sexta-feira, 28 de junho de 2013

BEM MAIS QUE 0,20 CENTAVOS!














O olhar desolado, por vezes aflito, suplicante na maior parte do tempo. Poucos chegarão de forma diversa dessa. Poucos conseguirão manter-se dignamente após tantos anos de trabalho e contribuição aos órgãos competentes. Expliquemos melhor para entender a imagem.

Esse é o caso de Dona Mariazinha. Pessoa que trabalhou por anos a fio, perfazendo regularmente o tempo para a aposentadoria. Seus últimos vinte anos de trabalho passaram-se junto a um conhecido laboratório de análises clínicas dessa Capital. Era excelente datilógrafa, cumpria suas atribuições com assiduidade e responsabilidade, sendo elogiada pelos chefes.

Essa senhora, hoje com 83 anos de idade, contribuiu, regularmente, durante todo o tempo de trabalho exigido por lei para se aposentar sobre o valor de quatro (04) salários-mínimos. Aposentou-se, efetivamente, ganhando quatro (04) salários-mínimos. À época, era um valor razoável. Aliás, como hoje também o é. Sendo ela solteira e sem filhos, o que percebia satisfazia suas necessidades, considerando que não pagava aluguel, pois vivia na casa de um irmão.

Acontece que Dona Mariazinha foi envelhecendo. Seu irmão, que lhe auxiliava, veio a falecer antes dela. E ela, após algum tempo, percebeu que sua aposentadoria definhava a cada ano. E a diferença aumentava entre o que iniciara ganhando e aquilo que, agora, vinha percebendo mês a mês.

E a sua estupefação chegou ao clímax quando verificou que um dia, de não sei que ano, porque coisas desse tipo é preciso esquecer para não desabar, ela recebeu, no final de um mês, a quantia de um (1) salário-mínimo.

Já com a saúde abalada, com dificuldades para caminhar e alimentar-se, não mais tendo o irmão para socorrê-la, uma sobrinha resolveu assumir a posição de seu tio, irmão de Dona Mariazinha.

E essa contribuinte do INSS passou a viver em clínicas. Sua aposentadoria, de um (1) salário mínimo, não é suficiente para a compra dos remédios e das fraldas de que faz uso. A tal sobrinha de Dona Mariazinha paga a clínica e uma cunhada cobre o valor que excede do salário-mínimo para as referidas compras.

Agora, o dramático é que Dona Mariazinha se hoje ganhasse os quatro (04) salários-mínimos para os quais contribuiu e que efetivamente iniciou ganhando, teria tido condições de pagar SOZINHA a clínica onde se encontrava até a poucos dias atrás. Restaria aos parentes apenas uma contribuição para o complemento necessário de suas despesas.

Calculando:

Preço da clínica onde se encontrava: R$ 2.450,00

Valor da aposentadoria, mantidos os (04) salários-mínimos: R$ 2.712,00

CONCLUSÃO: Sobrariam R$ 262,00 para ainda colaborar na contribuição dos demais parentes, que aportariam o que faltasse para suprir as necessidades.



Seu olhar aflito, por ter nova mudança de clínica, é perfeitamente compreensível e desesperador. Há tantas outras pessoas em condições semelhantes, de verdadeira miserabilidade. Com essa aposentadoria de (01) salário-mínimo não precisaria ter ela contribuído sobre (04) salários, durante tantos anos. O mais sensato, correto e justo, no seu caso, teria sido ter contribuído apenas sobre o mínimo, pois é o que lhe sobrou hoje. Ou, se estivesse na informalidade, bastaria ter aguardado a idade prevista de 65 anos, comprovada a impossibilidade de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme prevê o art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e requerido esse tal salário-mínimo.

O fato é que as modificações que estão a acontecer em nada tem melhorado a discrepância entre a contribuição paga durante a vida laboral e a contraprestação do Estado no gerenciamento de tais recursos e na destinação correta e atualizada de valores descontados, ao longo do tempo, de milhões de aposentados.

Após anos, constata-se o logro em que caíram milhões de aposentados.

Ocorreu, de verdade, uma expropriação de seus haveres.

Isso é uma vergonha nacional.


O poeta Luiz Coronel, patrono da Feira do Livro de 2012, sintetiza, através do poema SALÁRIO MÍNIMO, extraído do livro Um Querubim de Pantufas, exatamente como abaixo transcrito, as agruras de quem dele vive.

Diante dessa triste constatação, deveriam todos os aposentados, espoliados que foram, levantar cartazes onde se leriam os valores a que têm direito, levando-se em conta suas aposentadorias no exato momento de sua obtenção.

No caso de Dona Mariazinha, o seu cartaz estamparia a quantia de R$ 2.034,00, que é o que lhe tiraram ao longo do tempo. Para ela que, hoje, ganharia quatro (04) salários-mínimos, faltam-lhe exatamente R$ 2.034,00.


Para Dona Mariazinha a briga é por

                                                                                                BEM MAIS QUE 0,20 CENTAVOS!









Vanera do Aposentado – Os 3 Xirus

 
Pobre Aposentado – Bezerra da Silva  
 
 

Mêlo dos Aposentados
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

quinta-feira, 20 de junho de 2013

UTOPIA OU NECESSIDADE?


Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique, quando de sua participação no Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, em 2005, exaltou os ideais de Don Quixote, utópicos, embora não desprovidos de possível concretização. E só isso já valeria a luta.

Na oportunidade, houve quem discordasse veementemente do discurso da utopia como impulsionadora de transformação de um mundo tão desigual.

José Saramago, mais precisamente, foi quem fez críticas a essa visão puramente idealista a ser alcançada. Algo que é latente no pensamento de muitos, mas que não resolve as grandes questões. Trouxe, à época, como única solução para os problemas que a sociedade enfrenta: a existência da necessidade. É a necessidade que nos impulsiona, através do trabalho e dedicação, a transformar as bases de uma sociedade.

Eu diria que, antes, devemos ter uma conscientização fundamentada em uma Educação de conteúdo crítico e não meramente próxima da cartilha apenas alfabetizadora.

Já Eduardo Galeano, escritor uruguaio, por demais conhecido nosso, presente ao evento, afirmou que “a utopia serve para caminhar”, definição essa expressa por Fernando Birri, diretor de cinema argentino, seu amigo, e adotada por ele, conforme relata em vídeo abaixo transcrito.

Acredito que ambas as expressões, utopia e necessidade, e seus significados caminham juntos.

A necessidade funcionará como gatilho para a tomada de atitudes. Se preponderar a inércia, que por si só é uma tomada de atitude, ausente estará a utopia. Aqui, encontra-se a diferença: a utopia estará presente para aquele que decide agir. A esperança de possibilidade de mudança é que caracteriza a utopia. É ela que impulsiona o caminhar. O que ocorrer, a partir desse movimento, será ditado pelas condições e circunstâncias do meio, sinalizando os possíveis passos seguintes.

Aliás, o termo utopia foi usado por Thomas More, em seu livro homônimo, escrito em latim (1515-1516), traduzido para o inglês em 1551, onde idealiza um país imaginário, no qual o povo é subordinado a um governo justo e igualitário, desfrutando de uma vida feliz e equilibrada. Uma concepção imaginária de um governo ideal que acolheria a todos, independentemente de crenças. E olhem que interessante! Excetuava os que negassem a existência de Deus e a imortalidade da alma, pois estes, segundo More, não seriam dignos de viver em um Estado perfeito.

Coitados dos ateus! Estavam ferrados naquele país imaginário.

A palavra utopia, de origem grega, é composta a partir de duas palavras: eutopia, ou seja, “lugar bom”, e outopia, que significa “em lugar nenhum”. É, portanto, um lugar imaginário, que não se sabe bem aonde é, mas acredita-se que lá seja um lugar bom, provavelmente, melhor do que aqui.

Que bom que ainda haja pessoas a acreditar que se pode mudar alguma coisa. Tanto em nossa pequena aldeia, quanto em outras tantas mundo afora.

Quantos milhões de carentes andam a arrastar-se pelo lixo!

Quantos milhões a protestar por direitos e garantias a eles sonegados!

Quantos milhões a protestar pela sanha arrecadatória de seus poucos haveres!

Quantos milhões a assistir, ao longo do tempo, a apropriação indébita de suas parcas aposentadorias!


As necessidades estão aí presentes. A indignação, também.

Segundo Saramago, “o que transforma o mundo não é a utopia, mas a necessidade”.

Isso é verdadeiro, em parte. Mas o que impulsiona a necessidade é a esperança de mudança que repousa na utopia e que serve exatamente para isso: para que haja movimento, para que se perpetue esse caminhar, pois sempre haverá o que buscar.

Segundo Edgar Morin, sociólogo e filósofo francês, a vida só é suportável se nela for introduzida não apenas a utopia, mas a poesia, ou seja, a intensidade, a festa, a alegria, a comunhão, a felicidade e o amor. Há o êxtase histórico, que é um êxtase amoroso coletivo.


Acredito que estamos iniciando uma jornada.

Com certeza, Necessidade e Utopia caminham juntas: se complementam.

 
 
Eduardo Galeano – El Derecho Al Delirio 
 
 
Gil, utópico - Breve entrevista
 
 
 
 
 
 
Manuel Bandeira – o Poeta e a Utopia
 
 
Novo Tempo – Ivan Lins

 


quarta-feira, 12 de junho de 2013


DIÁRIO DE UM POETA


O que é um diário?

Marina Colasanti, em seu livro Uma Nova Mulher, indaga se um diário seria um amigo ou uma companhia. Também é isso. E acrescenta a autora:

“Mas é, sobretudo, uma duplicação da gente mesma, espelho que não se apaga quando o rosto se retrai ou muda, álbum de retratos que conserva muito mais que um belo sorriso e a paisagem ao fundo”. E ela prossegue descrevendo os benefícios de um diário.

“A verdade é que um diário não pode ser lido por ninguém, a não ser pelo autor. E só será válido se escrito despreocupadamente, as coisas ditas às claras, sem metáforas ou jogos verbais criados para encobrir verdades a olhos curiosos.”


Agora, para José Saramago, em Cadernos de Lanzarote, a definição para diário é a que segue:

“Por muito que se diga, um diário não é um confessionário, um diário não passa de um modo incipiente de fazer ficção. Talvez pudesse chegar mesmo a ser um romance se a função da sua única personagem não fosse a de encobrir a pessoa do autor, servir-lhe de disfarce, de parapeito. Tanto no que declara como no que reserva, só aparentemente é que ela coincide com ele. De um diário se pode dizer que a parte protege o todo, o simples oculta o complexo. O rosto mostrado pergunta dissimuladamente: Sabeis quem sou?, e não só não espera resposta, como não está a pensar em dá-la.”

Para um poeta a definição acima é bastante adequada. É o que se depreende da leitura do poema/letra, de autoria de Chico Buarque de Holanda, Querido Diário, uma das músicas de seu mais novo CD.

Após ler inúmeras interpretações acerca da letra, desde aquelas que, ainda, vislumbram um viés político, àquelas outras que depreciam o poeta/compositor, colocando-o ao rés da mediocridade e sob o peso da decrepitude, filio-me àqueles outros que o enxergam como alguém que ainda acrescenta qualidade às letras da nossa música popular brasileira.

E por que esse alvoroço?

Porque o autor da letra usou, no décimo segundo verso, a expressão:

-“Amar uma mulher sem orifício”.

Valendo-me do conceito de Saramago, o tal diário do Chico, com seus versos metafóricos, aparentemente simples em seu conteúdo, ocultaria o complexo, protegeria o todo através das verdades ditas a conta-gotas. E a ele, autor, não interessaria se estão a entender ou não. O que quer é jorrar verdades que, com certeza, espelham nossas próprias dificuldades. Principalmente, quando a idade chega inexoravelmente, mostrando a cara sem enfeites. Porém, para um poeta isso ainda será mote para muita poesia. E é o que fez Chico, como sempre, de forma magistral, possibilitando interpretações diversas. E é isso que universaliza o texto, que o torna por demais humano, pois se amolda a qualquer um de nós.

À semelhança de uma quadra, construída em 5 estrofes de 4 versos cada, com rima alternada, vai sobrepondo imagens de uma realidade que se apresenta a cada dia (observe a expressão “Hoje”, usada repetidamente), exigindo-lhe uma reflexão diária , o que em nada o desmotiva ou arrefece o seu ímpeto de luta, quando afirma, quase num tom desafiador: “Mas eu não quebro”.

Constata, inicialmente, que seus conhecidos expressam um sentimento de pena, quando o encontram, por percebê-lo vivendo em solidão.

Arrastado pela cidade afora, vai, como todos, de roldão. Na volta para casa, porém, recolhe um cão de rua. Dar-lhe-á afeto? Receberá afeto? Não sabe, ainda. Logo depois, constata que esse ser lhe arranca um pedaço, de quando em quando. É! O amor é um sentimento que dá e exige. Talvez o olhar desse cão reforce mais ainda a constatação da solidão que o cerca. Com humanos, porém, o convívio é bem mais trabalhoso.

Busca, na caminhada, algo que lhe inspire ao sacrifício. Ter, quem sabe, uma religião a professar, com todos os seus símbolos, mártires e santos protetores. Quem sabe amar uma mulher sem orifício? Uma santa?

Não, acho que não é por aí. O autor também não acredita que esse seja o caminho.

Tanto que, de repente, afinal, conhece o amor. Constata, porém, que esse tal amor é difícil de entender. É, na verdade, uma obscura trama, como diz.

Chico, que dizem ser um grande conhecedor do universo feminino, em entrevista, transcrita abaixo, diz ser um desconhecedor do sexo dito frágil. Acredito nessa assertiva.

Ele não consegue entender, porque sem nunca bater nela (mulher) nem com uma flor, se ela vier a chorar, seu desejo, sua libido aflorará. Essa tal libido acordará, quando ele, ao vê-la chorar, pensar em protegê-la. Serão necessários gatilhos mais contundentes, de ora em diante, para tal despertar?

De qualquer maneira, quando o inimigo (?) (libido- porrete- símbolo fálico) vier espreitar, armando tocaia “pra mó de lhe quebrar”, vai avisando que não se quebra fácil, no máximo irá vergar-se. Porque é macio, viu? Não se desespera o poeta frente à incapacidade momentânea.

Pois o poeta, esse homem frente à solidão e às inúmeras carências que vão se somando à idade, busca alento, refúgio, companhia na figura de um cão que o afague com o olhar, de uma religião que o ampare ou de uma mulher sem orifício que, quem sabe, seja a solução.



Porém, encontra, ao final, aquela que o transforma. Aquela que lhe inflama o desejo.

Mas, digo eu, muito provavelmente, terá essa nova parceira que acompanhá-lo nas suas incertas e imprevisíveis investidas. Isso, se tiver orifício. Caso não tenha, até que seria uma solução. Depois de certo tempo de vida, o que interessa mesmo, para ambos, é o companheirismo, a amizade, a cumplicidade, o carinho, o zelo.

Talvez, finalmente, Chico passe a entender as mulheres.

Pois é, dentre tantas interpretações, essa é apenas mais uma.

VIU?

 
 

Ah! Ia esquecendo:

Para aqueles que criticaram o autor pela pobreza da rima sacrifício/orifício, acredito ser absolutamente ajustada. Tenho para mim que esse casal de Adão e Eva vai ter que encontrar outro “approach”, porque esse já se esgotou. Depois de certo tempo na estrada, alguns prazeres passam a ser um problema, quase um sacrifício.

 
 
 
 
 
Bastidores da gravação da música Querido Diário - Chico Buarque 
 
 
 Chico Buarque e a Internet – Velho e Bêbado
 
 
 
Chico Buarque – o desconhecedor de mulheres 
 
 
 
 
 
 
 
 

sexta-feira, 7 de junho de 2013


APESAR DE TUDO


Rolam notícias de todos os cantos do mundo e por todos os meios de veiculação possível. É quase um tsunami diário. E a maioria, invariavelmente, de conteúdo negativo, que em nada estimulam ou favorecem o nosso viver diário. São os homens destruindo a natureza, como um todo, entredevorando-se, socialmente falando, matando, esfolando, estuprando, ludibriando, corrompendo, disseminando venenos por todos os lados (alimentação, sementes, drogas lícitas e ilícitas, poluição em todos os níveis).

Acordar-se, pela manhã, e acreditar que, apesar de tudo, vale a pena encarar mais um dia, é fundamental para um viver equilibrado e satisfatório.

Se os conglomerados financeiros dominantes fizerem as Bolsas caírem ou subirem, nada disso modifica a vida do Francisco, vigia que cuida do supermercado. Parece que se a economia estiver indo bem, segundo os maiores interessados na sua divulgação, os governantes, Francisco sofrerá os impactos positivos dessa aparente estabilidade. Isso é pura falácia. A verdade é que pouco do que ele percebe ao seu redor tem modificado para melhor. Suas necessidades básicas continuam carentes de atendimento satisfatório.

Então, todas as suas carências, somadas a avalanche de notícias negativas, vindas de todos os lados, acarreta-lhe a necessidade de um esforço redobrado a cada manhã. Levantar-se e, apesar de tudo, continuar com a esperança de que as coisas vão melhorar. Jogar para o futuro o que, por ora, está difícil de vislumbrar.

Acredito que, nesse instante, as combinações genéticas presentes no DNA é que falarão mais alto. Que bom se todas elas tendessem ao bem, ao correto e que estivessem a serviço da força interior, que deve animar o nosso corpo, bem como da luz que, igualmente, deve nos iluminar durante essa jornada.

Pois é desse tipo de DNA que iremos falar.

José Luiz Camboim Moni, que vive embaixo de um viaduto da BR116, em Esteio, é um fruto que, ao que parece, deu certo. Demonstra garra ao apegar-se àquilo que encontra ao seu dispor, a saber: conseguir estar entre os primeiros alunos de sua classe, com excelentes notas, cursando a 8ª série da Escola Estadual de Ensino Fundamental Ezequiel Nunes Filho, em Esteio. A mãe presente, nas mesmas circunstâncias de vida, é importante para o seu desenvolvimento. As condições em que vivem são bastante ruins: sob um viaduto, num constante barulho de um trânsito pesado e sob uma poluição, também constante. A reportagem, transcrita abaixo, revela detalhes da situação em que se encontram.

A partir da reportagem publicada em Zero Hora, na data de 05 de junho, a TVCOM levou ao ar uma entrevista, que pode ser acessada abaixo, com a jornalista Kamila Almeida e o fotógrafo Tadeu Vilani, autores da matéria.

Presente ao encontro, o ex-menino de rua Jorge Luis Martins, que viveu, conforme relato próprio, em situação de constante risco, absolutamente sozinho em nossa Capital, desde os 10 anos de idade.

Os pais de Jorge já não existiam mais há algum tempo e a avó que lhe dava apoio, acabou também por falecer, quando ele tinha apenas 10 anos de idade. É, também, um relato comovente e que a todos deveria motivar para que se tentasse encontrar soluções para tão graves situações existentes ao nosso redor.

Em uma ou outra situação, observa-se a presença de um familiar que é, no caso de José, ou foi, no caso de Jorge, figura importante na transmissão de valores. No caso de Jorge, a promessa à avó, em seu leito amparado por quatro tijolos, segundo suas próprias palavras, de que seria um homem de bem e alguém na vida, a partir de três valores: respeito, vergonha e trabalho. Diz, ainda, que agradece a Deus por ter chegado aonde chegou, mantendo a saúde mental.

Agora, é inquestionável que uma força maior, uma força interior, que extrapola todo e qualquer auxílio externo, acompanha a caminhada de alguns desses guerreiros do asfalto.

Isso, por outro lado, não nos desobriga como cidadãos a exigir a implantação de políticas que deem apoio a essas verdadeiras cruzadas “solitárias” em busca de sobrevivência digna.

No caso de Jorge, hoje adulto, escritor, corretor de imóveis, ator, possuindo uma locadora de veículos, ainda estudando, sua luta está registrada em livros, o que o credencia a dar palestras em escolas, levando a sua história a quem dela precisa como estímulo a vencer as dificuldades que, com certeza, são infinitamente menores do que foram as do palestrante.

Com José, acontecerá o mesmo. Num futuro, servirá de exemplo a outros tantos menores que vivem nessas condições precárias, por absoluta inércia de uma sociedade tíbia em exigir que o Estado concretize ações efetivas no encaminhamento, pelo menos, daqueles em que a luz interior ainda brilha intensamente, apesar de tudo. Aliás, José já é um vitorioso e um exemplo a tantos outros que, embora em condições privilegiadas, não se esforçam como ele, que recebeu diploma de melhor aluno do ano de 2012.


Parabéns ao José!

Fica o aplauso às pessoas que se sensibilizaram com o caso presente. Isso, porém, ainda é muito pouco. Restam muitos outros que já se encontram em completa escuridão.

Parabéns aos autores da matéria jornalística.

 

OLHARES QUE BUSCAM SÃO OLHARES QUE ENXERGAM.

POR ISSO, ENCONTRAM.


E isso faz toda a diferença.





 Menor Abandonado - Zeca Pagodinho
 
 
 

quarta-feira, 29 de maio de 2013


DE BOSQUES, PALMEIRAS, SABIÁS E... COQUINHOS

 
O som lembra o de aviões prontos para decolar. Um grid de largada para ninguém botar defeito: ali presentes os melhores. E a cidade a recepcioná-los. Um vasto lago como cenário, vias bloqueadas e um circuito, há tempo imaginado, para celebrar a festa da velocidade. Que cidade moderna! Tudo muito cul (cool) e, especialmente, clin (clean).

Agora, na verdade, faltam poucos detalhes. Aqueles entraves que perturbavam já foram, finalmente, removidos. Com isso até o lago saiu ganhando. A seiva, qual lágrima, que escorreu daquelas espécies em extinção junto ao lago, talvez tenha ajudado a encher, um pouco mais, o nosso reservatório. O que não se sabe é se a seiva, na escuridão da noite, escorreu para o lado certo, isto é, em direção ao lago. Alguma coisa, provavelmente, tenha se perdido. Quem sabe, encontrou pelo caminho algum gramado que a acolheu, benfazejo.

As espécies em extinção extinguiram-se novamente, uma vez mais. Com elas, também os gorjeios.

Mas o que isso importa? Temos os roncos dos motores, o início e a chegada, triunfante, das máquinas mais velozes. E elas, ao que se tem notícia, não tardarão a aparecer quando a Fórmula Indy aportar por aqui. Protocolo de Intenções já foi assinado em 2011, inclusive com um traçado planejado para a corrida, já esboçado.

Com o quê e para que nos preocuparmos, então.

Afinal, temos que dar um apigreide (upgrade) no nosso dia a dia. Tudo anda muito monótono: uma mesmice.

Por que manter uma paisagem que descansa o olhar? Para que uma sombra acolhedora, se posso espichar a cabeça para fora do carro e receber um “ventinho” no rosto que é puro gás nocivo.

Aliás, querem coisa mais antiquada do que bosques, palmeiras, flores, sabiás e ninhos?

Ah! Eu ia me esquecendo. Estamos vivendo em cidades. Nada disso é necessário. No máximo, uma pracinha com brinquedos e uma ou outra árvore para adorno. Porque para quem quer mesmo refrescar-se, vá ao xopin (shopping) mais próximo. Lá tem de tudo, até sombra de mentirinha. Algumas parecem ser verdadeiras. Devem ser transgênicas, coitadas. Quero dizer, coitados somos nós!

Gonçalves Dias, em sua Canção do Exílio, despeja poesia de louvor à pátria. Tão famosos tornaram-se seus versos que, dois deles, foram copiados e introduzidos, por Osório Duque Estrada, em 1909, autor da letra do Hino Nacional Brasileiro, como parte do hino, aparecendo entre aspas:

 
 
“Nossos bosques têm mais vida”,

“Nossa vida” no teu seio “mais amores”.

 
Verseja também o poeta sobre as palmeiras onde cantam os sabiás. Esse seu poema, transcrito abaixo, tornou-se um dos mais citados na literatura brasileira, bem como na nossa música popular brasileira.

Na literatura, vários poetas versejaram, sob o mesmo título, enaltecendo as belezas naturais do país, em especial, as palmeiras e os sabiás.

Gilberto Gil, ainda nos tempos da Tropicália, grava composição sua em parceria com Torquato Neto, onde faz referência à Canção do Exílio. Diz ele:

“Minha terra tem palmeiras/ onde sopra o vento forte da fome/ do medo e muito principalmente da morte”.

E não poderíamos deixar de lembrar a conhecida canção Sabiá, de Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque, que diz:

“Vou voltar/ sei que ainda vou voltar/ para o meu lugar/ foi lá e ainda é lá/ que eu hei de ouvir uma sabiá”. E mais adiante:

“Vou voltar/ sei que ainda vou voltar/ vou deitar à sombra de uma palmeira/ que já não há/ colher a flor/ que já não dá/ e algum amor talvez possa espantar/ as noites que eu não queira/ e anunciar o dia”.


Canção essa em que o sabiá e a palmeira identificam a saudade que acometeu, à época, os exilados políticos.

 
 
 
Tudo isso dito acima para deplorar a atitude de desprezo com que o nosso meio ambiente vem sendo tratado.

Ah! Ia esquecendo, novamente, que estamos vivendo na cidade e não no campo.

Mas há quem afirme, pelo menos assim circula a notícia, que seu sonho é um mundo sem árvores. Pode?

Pode! Disse também o ilustre Senador:

“Esses radicais querem que o país volte a ser uma floresta só e que vivamos pendurados em árvores, comendo coquinhos por aí, como Adão e Eva”.

Esse cidadão é o Presidente da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle do Senado Federal. E é, também, o maior produtor de soja do Brasil. Que tal?

Resta-nos apenas lamentar tão desastrada afirmação. Renato Russo, já na década de 80, do século passado, compôs o conhecido Que País é Esse?

Urge que se atualize tal letra, porque as coisas só pioraram.

Quanto a nossa cidade e ao nosso lago, há que se fique atento. Os níveis de poluição, pelo ar e água, aumentam a cada dia. De repente, nem água de boa qualidade mais teremos.

É isso, por ora.

 
 
Não falemos da extração de areia que ronda e se avizinha. Tudo caminhando a passos céleres. 



QUERERES ( I )

Ah! Sombra que te quero tanto!

Ao teu pé, preciso perder-me a olhar este pôr de sol tão nosso.

Vê-lo, não envolto em névoa que engole a todos.

Preciso mantê-lo vivo e claro como o olhar de criança.

Preciso orná-lo com uma moldura de contornos verdejantes.

Tudo para contrastar com um lago, que ainda sonho, despoluído.

Nem precisa ser azul.

Basta ser pincelado com o verde das árvores que dele fazem espelho.

Soninha Athayde



 
 
 
 
 
 
 
 
Sabiá - Chico Buarque e Tom Jobim
 
 
  O Ano Passado - Roberto Carlos
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

terça-feira, 21 de maio de 2013


NOSSA LÍNGUA

 
Abramos espaço para o poeta derramar toda a sua verve, ornada pelo amor que dedica a ela, nossa Língua, nesse soneto:

 

Língua Portuguesa

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura;
Ouro nativo, que, na ganga impura,
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de algo clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

Olavo Bilac (1865-1918)

 
 
A grande paixão pelo efeito estético era visível. No caso de Bilac, observa-se a ênfase no burilar da Língua Portuguesa, de acordo com os padrões da época. Foi ele um dos expoentes da escola literária chamada Parnasianismo, que tinha raízes em Paris e que primava pelo gosto da descrição nítida, a mimese pela mimese, bem como as concepções tradicionais sobre metro, ritmo e rima. O seu poema Profissão de Fé é o juramento que faz de que morrerá “em prol do Estilo”, no ato da escolha e da vestimenta que dará à palavra. Estávamos no século XIX.

Já no século seguinte, haveria uma transformação radical.

Vamos viajar, num salto, direto para o Modernismo, embora tenhamos tido outras escolas intermediárias.

Na verdade, o que nos interessa, aproveitando para saudar o Dia da Língua Nacional, transcorrido no dia 21 de maio, é constatar como ela hoje se apresenta.

Pois, então, te aprochega, tchê. Vamos proseando, enquanto o mate passa de mão em mão.

E tu sabes, por acaso, de onde vem essa expressão Chê ou, como nós gaúchos a pronunciamos, com um som de t, Tchê?

Segundo estudos, não é de origem indígena. Seu berço encontra-se na Espanha, nas regiões levantinas, mais precisamente no idioma valenciano. Lá é que se usa esse vocativo Chê. A nossa proximidade com a América Espanhola trouxe para o Rio Grande do Sul o que já existia na Argentina, Uruguai e Bolívia. Aliás, pronunciamos a expressão “Chê” à maneira espanhola, isto é, Tchê.

E o te aprochega? De onde virá?

Pois diz a lenda, que o aprochegar teria originado o “approach”, termo inglês, que significa aproximar-se, chegar perto de.

Vejam! Quanta pretensão! Explica a lenda que, quando os estivadores de portos brasileiros avistavam algum navio estrangeiro se aproximando, referiam-se da seguinte maneira: o navio está aprochegando.

Nada disso!

No ano de 1958, quando o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, de Caldas Aulete, em cinco volumes com mais de 5000 páginas, em sua 4ª edição era lançado, o verbo aprochegar não aparecia dicionarizado. Seu uso, porém, já era conhecido entre os gaúchos. Hoje, encontra-se registrado no Novíssimo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 5ª edição, 2ª impressão de 2010. Também encontramos seu registro no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1ª edição de 2009, já com a nova ortografia.

Quanto ao nosso aprochegar, talvez, a lenda esteja correta. Nós mesmos acabamos criando um vocábulo para uso próprio. Daí a exportá-lo, só em lenda mesmo.

Há registros de que a palavra aprochegar é de origem quíchua, língua falada desde a época dos Incas. Estaria ameaçada de extinção porque apenas falada por descendentes indígenas, ainda existentes, nos territórios que abrangem terras do Equador, Colômbia, Peru, Chile e Bolívia.

Por outro lado, o registro dicionarizado da palavra “approach” explica que sua origem vem do francês “aprochier”, vindo do latim “apropiare”. Essa é a origem segundo o Webster’s New International Dictionary, second edition, de 1939, uma obra rara e valiosa para os estudiosos da Língua Inglesa e suas origens.

Essa explicação é, portanto, mais confiável. Não concordam?

 
 
Agora, vamos saltar no tempo. Chegamos ao hoje e à constatação da invasão de termos ingleses a que a nossa Língua está tomada. E isso não se deve apenas ao avanço tecnológico, com a chegada de termos que a Informática trouxe consigo. Exemplo disso é o verbo tuitar, já dicionarizado (última edição do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, ano 2010). De acordo com o Professor Cláudio Moreno, com quem concordo plenamente, o verbo, já que está agregado ao idioma, escreva-se como um verbo regular da 1ª conjugação. Então: Eu tuíto, tu tuítas, ele tuíta; nós tuitávamos, vós tuitáveis, e por aí...

Na verdade, o tamanho do problema é maior do que isso. Não são apenas alguns vocábulos incorporados. Quando a estrutura da língua é afetada, chegamos a um nível perigoso de comprometimento do idioma pátrio. Querem coisa mais sinuosa, mais tortuosa do que dizer:

Em que eu poderia estar lhe ajudando? Ao invés de:

Em que posso ajudá-lo?

Ou, ainda:

O senhor pode estar aguardando só um momento, enquanto eu estarei fazendo as suas solicitações?

É ruim, ehn?

Estamos cercados por americanismos. Vejam, por curiosidade, apenas alguns:

* background, backup, blush, bike, book, cheeseburger, coffee break, cool, delivery, diet, drive-thru (drive-through), e-book, ecobag, enter, fast-food, flex, free, freelancer, full time, gloss, happy hour, high tech, homepage, home theater, hot dog, insight, lan house, light, lunch, marketing, mix, mouse, night, off, office-boy, on-line, pet shop, pet stop, player, plus size, pub, sale, self-service, shampoo, shopping center, tablet, to delete, to check, to plug, to attach, trash, underground, underline, upgrade, etc. Esclareça-se que os vocábulos acima, com exceção de cool, plus size e underline, estão todos já constando do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, ano 2010.

Queridos leitores, como diz meu cronista predileto, Luis Fernando Verissimo, em crônica transcrita abaixo e reproduzida aqui a frase que a encerra:

“Só é triste acompanhar esta entrega – ou devo dizer “delivery”? – de identidade de um país com vergonha da própria língua”.

E eu acrescentaria que uma nação é composta por seu território, povo, governo independente e língua própria. Nada contra a evolução. Não poderíamos continuar a chamar a Língua Portuguesa de última flor do Lácio inculta e bela. Inculta, por ter-se originado do Latim Vulgar, menos importante do que o Latim Clássico: os séculos já apagaram essas diferenças. Bela, sempre foi e continua sendo. Agora, submissa, porosa, fragilizada por, em especial, americanismos: é uma constatação. Estamos nos tornando ridículos ao querermos parecer um pouco norte-americanos. Já somos um país continental, com uma língua falada em vários continentes e um povo, pelo menos, os cá debaixo, modelo para toda a Terra. E estamos conversados. Oigalê, tchê!

Claro que não cabem mais os vocábulos daquele poema inserido no início dessa crônica. Ninguém mais dirá:

“Que tens o trom e o silvo da procela,

E o arrolo da saudade e da ternura!”


Mas daí a conjugar um verbo, tipo tuitar, que, para piorar, há quem defenda a grafia twittar, conjugando-se, então, eu twitto, tu twittas... Ou será com acento? Eu twítto, tu twíttas... Que tal?

Então, para fechar essa avalanche de impropriedades com a nossa Língua, lá vai uma frase ouvida de um entrevistado, em conhecido programa noturno:

“A operação, que foi estartada, (ou, quem sabe, seria startada – do verbo to start (inglês), que significa iniciar) teve boa aceitação”.

E Viva a Nossa Língua Nacional!

Agora, para relaxar, vamos assistir ao vídeo que apresenta o Samba do Approach.

Aguentar essa invasão, só mesmo escutando Zeca Baleiro, cantando composição sua, acompanhado por Zeca Pagodinho.





Trecho da crônica " UM PLUS A MAIS" - Luis Fernando Verissimo 
ZH de 23.05.13


Samba do Approach - Zeca Baleiro 
 
 
Chiclete com Banana - Gilberto Gil e Marjorie Estiano







sexta-feira, 17 de maio de 2013


DE PORTAS E... DE ESCADAS

 

Um pátio abaixo do nível da rua. Lá, no fundo, uma casa cor-de-rosa: a casa de infância de Rosinha. Entre o muro da casa e a rua, mais ao alto, uma escada. Poucos degraus, mas respeitados pela menininha que, vez por outra, alçava-os. Não ultrapassando o quinto degrau. Era ordem da mãe: não ultrapassar além desse degrau. A cabeça espichada e o olhar alongado divisavam a rua e o lado contrário dela. E lá, para espanto de Rosinha, as escadas existentes eram todas de descida para a rua. Do outro lado, os terrenos ficavam um pouco acima da rua.

Isso despertava certa surpresa e fazia a imaginação correr solta. Como seria morar do outro lado da rua? Quando fosse sair pelo portão do muro da casa, teria que descer a escada e não subir, como do lado em que morava.

Uma escada para subir, que Rosinha só se aventurava até o quinto degrau. Do outro lado, uma escada para descer para a rua. Que gozado!

Um dia, desrespeitando todos os avisos, subiu até o último degrau, o décimo. Um grito, porém, fez com que descesse, às pressas, até o degrau permitido. E, de lá, divisou a vizinha da tal casa, descendo os degraus do seu portão, enquanto acenava para que a menininha não atravessasse a rua. Rosinha não ia fazer isso. A mãe não vira a cena.

Nos breves instantes em que no topo permaneceu, descobriu que escadas são feitas para subir e descer. No seu quarto ano de vida, descobriu que elas, as escadas, têm grande serventia. Com o tempo, com as pessoas e com as leituras descobriu, também, que elas nos elevam ou nos rebaixam, metaforicamente falando. Tudo depende dos valores com que somos forjados. E, muitas vezes, é preciso não transigir, para nos manter íntegros na postura moral. Escadas galgadas podem nos enobrecer ou nos aviltar. E, nesse último caso, a subida pode ser desastrosa.

Há, por fim, aquela outra escada, a última, que nos conduz ao reino dos céus. Mas lá, talvez, esbarremos numa porta.

Agora, o poeta Vinícius de Moraes, em seu poema A PORTA, musicado por Toquinho, diz estar ela sempre aberta. Aqui, embaixo, ela serviria para abrir e fechar. Lá, aberta que está sempre, seria um convite a que entrássemos.

Resta saber se subimos escadas, degrau por degrau, sem eliminar, sem “derrubar” companheiros que também estão a percorrer a mesma jornada.

Escadas e portas têm inúmeras serventias.

Por aqui, as primeiras nos auxiliam a galgar obstáculos até alcançarmos a última, a que nos conduzirá àquela porta: a que está sempre aberta, para que entremos.

Será mesmo assim?

Rosinha, depois de tanta leitura e análise, quer crer que assim seja.

Amém!
 

A Porta – Vinícius de Moraes
 
 
 
Quanta poesia expressa em palavras tão singelas, mas que fazem de uma porta um ser vivo. Porque para a poesia uma escada pode ligar dois mundos, assim como uma porta pode dar-se ao luxo de estar sempre aberta.

Não esqueçamos que POESIA não tem lado certo ou errado. Ela é todos os lados. Porque ela é a expressão do ser humano em toda a sua diversidade, complexidade e também singeleza e simplicidade. Ela serve para sensibilizar, para encantar, para humanizar. Em última análise, para causar prazer estético. E isso é que nos faz crescer.

Exige, por vezes, certo treino, mas vale a pena. A tudo o leitor deverá estar atento: desde as recorrências vocabulares, as aliterações, as assonâncias, como também o ritmo, a métrica ou o verso livre. Ao comum dos leitores, porém, nada disso importa. Se todo esse trabalho de juntar palavras de forma artística contiver, ao mesmo tempo, uma possibilidade singela de apreensão do significado e uma sonoridade rítmica agradável, o leitor dessa poesia estará cativo e o poeta terá conseguido o seu intento.

A POESIA é a escada que nos conduz a patamares mais elevados como seres pensantes. Sob diversas apresentações, a tudo e a todos abarca, devolvendo-nos o produto pronto para ser consumido sem moderação.









 Chico Buarque – Ode aos Ratos (Carioca ao Vivo)
(exemplo de aliteração pela consonância – repetição do som de uma consoante)