domingo, 31 de julho de 2011

ACORDA, GURIA!

Pré-requisito para compreensão do texto abaixo:

-ler a crônica de David Coimbra, O Taco de Aninha, publicada, em 16/07/11, no jornal Zero Hora (p. 44).


Há quem diga, ainda, que atrás de um grande homem há uma grande mulher? Que consolo! Isso ainda é possível? Todas as mulheres de grandes homens serão também grandes mulheres? E o que significará ser grande? E as mulheres reles? Manterão elas de arrasto aqueles grandes ou pequenos homens, que se deixam enfeitiçar por seus dotes físicos, de propósito, mais escancarados? Essas, então, não estariam à sombra? Seriam vistas, revistas, visitadas, revisitadas: verdadeiras benfeitoras de tão sedentos homens. Porém, mesmo vencendo na vida, não passariam de reles criaturas. E, assim, tratadas pela sociedade.

E o que é vencer na vida?

A famosa Geni, protagonista da inspirada composição (Geni e o Zepelim) do mestre Chico Buarque, que o diga. Coitada! Fez todo aquele sacrifício que a letra revela e, ao final, continuou execrada pela cidade. Volta, depois de dar-se àquele amante, a ser maldita. Maldita Geni! É claro que a obra, que me soa aberta, permite essa interpretação. O papel de redentora não lhe é reconhecido. Foi desde sempre reles, continuou sendo e terminou seus dias assim. Deixou de exercer sua condição de ser humano digno.


Pois é!

A cearense Carmelita Yumito é daquelas pessoas que venceram na vida, dignamente. De família humilde, tinha tudo para não chegar aonde chegou. Sua determinação e arrojo demonstraram a ela ser possível atingir uma vida digna, embora trabalhando num meio predominantemente masculino.

Pois Carmelita, num determinado momento de sua vida, por volta dos quinze anos, saiu do Sertão dos Inhamuns, no Ceará, e foi para São Paulo. Por lá já viviam dois irmãos mais velhos com quem passou a morar. Os manos, à época, já trabalhavam num salão de sinuca, o Hobby Time Snooker e Choperia, localizado no centro da cidade de Guarulhos. Vez por outra, os irmãos levavam-na ao bar. Rapidamente, encontrou-se com o esporte. Algum tempo após, o dono do bar convidou-a para trabalhar como garçonete.

Certo dia, apareceu um cliente antigo da Casa, o Sr. Godofredo, que a convidou para tentar uma jogada. Nesse dia, Carmelita teve seu primeiro contato com a sinuca. Ela que já observava, há tempo, os clientes que frequentavam o bar.

Diante da performance da garota, Godofredo ficou impressionado e aconselhou-a a aprender o esporte e dedicar-se porque, um dia, poderia ela vir a ser campeã.

O resto da história encontra-se no link abaixo.

Tetracampeã brasileira, além de outros títulos, competindo constantemente, ministrando palestras, fazendo exibições e dando aula apenas para mulheres, é contratada do Pompeia Snooker Bar, em São Paulo. Vive ela do esporte. É casada e mãe de um casal de filhos.

Pois é, guria!

Há quem fique atrás de um taco de sinuca e não consiga dar o seu melhor se, para tanto, não se despir.

Coitada da Aninha! Sabe jogar, mas não consegue deixar de expor a sua condição de mulher reles. Aquela que só dá a tacada certa, quando escancara aquele atributo sexual da mulher brasileira, tão decantado: a bunda.

A cabeça de Aninha está doente. Ela não consegue mais armar a jogada correta. Ela nem mais pensa, acho. Ela não está à sombra, nem à frente, nem ao lado de um homem. Ela está, na realidade, bem abaixo da linha da dignidade.

Acorda, Aninha!

Mesmo tendo adquirido um sítio, não passas de uma reles mulher. Hoje, tuas performances esporádicas revelam tua condição: ainda inferior.

Mira-te em Carmelita! Seu taco é produto de conhecimento, perseverança e obstinação. E a fonte disso está na cabeça e não nas nádegas redondas e lisas, mal encobertas pelo fiozinho mínimo do biquíni de lacinho.

Tu podes bem mais, Aninha!

Ou, quem sabe, Carmelita é bem melhor com o taco de sinuca.

É! Carmelita e o seu taco de sinuca estão fazendo história.





quinta-feira, 30 de junho de 2011












POR UMA VIDA MELHOR


Que tal, guria?

Bah! Quando te vi falando, tomei um susto. Que coragem! Lembrei da Maria Bonita: pequenina, valente e bonita. Diria mesmo que era uma transgressora por aqueles idos tempos.

Cá pra nós, acho que ninguém esperava ouvir tudo o que disseste.

Ao traçar o panorama da Educação no Rio Grande do Norte, nós aqui debaixo, na ponta do mapa do Brasil, fizemos coro com o teu discurso.

As escolas públicas, pelo Brasil afora, com raríssimas exceções, estão deterioradas. Seus prédios sucateados e seus professores desmotivados: uma realidade nacional.

Real e verdadeira foi também a conversa que mantive com Tatiane, uma gentil atendente do restaurante do hotel, onde me hospedei, em Florianópolis. Tati, natural de Recife, vive há quatro anos em Floripa. Em meio às conversas, durante o café da manhã, conheci outra colega sua, a simpática Vera. O que elas têm em comum? Relatos de histórias verdadeiras, contadas com riqueza de detalhes, sobre a situação da Educação no nosso país.

Tati conta que suas aulas no 2º Grau, cursado em escola pública, em Recife, caracterizaram-se pela falta de professores ao longo dos 5 dias de aula que compunham a semana. Afirma ela que, em apenas 3 dias por semana, havia aulas. Nos demais, não lhes eram ministradas aulas por falta de professores, afastados por doença ou porque, simplesmente, não existiam. Os que se aposentavam não eram repostos, tampouco os que abandonavam os cargos por outras atividades mais rentáveis.

Assim, professores e alunos que persistiam eram considerados sobreviventes, por conta do caos instalado.

Na lembrança, permanece a figura do Professor Rodolfo. Um professor abnegado, carismático, preocupado, interessado pelos seus alunos e pela matéria que ministrava. Suas aulas de Química jamais serão esquecidas. Todos gostavam de Química. Todos aprenderam Química. O Professor Rodolfo dava suas aulas regulares e ainda preenchia os espaços vazios das demais matérias ministrando mais Química. E ninguém se incomodava. Pelo contrário, todos apreciavam por demais suas aulas e a didática diferenciada que imprimia à matéria. Que belo professor! Que alunos interessados! Que belo exemplo!

Mas, um dia, o Professor Rodolfo anunciou que iria embora. Abaixo-assinados foram feitos pedindo sua permanência. Mas ele precisava pensar em seu futuro. A proposta que recebera era irrecusável. Iria trabalhar na Petrobrás.

E lá se foi o Professor Rodolfo. Os alunos, entristecidos, compreenderam a decisão do mestre. “Por Uma Vida Melhor” seria um slogan adequado a sua guinada na vida profissional.

Tati terminou, é claro, o 2º Grau. Teve o privilégio, por um bom tempo, de ter aulas com o Professor Rodolfo. A imagem do mestre permanece vívida na retina e no discurso que o enaltece. Quantos outros alunos, porém, naquela mesma escola, não tiveram essa chance.

O mestre, graduado em Química, um professor com vocação para exercer tal atividade, obrigou-se a empreender novos caminhos por absoluta incúria dos governantes na condução de uma política nacional avessa à Educação, que deixa de reconhecê-la como a base que alicerça uma sociedade desenvolvida.

Que pena! Menos um professor: daqueles que fazem a diferença.

Agora, a outra garçonete, a Verinha, santa-mariense da Boca do Monte, mas radicada em Floripa, tem outra história, tão ou mais deprimente. Sua irmã, professora com Mestrado, para aumentar os ganhos e poder adotar o mesmo slogan “Por Uma Vida Melhor”, trabalha, num dos turnos, em um quiosque junto a um terminal rodoviário. Obteve uma concessão para ali trabalhar, vendendo alimentos, doces, refrigerantes. Parte desses alimentos ela mesma, à noite, prepara.

Verinha ainda conta que algumas escolas públicas estavam tão deterioradas que foram demolidas. Isso é confirmado por outro cidadão, natural da região, cujo filho estuda em escola particular. Suas observações coincidem com as de Vera.

Pois aqui, no extremo sul do mapa, não há grandes diferenças. Há, por exemplo, em Porto Alegre, uma professora que possui um carrinho de pipoca, estacionado, aos sábados e domingos, em parque conhecido na Capital. É o popular “Pipoca da Profe”. Tudo em prol do slogan “Por Uma Vida Melhor”.

Há outros casos conhecidos de professores que, além de exercerem a profissão, tornaram-se “sacoleiros”, negociando venda de roupas, trazidas de vários lugares do país, em viagens feitas, às pressas, nos finais de semana.

Isso compensa? Claro que sim. Se não fosse rentável, tais professores não se sujeitariam a esse ritmo estafante.

Onde todos deveriam estar?

Em sala de aula, ministrando aulas. Na escola, preparando novos conteúdos para novas aulas. Escolas cujas dependências, infraestrutura, material didático e biblioteca estivessem à altura de uma Educação que se quer qualitativa. Uma remuneração condizente com a importância do cargo de professor seria algo também desejável. Os bons profissionais, nessas condições, ali permaneceriam, dando o melhor de si. Se acaso houvesse desleixo por parte de algum professor, esse não ascenderia na carreira até que melhorasse seu desempenho.

Quem não gostaria de ter um Professor Rodolfo em sua vida escolar! Poderíamos tê-los em um número expressivamente maior. Os “bicos” não mais seriam necessários. Todos estariam voltados a uma Educação de qualidade. O slogan “Por Uma Vida Melhor” deveria ser a mola propulsora que levaria o indivíduo, através da Educação, a alcançar uma melhor qualidade de vida em sociedade.

Esse seria um belo slogan que o Estado Brasileiro poderia almejar para todos.

Incluir todos num nível de excelência, que impossibilitasse um discurso do tipo “nós pega o peixe”. Deveria ser esse o grande objetivo da Educação de qualidade: forjar indivíduos de qualidade.
Aliás, por onde andará o Professor Rodolfo?

E a tua inspiração, guria?
Onde estará a Professora Claudina?
Ela que era “indescritível” aos teus olhos, admirada por ti, um exemplo de profissional! Ao vê-la, em sala de aula, sonhavas em ser como ela.

Estamos nos primórdios de um novo século.
Os sonhos precisam tornar-se realidade. Caso contrário, conviveremos, daqui para frente, com hordas de ignorantes, uma mão de obra barata e alguns poucos privilegiados, detentores do saber.

Uma massa crítica reduzida e milhões servindo de massa de manobra, é o que se vislumbra.


Amanda, como dizem aqui no Rio Grande do Sul:
“Não está morto quem peleia”!

sexta-feira, 29 de abril de 2011


O RENASCER
  

“É frio e o cheiro está forte. Virar de lado, impossível. Falta ar...”


Acorda em sobressalto. É sempre o mesmo pesadelo. Nunca vai além desse momento.

Será que isso poderia fazer parte dos sonhos de um enjeitado? Talvez sim, talvez não. E a sua trajetória na vida? Seria de sucessos ou de perdas?


Perguntas difíceis de responder.

O que é fácil, porém, é se perceber o grau de crueldade, de desumanidade nos atos de descarte de recém-nascidos. Como se lixo fossem, são jogados em caçambas, depositados em terrenos baldios e nos lugares mais insólitos. O nítido intuito é de que não sobrevivam. Milagrosamente, porém, parece que alguns conseguem a façanha de permanecerem vivos até que alguém os encontre. Assim, por puro acaso.

Diante desse quadro desolador, buscamos as razões para atos tão insanos. Em tempos bem mais antigos, esses comportamentos encontravam explicação na repercussão que causavam na história de famílias abastadas, na rígida moral vigente, no enfrentamento pelas mulheres de atos pelos quais eram condenadas pela sociedade.

Hoje, porém, não mais existem tais grilhões. Será, então, que o grau de maldade aumentou? Será que sempre é a insanidade falando mais alto?

Difíceis são as respostas para essas indagações. Cada caso será um caso: com seus participantes, circunstâncias, vida pregressa dos envolvidos. E por aí...

Diante desse quadro, relembro, em especial, nessa Páscoa, a Roda dos Expostos da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, que funcionou de 1837 a 1940. Local onde eram depositados recém-nascidos, criados na própria casa pelas chamadas criadeiras. Por primeiro, a criança era encaminhada a uma ama de leite e, depois de algum tempo, a uma ama-seca ou de criação que cuidava do menino ou menina até os sete anos de idade. Algumas vezes, eram adotados. Os que permaneciam, recebiam educação básica. Às meninas ensinavam prendas domésticas, para serem encaminhadas ao casamento.  Os meninos eram matriculados no Arsenal de Guerra, para aprenderem um ofício.

A título de informação sobre o tema, há um alentado trabalho, escrito por Luiz Henrique Torres, Professor de História do Rio Grande do Sul, no Curso de História da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), que dá um panorama do abandono infantil, como sendo “a própria história secreta da dor feminina, principalmente da dor compartilhada por mulheres que enfrentavam obstáculos intransponíveis ao tentar assumir e sustentar os filhos legítimos ou nascidos fora das fronteiras matrimoniais”.   (palavras do autor)

Aliás, segundo o mesmo autor, o abandono de bebês é prática antiga, ainda da época do Brasil Colonial. Naquele período, os pequenos seres eram abandonados, também, em lugares onde não poderiam sobreviver: lixeiras, terrenos baldios, etc.

A Roda dos Expostos surgiu, à época, como um lugar seguro, onde se depositava o recém-nascido, retirando-se o expositor, rapidamente, após girar a roda e fazer bater uma sineta, avisando da chegada de mais um enjeitado. Uma entrega sem explicações, sem testemunhas, permanecendo só a dor a gritar no gesto e a necessidade imperiosa do descarte, imposta à mulher pela própria sociedade. Mas uma certeza existia: a da possibilidade de um encaminhamento mais humano àquela porção de vida. A Roda dos Expostos veio para amenizar uma chaga social: a do abandono de recém-nascidos.

Hoje, numa sociedade muito mais liberal com relação à mulher, imagina-se que o nascimento de um ser humano possa ser recebido de forma natural, sem as ameaças, as culpas e os temores de antanho.

Mas não é o que ocorre.

Talvez, devamos, novamente, adotar a Roda dos Expostos como saída para os frequentes casos que se somam. A partir da leitura do trabalho do ilustre professor Luiz Henrique Torres, observa-se a existência de toda uma normatização administrativa, um verdadeiro Regimento da Roda dos Expostos da cidade do Rio Grande, em 1850, local para onde se transferiu esse serviço que, até então, era prestado pela Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Recomenda-se a leitura do citado trabalho, para que se verifique como eram bem cuidados os enjeitados da Roda, o acompanhamento que recebiam ao longo de sua infância, o atendimento médico que lhes prestavam os médicos da Santa Casa (fl.113 do citado trabalho). Havia, inclusive, a previsão de um fundo financeiro para a constituição de dotes para as expostas, visando a um futuro casamento. A Santa Casa, para tanto, utilizava recursos próprios, doações de particulares, das Câmaras Municipais e de rendimentos provenientes de bens de expostos oriundos de doações. Parece que, ao tempo da Roda, as coisas funcionavam melhor do que hoje. Pelo menos, com mais honestidade e correção dos rumos adotados pelos seus administradores.

E pensar que Luciana de Abreu, professora conceituada e escritora, com textos publicados na Revista da Sociedade Partenon Literário, da qual fez parte, por vezes assumindo a sua Tribuna, discursando de forma ardorosa pelos direitos da mulher, foi deixada na Casa da Roda dos Expostos da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, em 11 de julho de 1847.

A propósito, há uma reportagem publicada em 4 de outubro de 2007, no Jornal O Globo, on line, que apresenta o depoimento do médico clínico-geral, Renato Costa Monteiro, formado pela USP, há época com 81 anos de idade, que também foi deixado na Roda dos Expostos da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, sob nº 3381, em 29 de julho de 1925, e adotado em 10 de novembro de 1926. Clinicou por 57 anos e é defensor do parto anônimo. A leitura dessa reportagem é bastante elucidativa acerca da possibilidade de dar-se outro destino, que não os valos, beiras de rios, riachos, lixeiras, calçadas e caçambas, aos seres enjeitados por qualquer motivo.

Que essa Páscoa sirva para refletirmos sobre a Ressurreição de Cristo e sobre aqueles pequeninos seres que, por milagre, renascem dos monturos onde são jogados.

Que também a eles sejam oferecidas oportunidades concretas de viverem em sociedade.

Quantos sairão desses lixões para uma vida produtiva?

Em parte, a resposta está com cada um de nós.




Assista ao vídeo:





Leia a entrevista do médico Renato Costa Monteiro


Regimento da Roda dos Expostos (1850)





quinta-feira, 31 de março de 2011












A IMAGEM


Uma gota escorre pelo ralo. E outra corre atrás. E mais outra... Seguem mesmos caminhos? Nem sempre. Há as que se perdem nos vãos dos tijolos, secando sem juntar-se às demais. A maioria, porém, segue o curso normal e deságua no esgoto, na rua, no arroio... Estão juntas, coesas, fétidas ou não. Isso, absolutamente, não importa. São parte de um universo maior.

Lembro-me, agora, do cachorro do vizinho. Leal, amigo, brincalhão, um olhar manso. Exatamente igual a tantos outros que conheço. Não importa se abandonados, ou não. Não interessa se circulam perfumados pelas avenidas, ou não. Seguem o caminho sem atropelos. São previsíveis. De longe, avistam os irmãos da espécie. Atravessam a rua, chegam devagarzinho e, aos poucos, vão se cumprimentando. Daquele jeito que só eles sabem fazer. São parte de um universo maior. Vez por outra, porém, surgem alguns que, desde filhotes, são agressivos. Não por raça, mas por algum traço particular que os diferenciam. Algo em seu DNA que destoa dos demais. Parece não se acertarem com nenhum outro da espécie, nem da mesma raça. São absolutamente desconectados daqueles com os quais convivem, sejam eles humanos ou outros iguais a si.

Parece que quanto mais se aprimora a evolução, mais aumenta a capacidade de destruição desse ser guindado ao ápice da escala evolutiva.

Quando irrompe, no Pacífico, aquela onda aterradora é a força das águas se fazendo presente. É o momento de maior grandeza dessas águas. Elas se unem para demonstrar quão coesas estão, quão fortes são. Não há destruição entre si. Elas se reconstroem em novas danças. É a natureza absoluta.

Quando o felino abocanha a presa, pode ser sobrevivência. Porém, muitas vezes, é o próprio filhote que é devorado. Será o quê, então? Um desvio do instinto?

Aqui, já estamos ascendendo no patamar evolutivo. E, quando se chega ao topo da cadeia, os exemplos vão ficando mais cruéis.

Nós, humanos, o que fazemos? O matar, por legítima defesa, é diminuto. A destruição em massa, a matança planejada e os assassinatos são uma constante. As agressões físicas e verbais se somam no dia a dia dos cidadãos. A violência contra os nossos semelhantes é avassaladora e impressiona a quem se detém a observar tais mazelas.

Estamos no topo da cadeia evolutiva, mas, a cada instante, um tsunami explode, de dentro para fora, e violentamos, esfolamos, “apagamos”, viciamos, atropelamos uns aos outros. Nosso interior está doente, profundamente doente. Em poucos segundos, a mão humana exercita a destruição: as torres gêmeas, um povoado, uma aldeia, um grupo de pessoas...

Por último, a imagem, que não sai da retina, lembra um tsunami.

Como uma vaga, em alta velocidade, um carro, qual uma onda gigantesca, foi levando de roldão tudo o que havia pela frente.

Nosso tsunami chegou dias antes do outro e foi mais destruidor.

Constatou-se que ele abalou o ápice dessa cadeia evolutiva. Nós, animais altamente especializados, inventores de toda a moderna tecnologia, alçados à condição de humanos, saímos diminuídos.

Talvez haja, porém, conserto, porque não foi atingida a base.

Somos ainda animais.



Assista ao vídeo do atropelamento em massa


Tsunami no Japão





segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011





FELICIDADES!


Parece uma coisa, mas não é. É outra coisa. É tão brilhante que causa inveja à redonda branquela. Dizem que essa anda tonta com tamanho esplendor, como diz a conhecida marcha-rancho do século passado.
Mas é na madrugada, quase ao alvorecer, que aquela outra mais se mostra. Não pisca. É serena no brilho. Dizem que é uma estrela: a estrela D’Alva. Na verdade, é o planeta Vênus.

Pois as poucas sondas, que lá pousaram, não resistiram a mais de uma hora de vida, devido às extremas condições. Sua atmosfera é 92 vezes mais densa que a da Terra e composta, principalmente, de gás carbônico, o que eleva a temperatura da superfície para 460°C, ou um pouco mais, tornando Vênus o planeta mais quente do Sistema Solar. É o que dizem os estudos baseados nas sondagens até agora realizadas.

Mas isso tudo não interessa muito a nós, leigos no assunto. Interessa é observá-la, é vê-la brilhante no céu. É sonhar com ela. É flertar com o desconhecido. É ter a curiosidade aguçada.


Lá, tão longe, como será?

Como um nenê, apoiado nos pezinhos, espia o que está do outro lado do muro, nós, adultos, vez por outra, nos deleitamos a observar o desconhecido, o insondável.

Aquilo, que está sob os edredons televisivos, vai saturando. Aliás, todo mundo conhece aquilo, todo mundo faz aquilo.

O bom mesmo é deitar olhos no desconhecido. Aquele desconhecido que permanece desconhecido por séculos afora. Não o desconhecido que se desnuda depois de algum tempo, ou mesmo de pouco tempo. Quem sabe, de apenas uma noite.

Não, o importante é o sonho de alcançá-lo, o sonho perseguido, a curiosidade acesa, o desafio lançado. Isso é o que importa verdadeiramente.

Agora, sonhar por sonhar também não dá. É claro que todos precisam trabalhar para viver, ou não? Só viver a olhar as estrelas é demais. Buscar nelas inspiração para os sonhos adormecidos é outra coisa.

Conforme os versos finais de Luiz Marenco para a composição Estrela D’Alva, de Jayme Caetano Braun:

Às vezes sinto na alma
Que nunca mais eu me aprumo
Se um dia eu perder o rumo
Do clarão da Estrela D’Dalva.

Para não se perder o rumo, há que se tê-lo bem definido. Alguns o perseguem com perseverança, denodo e muita disciplina. Muitos não o têm ainda. Estão em busca. Outros terão que reinventá-lo, por absoluta impossibilidade de seguir em frente.


 Aos que ainda buscam encontrá-lo, não existe receita pronta.
Quem sabe deixando de lado uma análise mais apurada ou até um exercício de hermenêutica, tão comum no fazer anterior, esse observador da estância grande lá de cima busque em outras paragens o rumo melhor pra si. Tudo em prol da felicidade e do consequente exercício de atividades que permitam desenvolver ao máximo as suas potencialidades.

Daí, talvez, valha a pena fincar pé num lugar apropriado, com um potente telescópio, e lá permanecer a observar o firmamento. Nesse mundo globalizado, logo aparecerão pelo laptop, peça indispensável, outros observadores com os quais seja possível trocar informações.

Aí sim, aquela curiosidade dará lugar ao estudo, ao conhecimento, à experiência e, talvez, à prática da docência. E isso, agora, muito interessará a todos os envolvidos.

Tenho para mim que a escolha foi acertada. A Física, considerando-se sua utilização dentro da Astronomia, é uma das disciplinas acadêmicas mais antigas. É um casamento perfeito.

Se tudo isso for feito com muito conhecimento, técnica, sabedoria e amor, com certeza, o rumo estará posto aí.

E, mais uma vez, os versos da melodia que ecoa, assim:

E aqui me paro a pensar
Do que há pouco ouvi dizer
Que é necessário aprender
Para depois ensinar.

Pois por mais rudimentar
Que seja o ensinamento
Cada frase é como um tento
Que precisa ser lonqueado
E depois bem desquinado
Pra trançar um sentimento.

E depois?
É só sair a ensinar. Um bom professor tem que ter aprendido a sonhar. Ele sabe que o sonho é algo atingível quando se busca transformá-lo em realidade.


 Com maior probabilidade, seus alunos vislumbrarão rumos mais definidos na vida. Eles agradecerão. E esse professor terá a recompensa de ver-se como aquela estrela, a Dalva, que serve de clarão aos que se nutrem da sua luz. A cada dia, ela se faz presente, iluminando sonhos, conquistas, desafios. Ela aponta o desabrochar, dia a dia, de um novo aluno que vai crescendo como indivíduo. Aos educadores cabe não só transformar a informação em conhecimento e em consciência crítica, mas também formar pessoas.

Então, que ela sirva como clarão. Que seu mais novo representante, por aqui, se pareça com ela no brilho e que tenha a doçura e a firmeza de quem educa e orienta. E que, acima de tudo, permaneça um sonhador.
O compromisso está firmado. O rumo está posto.

Dessa vez, porém, terá que ser e parecer.
É um desafio e tanto ao futuro professor de Física.
FELICIDADES!







Leia a entrevista:



quarta-feira, 19 de janeiro de 2011







O HOMÔNIMO


Coqueiro! Eu te comprehendo o sonho inattingivel;

queres subir ao céu, mas prende-te a raiz...
O destino que tens, de querer o impossivel,
é igual a este meu, de querer ser feliz.
.........................................................................

Consolou-se depois: “O Senhor jamais erra...
Vae! Esquece a emoção que na alma tumultúa.
Juca Mulato! volta outra vez para a terra,
procura o teu amor, numa alma irmã da tua.

Esquece calmo e forte. O destino que impera,
um reciproco amor ás almas todas deu.
Em vez de desejar o olhar que te exaspera,
procura esse outro olhar, que te espreita e te espera,
Que ha por certo um olhar que espera pelo teu..."
(versos finais do poema JUCA MULATO)

(excertos extraídos do livro original, autografado pelo autor, publicado pela Companhia Editora Nacional em 1937, em sua 16ª edição)


Chovia quando o avião aterrissou. Chuva de verão que, dali a instantes, deu lugar a um luminoso Sol, rei da estação. Não tardou e seus raios acomodaram-se no horizonte, já sonolentos, prontos para darem vez à bela da noite. E, naquela noite, ela se fez bela por demais.

Luísa, embalada por essas imagens, acabara de hospedar-se no hotel. Da janela do quarto, viu acenderem-se as luzes da Ponte Hercílio Luz, cartão postal tão conhecido. E foi num hotel, perto dessa ponte, que Luísa, com um pouco de sorte, um ouvido atento e muita curiosidade, encontrou uma pessoa cuja história bastante curiosa vale a pena contar. Aliás, esse é seu ofício no momento. É uma contadora de histórias.

Com a agenda lotada para o dia seguinte, tratou de jantar no hotel e recolher-se rápido.

Na manhã seguinte, pronta para os compromissos, desce ao saguão do hotel à procura de um táxi. O atendente da recepção prontamente apresenta-lhe o taxista que serve ao hotel. Um táxi executivo que, por quatro dias, lhe conduzirá aos lugares mais distantes, que fazem parte de seu roteiro. O condutor, um cidadão educado, discreto, gentil, bem apessoado a quem todos chamam de senhor Menotti.

Luísa, pessoa bastante comunicativa, mantém com o senhor Menotti extensas conversas durante as “corridas”, algumas mais longas, no decorrer de sua estada na cidade. Na verdade, estava na ilha para tratar de papéis relativos a um imóvel de sua propriedade, que seria posto à venda. Comentou, na oportunidade, que estava tendo dificuldade com a correta avaliação do imóvel, considerando-se todas as benfeitorias nele existentes. Parece que, ali na ilha, só valia mesmo a metragem do imóvel para fins de avaliação.

Ficou sabendo, então, que o taxista, quando vendera seu apartamento, depois da separação, também encontrara dificuldade na avaliação correta para a venda, pelo mesmo motivo. Não adiantara coisa alguma as melhorias que fizera no imóvel quando lá morava, ainda casado.

Nessas idas e vindas, depois de um certo tempo, Luísa, curiosa, faz pequena observação sobre o nome com que é chamado o taxista. Acredita ela, até aquele momento, que Menotti seja o sobrenome do cidadão. Todos, no hotel, o chamam dessa forma. Ela própria, observando mais atentamente as feições do taxista, acha que ele seja de origem italiana: daí o sobrenome.

À pergunta de Luísa, o senhor Menotti, sorrindo, responde que Menotti é o seu prenome e não sobrenome. Mais curiosa, ainda, Luísa faz referência ao poeta Menotti Del Picchia, perguntando ao taxista sobre a admiração e o gosto pelas poesias que, com certeza, a mãe dele deveria ter tido.

O senhor Menotti, então, informa que era o pai e não a mãe o grande admirador do poeta.

A corrida encerra-se ali, naquele instante, e a curiosidade de Luísa aumenta. Na verdade, gostaria de mais detalhes, mas se contém. O taxista é discreto.

As corridas se sucedem e as conversas também. Tendo Luísa resolvido todos os assuntos que a levaram até a ilha, e já conformada com as poucas informações que conseguira acerca do nome do taxista, combina com ele o horário para levá-la ao aeroporto na manhã daquela quarta-feira, dia do embarque.

Ao despedirem-se, o taxista passa-lhe o seu cartão pessoal, para novamente atendê-la quando retornasse à ilha.

E qual a surpresa! O nome do taxista é: Menotti Del Picchia.

Luísa, incrédula, com o cartão na mão, encara o taxista. Ele, então, educadamente, acrescenta seu sobrenome ao Menotti Del Picchia: Braga Pinho.

Nesse instante, Luísa esquece o avião. Acha mesmo que até perderia o avião, se fosse o caso. Felizmente, isso não aconteceu.

A conversa, porém, alongou-se, dando tempo a que ele explicasse como surgira o tal nome em sua vida. Na verdade, seu pai trabalhara como secretário particular, mais precisamente como calígrafo para o reconhecido poeta paulistano. Ele próprio também nasceu em São Paulo, estando radicado em Florianópolis há mais de vinte anos. Seu pai nutria um profundo respeito e admiração pelo poeta. A tal ponto que lhe colocou o prenome usando o nome de Menotti Del Picchia. Acrescentou, ainda, que se tivesse nascido uma menina teria o nome da governanta do poeta. Infelizmente, não soube o taxista dizer qual seria esse nome.

A chamada para o embarque desperta Luísa daquela viagem no tempo. Despede-se do senhor Menotti, agradecendo todas as informações obtidas.

Na agenda vão todos os apontamentos acerca dessa história que teve origem ao tempo do poeta Menotti Del Picchia, eleito, em 1943, para a Academia Brasileira de Letras e, em 1982, proclamado Príncipe dos poetas brasileiros, mais um dentre os poetas que compõem o reino da Poesia Brasileira. Ele, que foi estudado por Luísa no Curso de Letras, é fonte inspiradora, hoje, através de seu homônimo, na elaboração dessa crônica.

O que o homônimo não sabe é que também o nome do poeta foi uma homenagem que o pai dele, Luís Del Picchia, fez à memória do revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi na pessoa do filho nascido de Anita, sua companheira brasileira, chamado Menotti. Essa opção foi considerada, à época, demais ousada pelo padre que, na hora do batismo, impôs um nome cristão antes do nome Menotti. Dessa maneira, o poeta, nascido na antiga Ladeira São João, hoje, Avenida São João, em São Paulo, foi registrado como Paulo Menotti Del Picchia, ficando mais conhecido mesmo como Menotti Del Picchia.

Menotti Del Picchia, nascido ainda no século XIX, no ano de 1892, viveu 96 anos, teve sete filhos com a primeira esposa, sua namorada de infância, Francisca Avelina da Cunha Salles, de tradicional família de Itapira, cidade natal do poeta. Considerado um vanguardista em ideias e atitudes, ferrenho defensor de causas polêmicas, como o divórcio, manteve-se ligado à primeira família, embora tenha escolhido, a partir dos anos 30, uma nova companheira, a pianista Antonieta Rudge Miller, com quem viveu durante quarenta anos. Foi um revolucionário na militância cultural, sem trair suas raízes parnasianas e simbolistas, como observam alguns estudiosos. Participou ativamente da Semana de Arte Moderna em 1922.

Mas o que hoje interessa à Luísa não são os aspectos acadêmicos, já sobejamente estudados. O que interessa é a existência de um homônimo, vivendo em Floripa, exercendo sua profissão com elegância, discrição, amabilidade e, claro, competência.
Descoberto por quem costuma ir a fundo quando fareja uma bela e inusitada história.

Vale lembrar que ambos os Menotti nasceram da grande admiração de seus pais por figuras importantes, que se sucederam na grande teia que é a Vida.

Luísa espera, sinceramente, que, como no último verso do poema Juca Mulato, de Menotti Del Picchia, transcrito acima, o senhor Menotti, o de Florianópolis, encontre

“... um novo olhar que espera pelo seu...”

terça-feira, 28 de dezembro de 2010







UM SORRISO CONSTANTE


Sempre nos finais de tarde, irrompe pela minha rua, com passos decididos, uma gentil criatura.

Não importa se haja frio ou chuva, ou se o calor escaldante se faça presente. Durante o ano inteiro, sua presença, a cada dia, embala expectativas, alimenta esperanças, chama ao dever, traz notícias àqueles que tanto as esperam. Às vezes, é penoso vê-la carregar volumes expressivos em quantidade e peso, considerando-se sua pequena estatura. Mas lá vai ela... Cuidadosa, diligente, eficiente, atenciosa: seriam essas algumas das qualidades a caracterizá-la.

Na minha rua, já observei, todos a conhecem. Muitos trocam com ela cumprimentos e sorrisos. Em outras ruas, deve repetir-se o mesmo ritual. Muitos, com certeza, também trocarão palavras com essa trabalhadora.

Pessoalmente, conversei pouco com ela. Aliás, bem menos do que gostaria. Se mais soubesse sobre sua pessoa, suas lutas, vitórias, desejos, tenho certeza que mais ainda me surpreenderia positivamente.

Seu local de trabalho são as ruas. Em especial, no meu caso, a minha rua. Parece pouco, mas não é. Trabalhar como uma mensageira, irradiando alegria, não é pouco. É muito nos tempos atuais.

Quando alguém se dirige a ela, ou vice-versa, seu olhar radioso, luminoso, faz par com um sorriso espontâneo, constante, fraterno, que desmonta qualquer carranca. Abrindo-se em sorriso, o que dela se recebe é puro otimismo, alegria, descontração, paixão pelo que faz, paixão pela vida.

Vez por outra, ouço sua voz delicada identificando-se no interfone. Desço feliz, pois compartilharemos alguns minutos de convívio fraterno. Momentos raros nos dias de hoje.

Por isso, estando o ano por terminar, nada melhor do que se desejar um 2011 pleno de encontros mágicos como esse, que transferem boas energias ao semelhante.

Que se multipliquem os sorrisos acolhedores como o de Cleonice, carteira da minha rua: minha carteira. E não importa saber seu nome completo.

Na verdade, Cleonice é única. Seu sorriso é único e constante.

Isso é o que importa.