A nossa música e grande parte de nossa produção poética repousam nessa característica que, acredito eu, é bem brasileira: o humor.
E isso vem de longa data. Já Gregório de Matos Guerra, o
conhecido “Boca do Inferno”, poeta barroco baiano, apelava para o humor e para
a sátira em seus versos que sacudiam a sua cidade natal. Ficou reconhecido mais
pela produção satírica do que pela lírica.
Embora pertencente à classe dominante, criticava pesadamente
a sociedade baiana do final do século XII. Sua poesia batia forte contra as
autoridades constituídas e a incompetência dos poderosos, tanto os de lá
(Portugal), quanto os de cá. Exemplos dessa poesia são os poemas que seguem:
E ainda:
Ou ainda trechos do poema EPÍLOGOS:
Que falta nesta
cidade? ..................Verdade.
Que mais por sua
desonra? ............Honra.
Falta mais que se lhe
ponha?..........Vergonha.
O demo a viver se
exponha,
Por mais que a fama a
exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra,
vergonha.
.............................................................................
E que Justiça a
resguarda?...............Bastarda.
É grátis distribuída?.........................Vendida.
Que tem, que a todos
assusta?.........Injusta.
Valha-nos Deus, o que
custa
O que El-rei nos dá de
graça.
Que anda a Justiça na
praça
Bastarda, vendida,
injusta.
...........................................................................
O açúcar já se acabou?
.....................Baixou.
E o dinheiro se
extinguiu?..................Subiu.
Logo já
convalesceu?.........................Morreu.
À Bahia aconteceu
O que a um doente
acontece,
Cai na cama, o mal lhe
cresce,
Baixou, subiu, morreu.
............................................................................
A Câmara não
acode?...........................Não pode.
Pois não tem todo o
poder?...................Não quer.
É que o Governo a
convence?................Não vence.
Quem haverá que tal
pense,
Que uma Câmara tão
nobre,
Por ver-se mísera e
pobre,
Não pode, não quer,
não vence.
E não falemos dos poemas em que usa palavrões, recorrendo a imagens
pesadas.
Mas o que nos interessa com relação a Gregório de Matos,
nessa data, é que ele possuía humor nas suas criações e que, já à época,
denunciava a corrupção que grassava. Inclusive, fez “versos à lira” em violas
de arame, compondo lundus. Portanto, é considerado um precursor do nosso
cancioneiro. Do lundu surgiram as marchinhas, o chorinho, o baião e o nosso
homenageado de hoje: o SAMBA.
O samba que nos identifica como brasileiro onde estejamos.
Suas raízes encontram-se no Brasil Colonial, época de Gregório de Matos e da
chegada da mão de obra escrava em nosso país.
Daquela época até os dias atuais, o samba sofreu influências
variadas, conforme o meio em que se desenvolveu. Da mesma forma, estilos
diversos de sambas apareceram. Samba de breque, samba de partido alto,
samba-enredo, samba canção, samba exaltação, samba de gafieira, samba carnavalesco,
o pagode, todos são exemplos de variantes do nosso samba. E sem esquecermos a
bossa-nova, movimento que nos fez conhecidos pelo mundo afora e que utiliza
também o samba de breque, mais sincopado.
Uma coisa, porém, permanece até hoje: a capacidade de nos
fazer movimentar e, quando de cunho social ou, mesmo romântico, nos fazer
refletir. E o humor, geralmente, está lá a compensar as agruras das letras,
espelhando a realidade social com a qual seus criadores convivem ou conviveram.
Noel Rosa é exemplo de humor e ironia ao falar de coisas sérias. O
sambista Cartola expressou a importância de Noel quando compôs esses versos:
“Era o rei da filosofia/Fez da musa o que queria/Zombou da
inspiração/Os seus versos ritmados/Por ele mesmo cantados/Tinham bela
entoação”.
E os sambas de Bezerra da Silva, de grande atualidade, que
lembram muito Gregório de Matos. Imaginem! Épocas distantes e temas tão iguais.
Existirá alguma saída para problemas tão enraizados?
Na dúvida, fiquemos com ele, pois, com ou sem humor, ele nos
consola, nos embala, nos acaricia, nos enaltece, nos identifica como um povo
cujas mazelas encontram voz em um cancioneiro que compensa esse arrastar de
desmandos, injustiças e desvios de todo o tipo.
E pra esquecer as mágoas, nada melhor do que assistir a
alguns vídeos históricos em que Sua Majestade, o Samba, reina cercado por seus
fiéis seguidores.
Comecemos, então, pelo primeiro samba gravado no Brasil, no
ano de 1917, que se chamava PELO TELEFONE dos autores Mauro de Almeida e
Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o Donga, cantado por esse último, acompanhado
por Chico Buarque de Hollanda num vídeo, no distante ano de 1966. Há
controvérsias sobre a autoria do dito samba, embora tenha sido registrado na
Biblioteca Nacional, em 1916, como sendo de Donga.
Outro dado curioso sobre o tal samba são os seus versos
iniciais.
Vejam e comparem:
“O chefe da folia pelo telefone mandou avisar/Que com
alegria não se questione para se brincar/O chefe da polícia pelo telefone
mandou avisar/Que na Carioca tem uma roleta para se jogar”. Ao que parece, a
segunda versão foi a que ganhou popularidade e se mantém até hoje. Tais versos
satirizam ordens que teriam sido dadas pelo Chefe da Polícia do Rio de Janeiro
aos seus subordinados, para que informassem, “antes por telefone”, aos
infratores de que haveria apreensão do material usado no jogo.
O fato é que esse samba permanece até hoje como o marco
inicial desse ritmo tão nosso, tão verde-amarelo.
Bom divertimento!
VIVA O DIA NACIONAL DO SAMBA!
Samba Pelo Telefone – Donga e Chico Buarque
Samba O Vírus da Corrupção – Bezerra da Silva
Lupicínio Rodrigues – Pot-pourri
Samba Aquarela do Brasil - Gal Costa
Na Subida do Morro - Roberto Carlos e Moreira da Silva
Os Três Malandros in Concert – Dicró, Moreira e
Bezerra
Partido Alto - Arlindo Cruz com Zeca Pagodinho
Partido Alto – Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Arlindo
Cruz, Sombrinha
Zeca Pagodinho e Anjos da Lua interpretam Noel Rosa
Foi um Rio que Passou em Minha Vida - Paulinho da Viola e Velha Guarda da Portela
Acontece - Cartola e Paulinho da Viola
Garota de Ipanema – Roberto Carlos e Caetano Veloso