domingo, 19 de abril de 2020

FIQUEM ATENTOS






O susto foi grande. Quis experimentar: só por imitação. Afinal, todos, que passavam por ali, faziam aquilo.

Naquele dia, aventurou-se e deu-se mal. Pensa, hoje, que a experiência foi desastrosa porque era muito pequenina. Por estar próxima ao chão, a rede foi alcançada. Nem pôde, porém, descobrir o que todos sentiam quando lá deitavam. Ao sentar-se na beirada, imediatamente, foi abraçada pela tal rede que se fechou. Aos gritos, foi retirada pelo avô que chegara naquele instante.

Esta rede servia para o descanso do avô, para seus momentos de leitura, para lembrar, com saudades, da sua história pessoal ao lado da companheira que já se fora.

Para Aninha, porém, que recém despertara apenas para a curiosidade, a experiência não foi agradável. Donde se conclui que, inúmeras vezes, somos, quando ainda inexperientes, pouco capazes de perceber os perigos que uma simples rede pode nos trazer. No caso de Aninha, algo palpável que ela, pequenina, não tinha experiência alguma para mensurar.

Ao contrário de nós que, aos trancos e barrancos, vamos aprendendo a nos proteger das mais diversas redes que nos cercam.

E elas estão espalhadas pelo globo afora. Muitas delas já direcionam nossas vidas. Claro, quando permitimos que isso aconteça. O mais grave, porém, é que nem nos apercebemos disso. Somos engolidos por elas. E são muitas e variadas.

Para que mencioná-las!

Consideremos que não são visíveis, como aquela que Aninha adentrou, por conta própria. E, como tal, abraçam-nos sem nos darmos conta. Competem entre si, especializam-se e nos atingem, cotidianamente, gerando desinformação, temor, uma quase confusão mental propícia a que nos tornemos vassalos. Claro que existem algumas poucas que nos auxiliam, até nos socorrem quando necessário.

Não esqueçamos que, presentemente, somos monitorados. Sabem onde comemos, o que compramos e o que pensamos. Direcionam, então, suas tenazes forças para que cheguem até nós os padrões que pretendem impor.

A tecnologia veio para auxiliar, para ajudar, para agilizar. No momento, até os drones, tão úteis nas emergências, estão servindo, infelizmente, para os traficantes monitorarem o deslocamento da Polícia ou, até mesmo, para entregarem celulares em presídios.

Mas voltando às redes...

Deveriam, tão somente, nos informar do que está acontecendo. A nós caberia refletir sobre o que nos é repassado, pois deveríamos ter a capacidade de análise sobre o assunto abordado, independentemente da posição assumida pelas poderosas redes.

Para tanto, far-se-ia necessário que tivéssemos uma educação mais aprimorada, que nos possibilitasse melhor avaliar os vários sentidos que uma palavra pode conter num texto, bem como o que pode gerar de dúvida, questionamento e confusão no entendimento de quem a lê ou a ouve. Caberia aqui, quem sabe, a frase, que segue abaixo, atribuída ao reconhecido escritor Monteiro Lobato:

Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê.

Verdades ou Inverdades?

Não há dúvida de que estamos sendo guiados, sem nos apercebermos, para um futuro imprevisível.

O significado de uma entrevista ou de um texto escrito devem, ambos, ser analisados sob todos os ângulos possíveis.

Caso contrário, sem análise, o viver cotidiano tornar-se-á uma aventura por demais imprevisível. E por ser tão imprevisível e desconhecido seu resultado, tais redes, e não mais aquela da varanda de Aninha, poderão nos abraçar com tal força subliminar, dificultando a nossa autossobrevivência emocional, bem como a visão racional do nosso papel como indivíduos partícipes dentro de uma sociedade.

E, com certeza, não estará presente um avô para nos socorrer. Nem seria suficiente.







domingo, 12 de abril de 2020

ENQUANTO HÁ TEMPO



Diante daquela palavra escrita em letras maiores, Aninha sentiu a quebra daquele silêncio que estava instalado em sua sala. É como se aquela palavra tivesse rompido o silêncio e reverberasse em seus ouvidos, como algo presente e perfeitamente audível. E a palavra surgira da voz de uma personagem que acabara de pedir PERDÃO, com tamanha veemência ao seu interlocutor, que Aninha, leitora contumaz, absorveu aquela súplica como algo concreto e presente.

Suspendendo a leitura, deu-se conta da força que encerra a palavra, quando bem elaborada num contexto, sendo capaz de causar tamanho impacto.

O silêncio, naquele instante, fora rompido. E qualquer palavra fica feliz quando é capaz de romper o silêncio. E o silêncio sente-se feliz ao dar passagem à companheira que dele tanto precisa: tanto na sua origem, quanto na sua verbalização.

A felicidade do silêncio é poder sentir-se audível. Isto acontece quando o escritor faz nascer suas palavras, sob a forma de textos, no silêncio dos momentos que desfruta. Também acontece quando deve existir silêncio para que o texto seja lido a uma plateia ou apenas lido pelo leitor que desfruta dele para melhor sentir a força das palavras, como aconteceu com a nossa Aninha.

No universo da palavra, ela também precisa do silêncio em dois momentos: quando é gerada e quando é lida ou ouvida.

É uma parceria que se completa a cada encontro. Ambos necessitam um do outro. E a felicidade de um é, também, a felicidade do outro.

Um fica feliz quando lhe dão passagem para ser ouvido ou quando participa do ato de criação de um texto, que necessita de reflexão para nascer.

E ela extravasa sua alegria quando é capaz de nascer para o mundo, através da reflexão de quem a busca incessantemente, fazendo uso dele para este ato.

E, duplamente feliz, quando alcança seu ouvinte ou leitor através dele: o silêncio.

O momento, por que passamos, reúne estes dois parceiros, como forma de superarmos os obstáculos a nós impostos temporariamente.

A solidão, o afastamento a que estamos submetidos trouxe o silêncio até nós. E isto possibilitou que revisássemos nossas atitudes para conosco e para com o próximo.

Temos que vê-lo como um amigo que chega para valorizar nossos momentos.

Tem servido para que reflitamos sobre como temos gerado situações de divisão em termos globais, em todos os sentidos.

Ele tem favorecido o nascimento de uma reflexão a que muitos não estão acostumados. Sendo esta sua missão maior, isto é, ser audível no ato da reflexão.

Agora, alegria maior será para ele quando ela, a palavra, após este tempo, precisar novamente dele. Ele far-se-á presente, quando chamado. Ela, então, poderá fazer nascer um novo Contrato Social que será lido sob um silêncio: sentido por todo o planeta.

Um compromisso de todos, os que o habitam, com a integridade desta Casa que nos foi ofertada, que nos acolhe e a qual devemos olhar com gratidão, com desvelo até, pois dela extraímos tudo aquilo que precisamos. 


Nada mais justo e coerente que retribuamos com posturas corretas, ações solidárias e uma universal cooperação, para que não precisemos enfrentar, num futuro, um silêncio que se poderá tornar eterno, onde as palavras não mais caibam porque se expirou o tempo para que haja um renascimento.

















sexta-feira, 3 de abril de 2020

UMA LUZ


Quando aqueles olhinhos viram o fundo do poço, lá encontraram uma luz que se arrastava da borda até o fundo. O pai segurava aquela menininha que teimava em querer ver o que existia escondido lá dentro. O que viu, finalmente, foi uma luz que repousava sobre a água depositada.

Satisfeita, nunca mais se atreveu a repetir aquela sensação, pois a curiosidade tinha encontrado uma resposta.

Bem mais tarde, seus olhos já se detinham sobre a distante lua que iluminava seu pátio. Uma luz bem mais distante, mas que não lhe trazia temor algum. Apenas a fazia imaginar e, mesmo, enxergar elevações, como se fossem montanhas que sobressaíssem daquela distante esfera brilhante. Uma luz que, de lá, lhe anunciava haver a possibilidade de algum contato com alguém, com algo que sua imaginação de adolescente começava a tornar-se criativa.

Bem mais próxima dos dias atuais, esta luz adquiriu um novo significado, bem menos tangível, mas, nem por isto, menos real. Tão real que pode clarear o seu caminho, inundar-se com ela em cada amanhecer ou até mesmo vê-la em sonhos.

É a luz interior que nos possibilita sentir a sua força mesmo que o dia já se tenha ido, que seja escuro novamente. Mesmo que a lua não se apresente, esta outra luz nos permite caminhar em segurança por quaisquer veredas desta vida.

O que importa é ter presente a certeza de que o clarear, de que o amanhecer faz parte do ciclo pelo qual somos guiados.

Esta trajetória da luz, que nos acompanha desde o primeiro abrir de olhos, é perene. Contamos com ela e a compreendemos melhor com o passar do tempo.

Na época do poço, tudo era tangível. A lua, porém, já exigiu esforço maior de imaginação. Esta última, que nos acompanha e guia, é sentida: não precisa ser vista.

Pra que vê-la? O importante é senti-la e sabê-la presente.

Não importa o grau de escuridão que venhamos a enfrentar. O que faz a diferença entre os que sentem esta luz interior, e os que não a sentem, são a paz e a esperança que os primeiros desfrutam em maior intensidade. Saber-se guiado por ela faz toda a diferença.

O olhar da criança de ontem adquiriu a certeza que a procura da luz não foi em vão.

Lembrem que “um novo dia sempre vai raiar”.

Aguardem, companheiros de jornada!

Unidos em torno dessa LUZ, tudo vai clarear.





 Samba Clareou – Diogo Nogueira e Orquestra Sinfônica Arte Viva





domingo, 29 de março de 2020

UM SÍMBOLO



O poder, a glória, a nobreza e a beleza são todos atributos cujo símbolo é um só: a coroa.

Ela poderá ser leve, pesada, mais confortável ou não. Seu detentor, porém, jamais reclamará, pois é um objeto tão valioso para a autoestima de quem o sustenta. Seu tempo de duração acompanha o tempo do portador. Outros detentores suceder-se-ão na roda do tempo. Nem tudo, porém, resume-se a isto.

Houve outra que foi dolorosa e que é única. Não houve sucessores. E seu tempo de duração é eterno, porque eterno é seu portador.

Sua mensagem?

Revela puro amor e não poder. Amor para com o outro, para com os outros, para com todos.

Foi crivada de espinhos, por isso demais dolorosa.

Quem a suportou: deu a vida. Não apenas um tempo da vida do portador, como as demais coroas que, por aqui, ainda resistem.

Quando se dá a vida, o ato eterniza-se. E foi o que aconteceu.

Entre a cruz e a espada é como se encontram os habitantes desse solo planetário.

A espada?

Uma coroa que trouxe a morte.

A cruz?

Aquele símbolo de eterno amor que, presentemente, os habitantes deste planeta buscam em fervorosas orações.

Como não emocionar-se ao vermos os seres desse planeta, ao que parece, mais unidos pelo temor da morte que não distingue tipos de coroa.

Esta coroa veio para que todos reflitam sobre os desatinos que têm sido cometidos contra a Natureza existente neste planeta, contra todos os seres vivos que aqui habitam.

É uma minúscula coroa com uma força abissal.

Talvez, sua origem tenha sido arquitetada por alguns poucos seres destituídos de humanidade, que se locupletariam com seu resultado.

De qualquer sorte, está servindo para a humanidade refletir sobre suas ações nefastas uns contra os outros e contra o planeta.

Agora, como diz o conhecido samba:

Desesperar Jamais!

Enquanto estamos quietos, a Terra, durante este período, está em processo de cura.

E nós?

Resta-nos segui-LO, conforme diz a letra que acompanha o vídeo que segue.

E, claro, adotarmos uma conscientização sobre os problemas que afetam a CASA que nos acolhe e, nesta medida, exigirmos posturas dignas, conscientes e proativas de novas políticas socioambientais.

E o símbolo? Serviu para acordarmos.





I Will Follow Him (legendado)








domingo, 8 de março de 2020

O RESGATE


De repente, acorda banhada em suor. A origem de tanto terror vai-se lentamente. Percebe que está na sua cama. Estivera sonhando. Com os pensamentos ainda meio embaralhados, respira mais tranquila. Fora um sonho, nada mais. Esse resgate, do qual foi protagonista, ainda restaria por muito tempo a assombrá-la. E se ele houvesse fracassado? Se, naquela manhã, as peças envolvidas não se tivessem encaixado? Se surgisse algum contratempo? Se o chefe da família tivesse retornado ao lar, por qualquer motivo? Nada poderia dar errado. E, de fato, não deu.

Segundo relato da mãe, a partir do quinto dia de união, pelo casamento, começara um verdadeiro calvário. Beatriz acreditava na mãe. Não tinha motivo para desacreditar. Passara com ela, até aquela manhã, vários momentos traumáticos. E, porque não dizer, um cotidiano de sobressaltos que para sua mãe se arrastou por trinta e poucos anos. Na verdade, viviam sob o tacão de um tirano.

Para que se pudesse romper aquela situação instalada por anos a fio, somente um plano bem elaborado, meticulosamente arquitetado, poderia ser exitoso. A decisão fora tomada após o convívio ter-se tornado insuportável. O diálogo era impensável. As condições psicológicas a que estavam submetidas, há vários anos, reforçavam a ideia de que só havia uma saída. Em prol da sobrevivência física e mental de ambas, a fuga foi traçada.

Nos meses anteriores, os detalhes foram repassados, as devidas cautelas tomadas e os contatos preparados. Pequena quantia em dinheiro também foi guardada. Até uma novena foi rezada para que tudo desse certo. Como dizia sua mãe:

- Um dia, tudo iria terminar.

E foi o que aconteceu naquela manhã, já remota no tempo.

Beatriz saíra para fazer o vestibular. Era o combinado. Porém, fora encontrar-se com o tio. Diante do pedido já aguardado, ele apenas sinalizou sua concordância, aceitando acolhê-las: sua irmã e Beatriz, sua sobrinha e afilhada.

Os momentos que se sucederam foram de absoluta tensão, numa corrida contra o tempo, sob a sombra do medo e do imprevisível: sempre possível.

Beatriz, à frente, sozinha, tomou, passo a passo, as medidas que a ela, do alto de sua recém-completada maioridade, pareceram necessárias naquele momento.

Arranjou um pequeno caminhãozinho que carregaria alguns pertences. Aboletou-se na cabine com o motorista e rumou para o local do resgate. Antes, porém, passou na delegacia do bairro, onde pediu auxílio de uma viatura que a acompanhasse para qualquer eventualidade. Foi atendida prontamente.

Os vizinhos que assistiram à cena da chegada do caminhão e da viatura não conseguiam compreender o que estava acontecendo. E assim permaneceram. Para que revelar detalhes, agora, se nunca antes tinham tido eles qualquer participação. Quando um deles adiantou-se para saber o que determinara tal atitude, aparentando interesse, não obteve resposta.

Do local, foram retirados apenas um pequeno refrigerador, uma velha máquina de costura Singer, uma pequena máquina de escrever, semiportátil, Remington, uma cama de solteiro, um pequeno roupeiro, livros e roupas.

Aquele local, um bangalô tão ajeitado, com carro na garagem, com um jardim florido, com bastante conforto, ficou praticamente intacto. Nas janelas, cortinas penduradas atestavam o zelo de quem as cuidava. No jardim, uma gruta, construída pela mãe, guardava a imagem de Nossa Senhora Aparecida. De lá, a Madona a tudo assistiu.

Sobre a mesa da cozinha, ficou servida a última refeição: um prato de aveia, tão ao gosto do chefe da família.

Ainda, para encerrar esse penoso convívio, uma carta, escrita pela filha, foi deixada sobre a mesa da sala.

Das chaves Beatriz não lembra bem. Parece que foram colocadas sob o tapete da porta de entrada. O portão com o vento fechou-se sozinho.

A Madona parecia sorrir, é o que lembra Beatriz.

Completava-se o resgate de duas vidas.





Nota: Uma homenagem a todas as mulheres que ousam libertar-se do jugo machista que, quando imposto, causa tanto sofrimento.





Observação: Conto selecionado que integrou a Antologia Literária TODAS AS MULHERES DO MUNDO, publicada pela Editora Litteris do Rio de Janeiro, no ano de 2017, em comemoração ao Dia da Mulher.