Talvez tenhamos chegado ao momento em que tudo anda meio
misturado. Não se sabe bem, pelo sentir, em qual época do ano andamos. Seria
também essa a sensação nos já distantes séculos XVII e XVIII? Impossível
saber-se. Mas houve quem se atrevesse a descrever, musicalmente, as estações do
ano. E, ao que parece, eram já quatro as estações do ano. O que não se sabe é
se seriam como as nossas de hoje, isto é, todas misturadas, independente do
período. Isso, porém, não é o que nos interessa nessa reflexão de hoje.
Interessa, isso sim, destacar a importância dada a elas por
um compositor italiano de nome Antonio Lucio Vivaldi (1678-1741) que compôs a
conhecida obra AS QUATRO ESTAÇÕES. Composta por quatro Concertos para Violino
que retratam fatos que ocorrem durante cada estação do ano como, por exemplo, o
aparecimento do gelo, ocasionando possíveis quedas.
Que sensibilidade aguçada deveria ter quem transpôs para
notas musicais sensações tão diversas, que se iam modificando a cada nova
estação do ano. É o estado da alma das diversas estações que ele transcreve
musicalmente.
E, para tal, o violino é o instrumento que canta em todas as
suas obras.
Posteriormente, usou da voz na sua música coral, onde também
sua produção foi importante.
Agora, para um violino cantar, parecendo, por vezes, falar,
substituindo a voz humana, seu compositor e instrumentistas tinham que ser
muito bons.
Aliás, grandes artesãos, como, por exemplo, Antonio Giacomo
Stradivari (1644-1737), entre outros, transformaram o violino em instrumento
nobre.
A profusão de invenção melódica de Vivaldi foi, talvez, o
que o tenha tornado mais popular. Por óbvio, não teve a densidade polifônica de
um Bach. Porém, foi genial em invenção e em imaginação transpostas musicalmente.
Como compositor e violinista foi famoso na Europa inteira.
Sua obra é extensa, sendo considerado um gênio no gênero típico da música
instrumental barroca que é o Concerto Grosso, onde dois, três ou mais solistas
alternam-se com a Orquestra de Câmara.
O que a nós importa, porém, é perceber a dimensão da
dificuldade de transpor para notas musicais as sensações, as nuances, as
emoções, o estado d’alma que cada estação do ano propicia individualmente. Daí
a importância de um compositor. E ele soube sê-lo.
No seu tempo, na sua época, do lugar de onde vinha, suas
raízes culturais, suas circunstâncias e vivências, foi ele representativo e
figura ímpar.
Essas QUATRO ESTAÇÕES não foram qualquer coisa. Tornaram-se
universais, pois perduram até hoje.
E as QUATRO ESTAÇÕES, nome original do samba-enredo Cântico
à Natureza, da Estação Primeira de Mangueira, no Carnaval de 1955?
E lá vão 59 anos de existência do samba de autoria de Nelson
Sargento, seu padrasto Alfredo e, dizem também, com a parceria de Jamelão (José
Bispo).
Muitos outros belos sambas foram compostos por Nelson
Sargento.
Abstenham-se de comparar composições e compositores.
Não estamos aqui para dizer que a segunda obra é “uma coisa”
e a primeira, é “outra coisa”! Até porque nem poderíamos comparar música
erudita com música popular.
Estamos, isso sim, a reverenciar a figura do compositor e a
data de 15 de janeiro como a escolhida para homenageá-los. A figura do letrista
que, às vezes, é também o compositor da música, contribui para o sentir de quem
ouve. As palavras, quando bem escolhidas, só acrescentam beleza à melodia
posta.
A música, porém, quando de excelência, preenche o ser
humano, trazendo-lhe um melhor entender-se, pois repousa na emoção. Ela é pura
harmonia e traz paz. É o caminho da luz.
Pode, também, nos fortalecer, nos energizar, restaurar,
motivar, impulsionar, reequilibrar, dependendo do seu estilo, do seu movimento
e também de suas letras, por que não? Quantas músicas fizeram parte da nossa
infância, da juventude, de momentos felizes, de expectativas, de instantes
tristes?
E os compositores, por certo, são os responsáveis pela
música que nos liga à nossa essência, que é movimento e vibração. O equilíbrio
entre ambos, alternando-se com o relaxar, o dormir e o acordar, chama-se viver.
Tudo com os andamentos variados de moderato, andante, allegro, allegretto,
allegro com brio, adágio e, quando possível, com muito scherzando: que é pura
alegria, graça, rapidez e leveza. E por aí vai...
Música é, portanto, vida. É ela que nos ajuda a nos tornarmos,
também nós, compositores de uma partitura rica em tons maiores, menores,
dissonantes, às vezes, mas, também harmônicos, no mais das vezes, que é a nossa
jornada.
Segundo John M. Ortiz, compositor, multi-instrumentista e
psicólogo:
“Só pela música conseguimos
ouvir o passado, desfrutar o presente e compor o futuro”.
E mais adiante:
“Quando uma peça
musical é composta, reflete o mundo do compositor – seus pensamentos, emoções
ou estado psicológico – naquele momento. Transpostos para a música, esses sentimentos
– a tradução de uma emoção que, de outra forma, seria fugaz – vivem na
composição. Mais tarde, por meio da música, não apenas conseguimos ouvir, mas,
às vezes em determinados níveis, sentir as emoções sendo processadas pelo
compositor sob nossa própria ótica. Captada pela imaginação e introduzida em
nosso mundo auditivo, a música fica capturada como um gênio na garrafa. Quando
é solta, torna-se ora nossa escrava, ora nossa soberana.” (excerto extraído
do livro O Tao da Música)
Portanto, abra a garrafa e solte-a para ouvi-la. Escolha qualquer
uma das QUATRO ESTAÇÕES, a que mais preferir.
Escolhemos a “PRIMAVERA” de Vivaldi (10’20’’), para fazer
par com a outra, porque é essa estação, conforme se vê da letra do samba, a
mais reverenciada, pelo que se observa no refrão.
Boa audição!
Parabéns a todos os compositores!
E para os que quiserem ouvir as demais estações do ano, na
criação de Vivaldi, deixem o vídeo rolar, pois ele dura 42 minutos.
Four Seasons – Vivaldi
Cântico à Natureza (As Quatro Estações)