sábado, 25 de setembro de 2010







SALVO-CONDUTO


Pois a Professora Mariazinha, assim tratada, carinhosamente, pelos alunos, vez por outra, descia o morro acompanhada. O guardião era um sujeito mal-encarado, com uma cicatriz no rosto e com a ponta de um trabuco aparecendo sob o casaco, que juntava sua ginga aos passos da professora. Isso era sinal de que o ambiente, naquele dia, não dava pra facilitar. Era largar fora logo.

Mariazinha fazia um meneio com a cabeça, enquanto o indivíduo dizia duas ou três palavras para tranquilizá-la. Ela sabia que a preocupação era por alguma bala perdida ou por algum engraçadinho que viesse tentar importuná-la. Bem de valor material só um relógio e uma carteira sem dinheiro, ou melhor, o suficiente para o ônibus.

Já, à época, era vista como uma pessoa simples, culta e pertencente a um segmento importante para aquela comunidade. Pobre que nem rato de igreja, mas peça de grande valia naquela engrenagem social. Por isso, e por medo, deixava-se escoltar.

Aliás, além do bom retorno dado pelos alunos, esse era um momento em que se sentia importante naquela comunidade: protegida, resguardada de malfeitores. Entre tantos ônus, havia, pelo menos, esses dois bônus, a saber: seus alunos e seus guardiões.

Pois é, parece que as coisas pioraram. A figura do professor não é mais vista como peça-chave pelos membros da comunidade, nem tampouco pelos alunos. O desrespeito, a violência e os comportamentos inadequados estão a imperar.

Portanto, provavelmente, hoje ninguém mais se preocupa em cercar o docente de cuidados com a sua integridade física em lugares conflagrados. Isso era na época da Professora Mariazinha. E olha que não faz tanto tempo assim. Hoje, ela estaria num mato sem cachorro.

Agora, pensando bem, sobrou uma coisa que lhe dá ainda um salvo-conduto para escapar da sanha de assaltantes que estão por aí, a todo instante. É a sua pobreza. Isso afasta qualquer meliante. É duro de dizer, mas a revelação, de que o assaltado é um professor, é salvo-conduto para não ser mais molestado. É até, como relatado em crônica transcrita na coluna do Paulo Sant’Ana, motivo de compadecimento pelo assaltante.

Pode ser que, além de frustrado, o assaltante tenha se lembrado da figura de algum professor que o tenha impressionado. Por que não? Todos foram crianças, a maioria foi à escola. A figura do (a) professor (a) fica sempre indelevelmente marcada na memória de qualquer criança. Mesmo que se esteja a falar de um assaltante.

Talvez, então, o salvo-conduto seja mesmo o fato de o assaltado ser um professor. Convenhamos que isso massageia um pouco o ego desse profissional, já que, de resto, nada mais tem sido feito para dignificá-lo.

Acho que está na hora de a sociedade gaúcha lançar mão desse salvo-conduto para edificar as bases de uma pirâmide mais justa, competente, crítica e assentada em valores éticos e morais tão necessários a quem almeja servir de modelo a toda a Terra.

Se assim não for, sua figura servirá apenas para dissuadir qualquer ladrãozinho barato, que não assaltará aquele que nada tem.

Pois, o que ele tem, de verdade, é moeda por demais valiosa, mas invisível aos olhos daqueles que insistem em não ver.


(Inspirado na coluna de Paulo Sant'Ana , Zero Hora, 31 de Julho de 2010)



terça-feira, 3 de agosto de 2010







UMA VIDA


A partir de palavras extraídas, aleatoriamente, de revista fornecida para tal, elaborar texto onde apareçam todas as selecionadas. A escolha do título é livre.



Num átimo de segundo, um roteiro se constrói. Uma verdadeira odisseia com começo, meio e fim.


Por enquanto, apenas o sossego impera. O berço cálido, por vezes meio apertado, enseja o espreguiçar-se para acomodar-se melhor. O colorido especial remete a um fluido denso, onde raios avermelhados, qual sol vespertino, fazem parte daquele milagre.

Permeia muito engenho e arte nessa obra que se completa passo a passo, segundo a segundo. O espaço é pequeno e ninguém se perde nele. Os caminhos são definidos.

Planejar é a chave, mas nem com isso é preciso preocupar-se. Outros, com certeza, gastam dias e noites nesse afã.

Os sons chegam e vão-se. Conforme a ternura de quem os entoa, surge uma melodia que é música acabada.

Estando por abrir-se a flor desejada, exige-se empenho, força e coragem de quem está por transformar o milagre em pura comemoração.

As luzes do mundo são os primeiros sinais que o pequenino ser vislumbra. Está já em família. Então, tudo é festa.

Com o tempo, o espaço torna-se o mundo. O pensar e o refletir, o considerar, o valorar e o escolher são as armas, pois o labirinto é o caminho.

Ainda bem que os anjos da guarda estão a postos durante todo o tempo, por todos os séculos.



sábado, 8 de maio de 2010







NO PRINCÍPIO, ERA A COR


Elaboração de texto sobre imagens obtidas com pingos de tinta jogados, ao acaso, sobre folha de papel em branco. Ênfase no aspecto da "cor", tendo como tema o título acima.


Uma lágrima escorre. A imagem enternece, comove. Despede-se Misha do público. Sem palavras, só uma imagem colorida. A imagem de um ursinho, símbolo dos Jogos Olímpicos de 1980.

Cor, imagem e movimento em perfeita sincronia, alcançando-se uma comunicação perfeita.

Desvio o olhar da tela e vejo, através da vidraça, um céu que se modificou. Está plúmbeo, ameaçador. Pela manhã, estivera tão azul, tão convidativo para uma caminhada. Porém, eu queria assistir ao encerramento dos jogos. Por isso, fiquei em casa. Perdi os raios matutinos, de um sol meio avermelhado, a prenunciar um belo dia. Quisera ter podido caminhar entre o verde do parque, pisando nos raios de sol. Uma sombra de mulher caminhando entre árvores e clareiras, num revezamento de claros e escuros.

Tudo isso veio à mente a partir de imagens construídas com as tintas do acaso, sobre folha em branco, formando um quadro que se poderia chamar de “O Carnaval dos Animais”. Passo a descrevê-lo como se fosse pura animação.



A bicharada toda presente, toda em festa. Concentro-me num par de olhos verdes que se juntam a outro par. São dois gatinhos com as patinhas erguidas a segurar um belo arco, todo cor-de-rosa, como numa performance circense. Acompanhados estão por outros dois animaizinhos com olhinhos de um azul profundo, e de orelhas bem alertas. Brincam como os demais.

E como nesse cenário, terra, água e ar se misturam, vejo um golfinho e também um peixinho a circularem por entre os convivas, dando um show particular.

Sobrepairando a todos, um lindo pássaro com uma envergadura de asas invejável. Seus voos rasantes abrilhantam ainda mais essa bela festa.

E nessa alucinada comemoração, onde tudo vale, até uma garrafa de champanhe, com gargalo e rolha por estourar, aparece no meio da alegoria.

E nada melhor que, no auge da festa, fogos de artifício lancem uma chuva colorida sobre todos os convidados, coroando tão feliz encontro.

Quanto ao champanhe, não se assustem. Foi bebido com moderação por todos que, das arquibancadas, assistiam, como eu, a esse Carnaval dos Animais.



As cores do espetáculo estão guardadas ainda na retina. Da mesma forma, a lágrima de Misha, as nuances do sol sobre o passeio do parque, aquela noite estrelada, o verde-azulado do mar de Maceió, o amarelado das folhas caídas sobre o antigo pátio, até mesmo o tom rosa do antigo berço. Tudo absorvido sempre com lentes coloridas, para que tudo se ilumine com as cores da Criação.

Pois, no princípio, era a cor.

quinta-feira, 11 de março de 2010







EXPLICAÇÃO?


Queridos Olheiros!
Pré-requisito para compreensão do texto abaixo:
- ler a crônica de Davi Coimbra, Peixe e jujuba, publicada em 05/03/10, no jornal Zero Hora (p.2).




“Te liga”, cara! Quer coisa mais conhecida que uma jujuba? É quase mais conhecida que parteira de campanha. Não tanto, é claro. E o principal: lembra infância. É muito “massa”!

Olha só a imersão que a Marisa, a Monte, fez naquele mundo que se abate, vez por outra, sobre os que já passaram dos 40: o mundo da saudade boa, gostosa, com cheiro de infância.

E sente o que vem depois da jujuba!

Nessa ordem: bananada, pipoca, cocada, queijadinha, sorvete, chiclete, sundae de chocolate, paçoca, mariola, quindim, frumelo, doce de abóbora com coco, bala Juquinha, algodão doce e manjar. Ufa! Para quem não sabe, essa é parte da letra da música Não é Proibido.

Com uma carreira já consolidada e com tantos prêmios conquistados, a cantora está a demonstrar sua inegável competência e estilo próprio. Permanecerá, com certeza.

Por outro lado, já pensaste no Rio ainda como capital do nosso país? Aquela paisagem toda absorveria as horas ociosas. Todos, permanentemente, ficariam tão contemplativos, que ocupariam suas mentes menos com maracutaias e mais com o prazer de viver a vida. Régios salários e visual de cinema, o que mais almejar?

Mas em Brasília... Aquela chatice, aquela cidade forçadamente criada, aquela coisa toda plana... Lá onde os olhos não se podem fixar em encostas, nem se perder em vales ou esconder-se por trás do Cristo.

Lá, o tempo tem que ser aproveitado com coisas proibidas, perigosas. Sabe como é: uma oficina própria para o diabo. E seus trabalhadores todos à disposição para o que der e vier.

Foi, realmente, uma péssima mudança.

Agora, o Peixe Vivo foi um carinho ao povo mineiro e à infância de JK. Interessante que na obra Açúcar, de Gilberto Freyre, há menção de que a sobremesa preferida do Presidente era, surpreendentemente, nordestina: a chamada baba de moça.

Então, cotejando Peixe Vivo com jujuba, mais conhecida como “bala de goma”, temos:

1- É difícil viver sem nunca ter tido uma companhia: mais ou menos como um peixe viver fora da água fria;
2- Quem nunca comeu uma bala de goma, que se apresente;
3- Cada um com o seu tipo de saudade, com o seu tempo de infância;
4- Seus propagandistas permanecem nas paradas de sucesso. Um, na política; outra, no cenário musical.

Por fim, digamos que o peixe, como prato, é muito bom. Como imagem poética, assim descrita, dá pena imaginá-lo morrendo aos poucos, sem sua melhor companhia: a água.

E a jujuba?

Bem, além de ser gostosa, foneticamente falando, suas duas consoantes, iguais, são fricativas. Para serem pronunciadas, o ar escapa roçando pelas paredes da fenda bucal estreitada.

Isso tudo é muito sexy. E na voz da Marisa, a Monte, é demais...

Precisa de explicação?

domingo, 29 de novembro de 2009







LADEIRA ABAIXO


O sorriso do adolescente assusta. Como se estivesse observando uma cena cômica, ou curiosa, ou, quem sabe, inusitada, ele sorri.


É, com certeza, uma cena inusitada. Mas o nível de banalidade, com que se encaram cenas dantes inimagináveis, causa-nos descrença de que se possa, ainda, mudar o cenário de tamanha violência.


Em outros tempos, veríamos esse adolescente deslizando rua abaixo com seu carrinho de lomba. Ele e mais um punhado de amigos despencariam ladeira abaixo em brincadeiras sadias. Nesses carrinhos, colocavam toda a sua engenhosidade. A competição era em cima do mais bonito, mais criativo, com melhores rolamentos.


Que interessante!


Um carrinho de supermercado com um corpo dentro. Eh! O cara se ferrou!


Quem não se acostuma, quando se vive assim a maior parte do tempo. Quem não se acostuma?


O cara podia estar dentro de um saco, no fundo de um quintal. Ou no lixão, ou atirado na sarjeta. O fato em si tornou-se corriqueiro, banal. O inusitado é o carrinho de supermercado.


Com ele, geralmente, transportamos alimentos. Ou sobras, garrafas, jornais velhos, restos. Tudo, para quem necessita, virará alguma forma de subsistência.


Esse carrinho, porém, é diferente. Ele carrega, por assim dizer, a prova cabal do caos social em que se está mergulhado. É a selvageria escancarada que se abate sobre todos. Nada mais horrendo do que se olhar um semelhante em tais condições. Pior do que isso só os famintos, os seres esquálidos que se espalham em algumas regiões da África.


O que nos assusta, na cena, é o caráter de banalidade expresso pelo sorriso do garoto. Será que conseguiremos sair dessa? Estamos desconstruindo valores. Estamos voltando à barbárie. Hordas de malfeitores espalham-se, disseminam-se por entre grupos de indivíduos desprotegidos. Seres, em sua maioria, desqualificados pela miséria e ignorância, que viceja, e pela incúria de governantes.


Essa é uma sociedade que se torna mais frouxa a cada dia que passa.


Que país é esse!


Está em nossas mãos indignar-se. Está em nossas mãos exigir mudanças efetivas. E essa revolução tem sua origem na Educação que começa na família. Ela, não o fazendo, delega à Escola tal função, acrescida àquela que lhe é típica: fornecer o conhecimento formal. A Escola, por assim dizer, cumprirá também o papel da família. Para tanto, deverá ser de turno integral, mantida pelo Poder Público nas áreas de maior carência social. Desnecessário dizer-se que com um magistério motivado pela infraestrutura oferecida, dirigentes ligados aos meios acadêmicos, com formação em áreas da Educação, e professores percebendo um salário compatível com a importância de seu cargo.


Não há outro caminho. Povo culto é povo livre. É o cidadão capaz de discernir, de criticar, de desenvolver atividades produtivas, de autossustentar-se, de contribuir para melhorar a sociedade em que vive.


Se assim não for, nossas crianças, como recentemente já ocorreu, passarão a usar pó de giz embalado em saquinhos plásticos: fingindo um tijolinho de cocaína.


Teremos, aí, uma nova versão da brincadeira das cinco-marias, onde o arroz ou a areia virará pó de giz, por enquanto. Porque, no imaginário, já é o pó branco que circula de mão em mão. Novos usuários, novos traficantes, corpos desovados: é o cenário que se projeta.


E, assim, vamos ladeira abaixo, como num carrinho de lomba desgovernado, sem rumo, sem futuro. Ou melhor, com a certeza de uma infância perdida, de uma juventude corrompida e credora de uma dívida: a da sociedade brasileira para com seus filhos.


Leia as notícias : 





sexta-feira, 2 de outubro de 2009









POR PURA BRINCADEIRA!



O carro último tipo encosta ao lado do táxi. O trânsito é lento naquela hora. Parados, aguardam a sinaleira abrir-se para passarem. Do banco de trás, três cabeças assomam junto ao vidro lateral, que se encontra baixado. São três meninos, de idades aproximadas, em torno de onze anos. Um mais afoito pede com insistência uma moeda ao taxista. Para tanto, usa falas comuns aos pedintes. Todos riem com a cena inusitada. Os meninos, a condutora do veículo e o taxista riem. Que cena!

E as imprecações se sucedem com pedidos desesperados de quem finge necessitar. A sinaleira, em meio à cena, libera os carros e lá vão os três com a mão estendida pedindo um auxílio.

Logo, mais adiante, nova sinaleira. Ambos os carros novamente, lado a lado, juntam-se, agora, bem mais próximos. Os pedidos intensificam-se. Os meninos continuam pedindo ao tio taxista:

“- Tio, me dá uma moeda! Tô precisando.”

Antes que a sinaleira libere novamente, o tio benfeitor estende a mão e alcança uma moeda de R$ 0,50 a um dos garotos.

Aos gritos de “consegui”, o carro arranca e lá se vão todos a rirem, a divertirem-se com a cena.

Um olhar mais apurado, com certeza, extrai desse episódio um sintoma de como as coisas andam.

Ao que parece, tudo foi uma brincadeira infantil, em que todos se divertiram.

Os garotos estavam brincando de “ser pedinte”. Só pra ver como é que é.

Claro que os meninos estavam apenas brincando. E os adultos?

Estavam, também, brincando. Mas que coisa!

É..., as chagas sociais merecem outro tipo de encenação. O teatro, por exemplo, é um meio adequado para expor tais mazelas. No palco, os atores e seus papéis poderão alertar a sociedade do perigo da banalização e do deboche para com situações dramáticas, que carecem de soluções.

Quanto aos meninos, seus responsáveis deveriam orientá-los no sentido de que o escárnio não é instrumento saudável para uma sociedade que se diz fraterna e solidária.

Se assim não for, continuaremos a incorrer em cenas mais contundentes, em que a vida de um indigente ou de um índio, ou de qualquer desafortunado, nada valha.

Ou, talvez, valha a diversão de atear-se fogo em um desses infelizes. Só pra ver como é que é.

Por pura brincadeira!

domingo, 2 de agosto de 2009







E POR FALAR EM INSETOS...


Pois lá pelos idos de 1930, contava Dona Isaura, era comum, pras bandas de Santa Maria da Boca do Monte, aparecer, vez por outra, uma praga temida por todos. Os principais prejudicados eram os agricultores daquela região. As plantações ficavam devastadas. Por onde passavam, iam picotando o que encontravam. As autoridades até conseguiam avisar da invasão. Mas pouco se podia fazer. Eram os temidos gafanhotos vindos da Patagônia. Aliás, na época, dizia-se que tudo o que não prestava vinha da Argentina.

Dona Isaura lembrava de uma vez que os ditos tomaram de assalto não só a área rural como, principalmente, a cidade. Foi algo nunca visto antes. Chegavam aos magotes. Entravam janelas adentro, pelas frestas, por qualquer vão aberto. O pátio da casa onde morava foi tomado pelos bichos que, para azucrinar mais ainda os moradores, emitiam, ao baterem umas asas nas outras, um som sibilante.

As praças e os passeios transformaram-se num tapete esverdeado, para desespero de quem precisava sair à rua. Depois de algumas horas, os tais levantaram acampamento deixando um rastro de destruição.

Com o tempo, acredita Dona Isaura, medidas sanitárias foram tomadas por nossos vizinhos e tais invasões começaram a rarear, terminando por fim.

Vejam o estrago que faziam os tais gafanhotos naquela época!

Hoje, temos as baratas, as moscas, os mosquitos, as muriçocas. E por aí...

As baratas, dizem os entendidos, resistirão aos finais dos tempos. Mas, pelo menos, permanecem escondidas durante o inverno. No verão, apelamos para um spray “mata tudo”. E estamos conversados.

Já com os mosquitos, se bobearmos, acabamos morrendo, sem apelação, de tudo quanto é tipo de febre. Mas as vacinas estão aí para nos proteger. Pelo menos é o que se pensa. Desse jeito, vamos levando...

Quanto às moscas, estão se tornando presas fáceis. Já estão domesticadas. Às vezes, batemos com a pazinha próximo a alguma, para que ela vá avisar as outras do risco que está a correr. Vez por outra, funciona. Porém, quando a dita encontra um tipo Baraca pela frente, sucumbe sem nem saber de onde veio o tapa.

Quer dizer, tudo parece sob controle.

Agora, tem alguém que resolveu, ainda no século passado, criar uma subespécie do inseto chamado marimbondo, também conhecido por “maribondo”, que sofreu séria mutação e que vem nos assolando já há algum tempo.

Pois não é que os ditos assumiram uma cor mais avermelhada que os demais de sua espécie. São, por assim dizer, seres alados, constituídos de puro fogo, a voejar por sobre alguns lugares, em especial. Quando menos se espera, eles aparecem. Os lugares de ataque são, geralmente, muito parecidos uns com os outros. Tais recintos são frequentados por pessoas diferentes das demais. Poder-se-ia dizer: incomuns. Uma espécie de casta superior é o que seriam.

Pois é nesses redutos que tais insetos escolhem suas vítimas e as sangram, picam e devoram. Os “escolhidos” tornam-se tão carentes de virtudes que acabam se tornando definitivamente “incomuns”. Deixam de ser comuns. Tornam-se diferentes de seus súditos. Esses, permanecem, para sempre, comuns e com algumas virtudes. Aqueles, galgam patamares nunca dantes imaginados. E nessa posição, vão soçobrando num mar de lama. Quando dão por si, estão na boca dos súditos, que os achincalham. Seus pares, que também se entredevoram, vez por outra, os deixam sozinhos, tal o comprometimento desses pobres. E nesse ninho de cobras, os tais maribondos vão deitando o seu veneno, tão letal quanto a peçonha que se espalha pelos majestosos salões.

A situação torna-se tão insustentável que nem medidas sanitárias, como as adotadas com os gafanhotos, funcionam. São inócuas. Pois, está a falar-se de humanos.

Que pena! Nascemos, todos, puros e inocentes.
Mas, por motivos que aqui não interessa suscitar, transformamo-nos em presas fáceis de nossas próprias fraquezas.
E há quem diga que são felizes. Mas não são. Ao fim e ao cabo, tornam-se tão pequenos frente a si mesmos, que não mais podem aquietar-se. Tornam-se insones. E como zumbis procuram, em vão, o caminho do qual se perderam. E não mais o encontram.

E como consta na Homilia do Juízo Final

TENHO um encontro com Deus:
- José!
onde estão tuas mãos que eu enchi
de estrelas?
- Estão aqui, neste balde de juçaras
e sofrimentos.

Ou, alterando-se o final:
- Estão aqui, neste balde de juçaras, sofrimentos e, quem sabe, de arrependimento...

É o que os súditos imaginam que possa acontecer. Mas, nunca se sabe.
Nesse caso, parece que o criador será tragado pelas criaturas. E, desde já, clama por perdão.

IRMÃOS:
Perdoai-me.
O sonho da morte é uma nuvem
que não cobre as eternas noites da vida.

E é assim que deve andar esse ser. Estão se tornando eternas essas noites da vida.

Na verdade, consta que o outro Criador, o verdadeiro, instalará uma CPI para investigar essa criatura.
Nessa, os súditos acreditam e assinam embaixo.
Aguarda-se, é claro, o momento exato para instalá-la.
Seus súditos anseiam por esse desfecho.
Porém, quanto aos resultados dessa Comissão, por óbvio, ninguém saberá.
Pois é, as daqui dão em nada. As de lá, ninguém consegue saber os resultados.

Então, deixa pra lá...
Obs: Os destaques em itálico correspondem a trechos do livro Os Maribondos de Fogo.