramenta digital deveria ser um acessório em qualquer situação. Ela pode até mostrar a lama. Não pode, porém, tomar decisões. Ela é uma máquina, é um objeto: não um ser humano.

Ela, a lama moral, combate-se internamente pela Ética e pelos valores humanos que dignificam este ser. Esta lama será destruída se vingar a empatia com o outro, a solidariedade, a necessidade de justiça social, que nos torna únicos e semelhantes ao mesmo tempo.


Agora, há quem pergunte de onde saiu a jiboia encontrada num poste, no Distrito Federal, neste último domingo.

Ela não vive na lama. Como será que chegou até lá?

Acho que ouviu que uma jararaca anda por lá. Aliás, que, também, não vive na lama, diga-se de passagem.

Bem, acho melhor deixar esta história de lama prá lá.

Quem entende disso é, poeticamente, o nosso Antonio Carlos Jobim com a sua conhecida “Águas de Março”.

Aquela lama cantada é a natural e faz, portanto, parte do ciclo natural da vida e das coisas.

Todas as outras são abomináveis.



Ah! Aquela música?
 

Inesquecível!







Águas de Março com Elis Regina e Tom Jobim

 





quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

SEM SINAL... SERÁ?


Apontam para o alto. Espalham-se pelos telhados. Todos os tamanhos e tipos são vistos. Por vezes, não captam. Mas o bem-te-vi canta ao lado, empoleirado próximo. Faz coro com outro bem-te-vi que responde ao sinal. De repente, outros cantos respondem aos bem-te-vis. São outros pássaros cantores que, alvoroçados, iniciam as suas próprias conversas sonoras. Todos em perfeita harmonia. Todos sinalizando uma comunicação perfeita. Todos emitindo e recebendo sinais, numa conversa que tem hora para iniciar e para acabar, pois existe um tempo para tudo: não só para conversar, mas, também, para calar.

Que beleza ouvi-los! São perfeitos neste mister. Não precisam de forças alheias a eles próprios. O amanhecer e o cair da noite são sinais suficientes para que se inicie uma conversa rotineira. Esta é uma observação sobre os pássaros “cantores”, habitantes das grandes cidades. São seres independentes que se equilibram num parapeito qualquer, num vão estreito de uma marquise, emitindo sinais a outros de sua espécie sem dificuldade alguma.

Que inveja perceber que somos, diferentemente deles, tão pobres neste diálogo saudável com os de nossa espécie.

O nosso “sem sinal”, atualmente, inviabiliza praticamente tudo. Ele impede de nos atualizarmos com o mundo. E o que é pior: com o vizinho que mora ao lado, no mesmo bairro. Está ficando difícil viver “sem sinal”. Quando isto ocorre, todos ficam como baratas tontas, sem saber como andam as coisas.

Como andam as coisas? Sem sinal, não somos mais nada. Com sinal, somos mais um com sinal. Apenas isto.

Mas somos tantos! Somos milhões! Melhor seria se fôssemos menos. Que estultice. Ops! Que vocábulo mais em desuso!

Somos milhões porque assim deve ser. Temos que perpetuar a espécie. Afinal, quanto mais gente estiver ligada em termos globais, melhor para o planeta e para seus habitantes.

Desde que haja sinal, é claro. Mas ele se vai com tanta facilidade, deixando multidões perdidas, desacostumadas ao abraço amigo e solidário do vizinho ao lado.

Aliás, quem é o vizinho ao lado?

Quanto mais sinal, mais conexão com o mundo. E o vizinho ao lado?

A informação chega, em avalanche, de todos os cantos do globo.

É avassaladora a sua chegada até nós. É um verdadeiro tsunami que não nos permite decodificar devidamente todo o conteúdo de que se compõem tais informações. Em todo o caso, o sinal cumpriu o seu papel: permitiu o tsunami invadir todos os cantos do globo. O pior é que esta enxurrada é formada por notícias pouco amenas e saudáveis. Como ficar imune a tantos problemas!

Ao que tudo indica, nos últimos tempos, não se vislumbra sinal algum para o enfrentamento de questões que pipocam pelo globo afora. Aliás, o sinal anda fraco para estas questões.

Será que isto é sinal de que andamos perdendo batalhas e tornando-nos mais fragilizados frente a este mar de catástrofes, insanidades, tragédias humanas, corrupção, malfeitos de todo o tipo?

Sinal dos tempos, dirão muitos. Que tempos? Não deveríamos nos ter aprimorado? Afinal, o sinal que nos possibilita a informação de todos os cantos do mundo, serve pra quê? Só para nos informar?

Quem dá as cartas continua sendo aquela matilha de “iluminados” que transita pelas esferas do poder avassalador da ambição? Ou seremos todos cúmplices, mesmo aqueles de fato “iluminados” pelo conhecimento, mas que se omitem ou se rendem?

Agora, há quem, mesmo com o sinal, opte pelo “off-line”.

Será uma boa prática?

É possível que signifique, num certo sentido, “poder”: aquele que isola, que não se compromete, que não se importa com o outro.

Pode ser, também, aquele momento de trégua para voltar os olhos para o bem-te-vi pousado sobre o poste de luz.

Pode ser a necessidade do silêncio, sinal que alimenta o nosso interior e nos obriga a refletir sobre a importância de nós próprios, dos que nos cercam e da nossa caminhada diária. Ela, que independe de sinal.

Com esta reflexão, talvez, consigamos nos assemelhar ao bem-te-vi, aquele que responde ao sinal do chamado do companheiro de espécie. Ele é o próprio sinal. Sejamos como ele. Exerçamos a capacidade que nos distingue dos demais seres vivos, inclusive do belo bem-te-vi. Que o nosso sinal seja a fala, a comunicação interpessoal, o olhar, o abraço, o bom-dia, a solidariedade. Que a tão útil informação seja digerida (decodificada) e transformada em ingredientes para ações conjuntas. Que o conhecimento se espalhe como um sinal de educação, no sentido lato, que a todos ilumina e que serve de transformação para tempos, aparentemente, tão obscuros.

Este é, com certeza, o único sinal que nunca se vai, que nunca se perde nas nuvens.

E quem sabe com ele consigamos evitar os males que nos afligem, numa escala diminuta, mas que se pode propagar como as ondas que se espalham mar afora.



Esta imagem, como sinal, vale a pena.

Qualquer outro será, apenas, acessório.





Sinal dos Tempos - Heróis da Resistência