segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011





FELICIDADES!


Parece uma coisa, mas não é. É outra coisa. É tão brilhante que causa inveja à redonda branquela. Dizem que essa anda tonta com tamanho esplendor, como diz a conhecida marcha-rancho do século passado.
Mas é na madrugada, quase ao alvorecer, que aquela outra mais se mostra. Não pisca. É serena no brilho. Dizem que é uma estrela: a estrela D’Alva. Na verdade, é o planeta Vênus.

Pois as poucas sondas, que lá pousaram, não resistiram a mais de uma hora de vida, devido às extremas condições. Sua atmosfera é 92 vezes mais densa que a da Terra e composta, principalmente, de gás carbônico, o que eleva a temperatura da superfície para 460°C, ou um pouco mais, tornando Vênus o planeta mais quente do Sistema Solar. É o que dizem os estudos baseados nas sondagens até agora realizadas.

Mas isso tudo não interessa muito a nós, leigos no assunto. Interessa é observá-la, é vê-la brilhante no céu. É sonhar com ela. É flertar com o desconhecido. É ter a curiosidade aguçada.


Lá, tão longe, como será?

Como um nenê, apoiado nos pezinhos, espia o que está do outro lado do muro, nós, adultos, vez por outra, nos deleitamos a observar o desconhecido, o insondável.

Aquilo, que está sob os edredons televisivos, vai saturando. Aliás, todo mundo conhece aquilo, todo mundo faz aquilo.

O bom mesmo é deitar olhos no desconhecido. Aquele desconhecido que permanece desconhecido por séculos afora. Não o desconhecido que se desnuda depois de algum tempo, ou mesmo de pouco tempo. Quem sabe, de apenas uma noite.

Não, o importante é o sonho de alcançá-lo, o sonho perseguido, a curiosidade acesa, o desafio lançado. Isso é o que importa verdadeiramente.

Agora, sonhar por sonhar também não dá. É claro que todos precisam trabalhar para viver, ou não? Só viver a olhar as estrelas é demais. Buscar nelas inspiração para os sonhos adormecidos é outra coisa.

Conforme os versos finais de Luiz Marenco para a composição Estrela D’Alva, de Jayme Caetano Braun:

Às vezes sinto na alma
Que nunca mais eu me aprumo
Se um dia eu perder o rumo
Do clarão da Estrela D’Dalva.

Para não se perder o rumo, há que se tê-lo bem definido. Alguns o perseguem com perseverança, denodo e muita disciplina. Muitos não o têm ainda. Estão em busca. Outros terão que reinventá-lo, por absoluta impossibilidade de seguir em frente.


 Aos que ainda buscam encontrá-lo, não existe receita pronta.
Quem sabe deixando de lado uma análise mais apurada ou até um exercício de hermenêutica, tão comum no fazer anterior, esse observador da estância grande lá de cima busque em outras paragens o rumo melhor pra si. Tudo em prol da felicidade e do consequente exercício de atividades que permitam desenvolver ao máximo as suas potencialidades.

Daí, talvez, valha a pena fincar pé num lugar apropriado, com um potente telescópio, e lá permanecer a observar o firmamento. Nesse mundo globalizado, logo aparecerão pelo laptop, peça indispensável, outros observadores com os quais seja possível trocar informações.

Aí sim, aquela curiosidade dará lugar ao estudo, ao conhecimento, à experiência e, talvez, à prática da docência. E isso, agora, muito interessará a todos os envolvidos.

Tenho para mim que a escolha foi acertada. A Física, considerando-se sua utilização dentro da Astronomia, é uma das disciplinas acadêmicas mais antigas. É um casamento perfeito.

Se tudo isso for feito com muito conhecimento, técnica, sabedoria e amor, com certeza, o rumo estará posto aí.

E, mais uma vez, os versos da melodia que ecoa, assim:

E aqui me paro a pensar
Do que há pouco ouvi dizer
Que é necessário aprender
Para depois ensinar.

Pois por mais rudimentar
Que seja o ensinamento
Cada frase é como um tento
Que precisa ser lonqueado
E depois bem desquinado
Pra trançar um sentimento.

E depois?
É só sair a ensinar. Um bom professor tem que ter aprendido a sonhar. Ele sabe que o sonho é algo atingível quando se busca transformá-lo em realidade.


 Com maior probabilidade, seus alunos vislumbrarão rumos mais definidos na vida. Eles agradecerão. E esse professor terá a recompensa de ver-se como aquela estrela, a Dalva, que serve de clarão aos que se nutrem da sua luz. A cada dia, ela se faz presente, iluminando sonhos, conquistas, desafios. Ela aponta o desabrochar, dia a dia, de um novo aluno que vai crescendo como indivíduo. Aos educadores cabe não só transformar a informação em conhecimento e em consciência crítica, mas também formar pessoas.

Então, que ela sirva como clarão. Que seu mais novo representante, por aqui, se pareça com ela no brilho e que tenha a doçura e a firmeza de quem educa e orienta. E que, acima de tudo, permaneça um sonhador.
O compromisso está firmado. O rumo está posto.

Dessa vez, porém, terá que ser e parecer.
É um desafio e tanto ao futuro professor de Física.
FELICIDADES!







Leia a entrevista:



quarta-feira, 19 de janeiro de 2011







O HOMÔNIMO


Coqueiro! Eu te comprehendo o sonho inattingivel;

queres subir ao céu, mas prende-te a raiz...
O destino que tens, de querer o impossivel,
é igual a este meu, de querer ser feliz.
.........................................................................

Consolou-se depois: “O Senhor jamais erra...
Vae! Esquece a emoção que na alma tumultúa.
Juca Mulato! volta outra vez para a terra,
procura o teu amor, numa alma irmã da tua.

Esquece calmo e forte. O destino que impera,
um reciproco amor ás almas todas deu.
Em vez de desejar o olhar que te exaspera,
procura esse outro olhar, que te espreita e te espera,
Que ha por certo um olhar que espera pelo teu..."
(versos finais do poema JUCA MULATO)

(excertos extraídos do livro original, autografado pelo autor, publicado pela Companhia Editora Nacional em 1937, em sua 16ª edição)


Chovia quando o avião aterrissou. Chuva de verão que, dali a instantes, deu lugar a um luminoso Sol, rei da estação. Não tardou e seus raios acomodaram-se no horizonte, já sonolentos, prontos para darem vez à bela da noite. E, naquela noite, ela se fez bela por demais.

Luísa, embalada por essas imagens, acabara de hospedar-se no hotel. Da janela do quarto, viu acenderem-se as luzes da Ponte Hercílio Luz, cartão postal tão conhecido. E foi num hotel, perto dessa ponte, que Luísa, com um pouco de sorte, um ouvido atento e muita curiosidade, encontrou uma pessoa cuja história bastante curiosa vale a pena contar. Aliás, esse é seu ofício no momento. É uma contadora de histórias.

Com a agenda lotada para o dia seguinte, tratou de jantar no hotel e recolher-se rápido.

Na manhã seguinte, pronta para os compromissos, desce ao saguão do hotel à procura de um táxi. O atendente da recepção prontamente apresenta-lhe o taxista que serve ao hotel. Um táxi executivo que, por quatro dias, lhe conduzirá aos lugares mais distantes, que fazem parte de seu roteiro. O condutor, um cidadão educado, discreto, gentil, bem apessoado a quem todos chamam de senhor Menotti.

Luísa, pessoa bastante comunicativa, mantém com o senhor Menotti extensas conversas durante as “corridas”, algumas mais longas, no decorrer de sua estada na cidade. Na verdade, estava na ilha para tratar de papéis relativos a um imóvel de sua propriedade, que seria posto à venda. Comentou, na oportunidade, que estava tendo dificuldade com a correta avaliação do imóvel, considerando-se todas as benfeitorias nele existentes. Parece que, ali na ilha, só valia mesmo a metragem do imóvel para fins de avaliação.

Ficou sabendo, então, que o taxista, quando vendera seu apartamento, depois da separação, também encontrara dificuldade na avaliação correta para a venda, pelo mesmo motivo. Não adiantara coisa alguma as melhorias que fizera no imóvel quando lá morava, ainda casado.

Nessas idas e vindas, depois de um certo tempo, Luísa, curiosa, faz pequena observação sobre o nome com que é chamado o taxista. Acredita ela, até aquele momento, que Menotti seja o sobrenome do cidadão. Todos, no hotel, o chamam dessa forma. Ela própria, observando mais atentamente as feições do taxista, acha que ele seja de origem italiana: daí o sobrenome.

À pergunta de Luísa, o senhor Menotti, sorrindo, responde que Menotti é o seu prenome e não sobrenome. Mais curiosa, ainda, Luísa faz referência ao poeta Menotti Del Picchia, perguntando ao taxista sobre a admiração e o gosto pelas poesias que, com certeza, a mãe dele deveria ter tido.

O senhor Menotti, então, informa que era o pai e não a mãe o grande admirador do poeta.

A corrida encerra-se ali, naquele instante, e a curiosidade de Luísa aumenta. Na verdade, gostaria de mais detalhes, mas se contém. O taxista é discreto.

As corridas se sucedem e as conversas também. Tendo Luísa resolvido todos os assuntos que a levaram até a ilha, e já conformada com as poucas informações que conseguira acerca do nome do taxista, combina com ele o horário para levá-la ao aeroporto na manhã daquela quarta-feira, dia do embarque.

Ao despedirem-se, o taxista passa-lhe o seu cartão pessoal, para novamente atendê-la quando retornasse à ilha.

E qual a surpresa! O nome do taxista é: Menotti Del Picchia.

Luísa, incrédula, com o cartão na mão, encara o taxista. Ele, então, educadamente, acrescenta seu sobrenome ao Menotti Del Picchia: Braga Pinho.

Nesse instante, Luísa esquece o avião. Acha mesmo que até perderia o avião, se fosse o caso. Felizmente, isso não aconteceu.

A conversa, porém, alongou-se, dando tempo a que ele explicasse como surgira o tal nome em sua vida. Na verdade, seu pai trabalhara como secretário particular, mais precisamente como calígrafo para o reconhecido poeta paulistano. Ele próprio também nasceu em São Paulo, estando radicado em Florianópolis há mais de vinte anos. Seu pai nutria um profundo respeito e admiração pelo poeta. A tal ponto que lhe colocou o prenome usando o nome de Menotti Del Picchia. Acrescentou, ainda, que se tivesse nascido uma menina teria o nome da governanta do poeta. Infelizmente, não soube o taxista dizer qual seria esse nome.

A chamada para o embarque desperta Luísa daquela viagem no tempo. Despede-se do senhor Menotti, agradecendo todas as informações obtidas.

Na agenda vão todos os apontamentos acerca dessa história que teve origem ao tempo do poeta Menotti Del Picchia, eleito, em 1943, para a Academia Brasileira de Letras e, em 1982, proclamado Príncipe dos poetas brasileiros, mais um dentre os poetas que compõem o reino da Poesia Brasileira. Ele, que foi estudado por Luísa no Curso de Letras, é fonte inspiradora, hoje, através de seu homônimo, na elaboração dessa crônica.

O que o homônimo não sabe é que também o nome do poeta foi uma homenagem que o pai dele, Luís Del Picchia, fez à memória do revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi na pessoa do filho nascido de Anita, sua companheira brasileira, chamado Menotti. Essa opção foi considerada, à época, demais ousada pelo padre que, na hora do batismo, impôs um nome cristão antes do nome Menotti. Dessa maneira, o poeta, nascido na antiga Ladeira São João, hoje, Avenida São João, em São Paulo, foi registrado como Paulo Menotti Del Picchia, ficando mais conhecido mesmo como Menotti Del Picchia.

Menotti Del Picchia, nascido ainda no século XIX, no ano de 1892, viveu 96 anos, teve sete filhos com a primeira esposa, sua namorada de infância, Francisca Avelina da Cunha Salles, de tradicional família de Itapira, cidade natal do poeta. Considerado um vanguardista em ideias e atitudes, ferrenho defensor de causas polêmicas, como o divórcio, manteve-se ligado à primeira família, embora tenha escolhido, a partir dos anos 30, uma nova companheira, a pianista Antonieta Rudge Miller, com quem viveu durante quarenta anos. Foi um revolucionário na militância cultural, sem trair suas raízes parnasianas e simbolistas, como observam alguns estudiosos. Participou ativamente da Semana de Arte Moderna em 1922.

Mas o que hoje interessa à Luísa não são os aspectos acadêmicos, já sobejamente estudados. O que interessa é a existência de um homônimo, vivendo em Floripa, exercendo sua profissão com elegância, discrição, amabilidade e, claro, competência.
Descoberto por quem costuma ir a fundo quando fareja uma bela e inusitada história.

Vale lembrar que ambos os Menotti nasceram da grande admiração de seus pais por figuras importantes, que se sucederam na grande teia que é a Vida.

Luísa espera, sinceramente, que, como no último verso do poema Juca Mulato, de Menotti Del Picchia, transcrito acima, o senhor Menotti, o de Florianópolis, encontre

“... um novo olhar que espera pelo seu...”

terça-feira, 28 de dezembro de 2010







UM SORRISO CONSTANTE


Sempre nos finais de tarde, irrompe pela minha rua, com passos decididos, uma gentil criatura.

Não importa se haja frio ou chuva, ou se o calor escaldante se faça presente. Durante o ano inteiro, sua presença, a cada dia, embala expectativas, alimenta esperanças, chama ao dever, traz notícias àqueles que tanto as esperam. Às vezes, é penoso vê-la carregar volumes expressivos em quantidade e peso, considerando-se sua pequena estatura. Mas lá vai ela... Cuidadosa, diligente, eficiente, atenciosa: seriam essas algumas das qualidades a caracterizá-la.

Na minha rua, já observei, todos a conhecem. Muitos trocam com ela cumprimentos e sorrisos. Em outras ruas, deve repetir-se o mesmo ritual. Muitos, com certeza, também trocarão palavras com essa trabalhadora.

Pessoalmente, conversei pouco com ela. Aliás, bem menos do que gostaria. Se mais soubesse sobre sua pessoa, suas lutas, vitórias, desejos, tenho certeza que mais ainda me surpreenderia positivamente.

Seu local de trabalho são as ruas. Em especial, no meu caso, a minha rua. Parece pouco, mas não é. Trabalhar como uma mensageira, irradiando alegria, não é pouco. É muito nos tempos atuais.

Quando alguém se dirige a ela, ou vice-versa, seu olhar radioso, luminoso, faz par com um sorriso espontâneo, constante, fraterno, que desmonta qualquer carranca. Abrindo-se em sorriso, o que dela se recebe é puro otimismo, alegria, descontração, paixão pelo que faz, paixão pela vida.

Vez por outra, ouço sua voz delicada identificando-se no interfone. Desço feliz, pois compartilharemos alguns minutos de convívio fraterno. Momentos raros nos dias de hoje.

Por isso, estando o ano por terminar, nada melhor do que se desejar um 2011 pleno de encontros mágicos como esse, que transferem boas energias ao semelhante.

Que se multipliquem os sorrisos acolhedores como o de Cleonice, carteira da minha rua: minha carteira. E não importa saber seu nome completo.

Na verdade, Cleonice é única. Seu sorriso é único e constante.

Isso é o que importa.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010







ESTOU TRISTE... ESTOU MUITO TRISTE...


O que pensariam os dois poetas que a tudo assistiram...

No último dia 12 de novembro, em meio a um lugar tradicionalmente reservado à cultura, aconteceram cenas deploráveis. A performance de uma poetisa, ao que parece, acabou por gerar um certo desconforto. O problema é que não se sabe bem a quem incomodava tal apresentação. O fato é que a Brigada Militar apareceu e exigiu a dispersão do grupo.





Que coisa mais lamentável!

Uma praça reservada, nessa época do ano, à cultura e àqueles que a fazem e a promovem, não poderia ter sido maculada por tão desastrada intervenção policial.

Os inúmeros pontos de cultura, no entorno, que compõem tão belo cenário, mereciam outro desfecho menos traumático, qual seja o da prisão de uma poetisa. Foi, no mínimo, um exagero do poder de polícia.

Estou muito triste...

O lado sombrio da praça, aquele por onde perambulam drogados e vendedoras do corpo, ilumina-se uma vez por ano. Circulam, por ali, nesse período, milhares de leitores, centenas de autores, dezenas de palestrantes. Acontece um sem-número de oficinas. A cultura por ali viceja. Milhares de pessoas adentram nas salas, nos museus, percorrendo caminhos que, não fosse pela existência da Feira do Livro, dificilmente seriam visitados durante o restante do ano.

Estou muito triste...

É um lugar próprio para a apresentação de performances. Aliás, deveria existir ali um espaço destacado, sobre um tablado, por exemplo, onde se realizassem tais apresentações a céu aberto, para que o público a elas tivesse total acesso. Dessa maneira, os próprios garis, vez por outra, repousariam a vassoura por instantes, para voar junto com as palavras, imagens e encenações que propiciam uma trégua nesse dia a dia, que anda por demais belicoso.

Estou muito triste...

Sorima, sentada ao lado dos poetas, não vê outra solução a não ser expandir as mais diversas manifestações culturais a todos os visitantes: do menos letrado ao mais intelectual. Tudo em absoluta consonância com o direito de ir e vir de cada cidadão, que pode circular sobre uma praça que é de todos. A menos que esteja a perturbar o sossego alheio, o que não é o caso quando se está promovendo uma apresentação de cunho cultural num lugar dedicado a esse fim.

Daí, talvez, a poetisa, motivo do tumulto, não precise mais gritar que está triste, muito triste.

E Sorima, com certeza, aos pés dos jacarandás floridos, transformará seu nome em Só Rima. Pra combinar, é claro, com o ambiente iluminado pelas letras que fazem morada nessa praça, a cada primavera. Um lugar mágico, encantado, capaz de transformar pedidos e ordens despropositadas em material para novas produções literárias e outras tantas manifestações culturais: isso é a nossa Feira na Praça.




sábado, 25 de setembro de 2010







SALVO-CONDUTO


Pois a Professora Mariazinha, assim tratada, carinhosamente, pelos alunos, vez por outra, descia o morro acompanhada. O guardião era um sujeito mal-encarado, com uma cicatriz no rosto e com a ponta de um trabuco aparecendo sob o casaco, que juntava sua ginga aos passos da professora. Isso era sinal de que o ambiente, naquele dia, não dava pra facilitar. Era largar fora logo.

Mariazinha fazia um meneio com a cabeça, enquanto o indivíduo dizia duas ou três palavras para tranquilizá-la. Ela sabia que a preocupação era por alguma bala perdida ou por algum engraçadinho que viesse tentar importuná-la. Bem de valor material só um relógio e uma carteira sem dinheiro, ou melhor, o suficiente para o ônibus.

Já, à época, era vista como uma pessoa simples, culta e pertencente a um segmento importante para aquela comunidade. Pobre que nem rato de igreja, mas peça de grande valia naquela engrenagem social. Por isso, e por medo, deixava-se escoltar.

Aliás, além do bom retorno dado pelos alunos, esse era um momento em que se sentia importante naquela comunidade: protegida, resguardada de malfeitores. Entre tantos ônus, havia, pelo menos, esses dois bônus, a saber: seus alunos e seus guardiões.

Pois é, parece que as coisas pioraram. A figura do professor não é mais vista como peça-chave pelos membros da comunidade, nem tampouco pelos alunos. O desrespeito, a violência e os comportamentos inadequados estão a imperar.

Portanto, provavelmente, hoje ninguém mais se preocupa em cercar o docente de cuidados com a sua integridade física em lugares conflagrados. Isso era na época da Professora Mariazinha. E olha que não faz tanto tempo assim. Hoje, ela estaria num mato sem cachorro.

Agora, pensando bem, sobrou uma coisa que lhe dá ainda um salvo-conduto para escapar da sanha de assaltantes que estão por aí, a todo instante. É a sua pobreza. Isso afasta qualquer meliante. É duro de dizer, mas a revelação, de que o assaltado é um professor, é salvo-conduto para não ser mais molestado. É até, como relatado em crônica transcrita na coluna do Paulo Sant’Ana, motivo de compadecimento pelo assaltante.

Pode ser que, além de frustrado, o assaltante tenha se lembrado da figura de algum professor que o tenha impressionado. Por que não? Todos foram crianças, a maioria foi à escola. A figura do (a) professor (a) fica sempre indelevelmente marcada na memória de qualquer criança. Mesmo que se esteja a falar de um assaltante.

Talvez, então, o salvo-conduto seja mesmo o fato de o assaltado ser um professor. Convenhamos que isso massageia um pouco o ego desse profissional, já que, de resto, nada mais tem sido feito para dignificá-lo.

Acho que está na hora de a sociedade gaúcha lançar mão desse salvo-conduto para edificar as bases de uma pirâmide mais justa, competente, crítica e assentada em valores éticos e morais tão necessários a quem almeja servir de modelo a toda a Terra.

Se assim não for, sua figura servirá apenas para dissuadir qualquer ladrãozinho barato, que não assaltará aquele que nada tem.

Pois, o que ele tem, de verdade, é moeda por demais valiosa, mas invisível aos olhos daqueles que insistem em não ver.


(Inspirado na coluna de Paulo Sant'Ana , Zero Hora, 31 de Julho de 2010)



terça-feira, 3 de agosto de 2010







UMA VIDA


A partir de palavras extraídas, aleatoriamente, de revista fornecida para tal, elaborar texto onde apareçam todas as selecionadas. A escolha do título é livre.



Num átimo de segundo, um roteiro se constrói. Uma verdadeira odisseia com começo, meio e fim.


Por enquanto, apenas o sossego impera. O berço cálido, por vezes meio apertado, enseja o espreguiçar-se para acomodar-se melhor. O colorido especial remete a um fluido denso, onde raios avermelhados, qual sol vespertino, fazem parte daquele milagre.

Permeia muito engenho e arte nessa obra que se completa passo a passo, segundo a segundo. O espaço é pequeno e ninguém se perde nele. Os caminhos são definidos.

Planejar é a chave, mas nem com isso é preciso preocupar-se. Outros, com certeza, gastam dias e noites nesse afã.

Os sons chegam e vão-se. Conforme a ternura de quem os entoa, surge uma melodia que é música acabada.

Estando por abrir-se a flor desejada, exige-se empenho, força e coragem de quem está por transformar o milagre em pura comemoração.

As luzes do mundo são os primeiros sinais que o pequenino ser vislumbra. Está já em família. Então, tudo é festa.

Com o tempo, o espaço torna-se o mundo. O pensar e o refletir, o considerar, o valorar e o escolher são as armas, pois o labirinto é o caminho.

Ainda bem que os anjos da guarda estão a postos durante todo o tempo, por todos os séculos.



sábado, 8 de maio de 2010







NO PRINCÍPIO, ERA A COR


Elaboração de texto sobre imagens obtidas com pingos de tinta jogados, ao acaso, sobre folha de papel em branco. Ênfase no aspecto da "cor", tendo como tema o título acima.


Uma lágrima escorre. A imagem enternece, comove. Despede-se Misha do público. Sem palavras, só uma imagem colorida. A imagem de um ursinho, símbolo dos Jogos Olímpicos de 1980.

Cor, imagem e movimento em perfeita sincronia, alcançando-se uma comunicação perfeita.

Desvio o olhar da tela e vejo, através da vidraça, um céu que se modificou. Está plúmbeo, ameaçador. Pela manhã, estivera tão azul, tão convidativo para uma caminhada. Porém, eu queria assistir ao encerramento dos jogos. Por isso, fiquei em casa. Perdi os raios matutinos, de um sol meio avermelhado, a prenunciar um belo dia. Quisera ter podido caminhar entre o verde do parque, pisando nos raios de sol. Uma sombra de mulher caminhando entre árvores e clareiras, num revezamento de claros e escuros.

Tudo isso veio à mente a partir de imagens construídas com as tintas do acaso, sobre folha em branco, formando um quadro que se poderia chamar de “O Carnaval dos Animais”. Passo a descrevê-lo como se fosse pura animação.



A bicharada toda presente, toda em festa. Concentro-me num par de olhos verdes que se juntam a outro par. São dois gatinhos com as patinhas erguidas a segurar um belo arco, todo cor-de-rosa, como numa performance circense. Acompanhados estão por outros dois animaizinhos com olhinhos de um azul profundo, e de orelhas bem alertas. Brincam como os demais.

E como nesse cenário, terra, água e ar se misturam, vejo um golfinho e também um peixinho a circularem por entre os convivas, dando um show particular.

Sobrepairando a todos, um lindo pássaro com uma envergadura de asas invejável. Seus voos rasantes abrilhantam ainda mais essa bela festa.

E nessa alucinada comemoração, onde tudo vale, até uma garrafa de champanhe, com gargalo e rolha por estourar, aparece no meio da alegoria.

E nada melhor que, no auge da festa, fogos de artifício lancem uma chuva colorida sobre todos os convidados, coroando tão feliz encontro.

Quanto ao champanhe, não se assustem. Foi bebido com moderação por todos que, das arquibancadas, assistiam, como eu, a esse Carnaval dos Animais.



As cores do espetáculo estão guardadas ainda na retina. Da mesma forma, a lágrima de Misha, as nuances do sol sobre o passeio do parque, aquela noite estrelada, o verde-azulado do mar de Maceió, o amarelado das folhas caídas sobre o antigo pátio, até mesmo o tom rosa do antigo berço. Tudo absorvido sempre com lentes coloridas, para que tudo se ilumine com as cores da Criação.

Pois, no princípio, era a cor.