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quinta-feira, 30 de agosto de 2018

UMA PARCERIA PRODUTIVA



Ele é vivo. Ele é audível. Ele permite escutar as batidas de um coração. Ele conduz ainda ao processo criador e, também, ao sono profundo.

Ele dá tempo ao tempo que se escoa. Imerso nele, sua audição torna-se extremamente sensível a qualquer barulho, embora distante.

Assim como aquela menininha, que ouvia o bater das folhas secas no chão de terra endurecida, a menina Rosinha, hoje, bate o sapatinho sobre o piso frio, só pra ouvir o barulhinho que dali surge.

Da mesma maneira, depois das bases da construção e do edifício erguido, vem o silêncio para que seus ocupantes desfrutem, em harmonia, a ocupação desses espaços.

É o desfrute de um silêncio que exigiu muito barulho anterior. O produto, porém, foi contabilizado como positivo.

O barulho é condição para que o silêncio se instale logo após, seja reconhecido e produza algum efeito.

Assim como a menininha que conhecia já tantos barulhos diversos e que, no silêncio daquela tarde, reconheceu o som da folhinha seca batendo contra o chão. O som de um silêncio que guarda, até hoje, na memória.

De igual forma, depois de um recreio movimentado naquela escolinha, um silêncio habilmente administrado se instala e todos se irmanam num silêncio produtivo.

Para que as bases do silêncio sejam produtivas o barulho é polo motivador e propulsor.

Mal comparando, seria o conhecido “depois da tempestade vem a bonança”.

Após um dia estafante, em que o trabalho, as ações, os projetos foram levados adiante, o descanso, assim como o silêncio, assumem uma posição primordial.

O enfrentamento diário das ações pessoais culmina com o produto dessas ações e o consequente desfrute de um descanso cujo agente em evidência é o silêncio.

Mas e quando o barulho, a gritaria e as promessas regurgitam dos candidatos, nos palanques, à procura das “bases”, aquelas que constroem efetivamente uma nação?

Em regra, qual é o produto após esta tempestade de promessas?

Será a bonança? Não!

Será o silêncio? Sim!

Pois, meus caros, este silêncio é o resultado destas tempestades verbais. Este não é um silêncio produtivo. Este é o silêncio do descompromisso, do esquecimento, da desfaçatez, do descaso, do puro interesse eleitoreiro. Desse silêncio não precisamos.

O silêncio produtivo é aquele que apresenta resultados efetivos, favorecendo os momentos de bonança àqueles que labutam diuturnamente na construção de um país. A esses sobra, neste momento, o silêncio necessário para que reflitam e busquem candidatos que se afastem do silêncio do dia seguinte às eleições e promovam o barulho necessário para que a construção das promessas se torne realidade. Um grito que faça a diferença: é o que se precisa. Um grito que promova condições para que o silêncio produtivo seja possível. Um silêncio capaz de assegurar um sono tranquilo, pois o renascer do dia estará garantido pelo pleno emprego, segurança, saúde e educação.

Basta de tempestades verbais, finalizadas por silêncios vergonhosos.

Agora, o que surpreende é o silêncio “das bases”, sempre procuradas, aduladas por todos os tipos de promessas.

Diante deste silêncio, que é o pior de todos, poderemos assistir à construção de nossa pirâmide social ruir, pois suas “bases” são manipuladas. Haverá, então, o silêncio dos inocentes levados pela catástrofe nacional. Silêncio e barulho produtivos andam juntos. Construir e usufruir são irmãos que nunca deveriam afastar-se. Um após o outro: para sempre. Assim, constrói-se uma nação.












terça-feira, 15 de maio de 2018

MÃOS... MENTES...

Maria Helena assistia àquela cena diariamente. Sempre que passava pela frente daquele estabelecimento bancário, sentado no chão, junto à grade do banco, aquele jovem lá estava com a mão estendida pedindo “um troco”. Algo deprimente.

Maria Helena achava que poderia tentar dar um encaminhamento mais digno para aquele ser humano ali jogado na calçada.

Um dia, resolveu parar para conversar.

E a conversa assim transcorreu:

- Oi, tudo bem?

- Tudo.

- Eu tenho uma ideia e vou te dizer qual é.

- Ah?

- A gente podia arranjar um emprego pra ti.

- Eu não sei fazer nada; só sei mexer em latinha.

-Pois, é isto aí mesmo: uma fábrica de processamento de resíduos sólidos, de latas... Que tal?

 
E Maria Helena continuou descrevendo as possibilidades que ele teria. Com espanto, porém, viu quando o jovem olhou para ela e disse:

-Eu não quero trabalhar.

Maria Helena, inconformada, continuou a discorrer sobre os benefícios que isso traria para ele, quando, novamente, foi interrompida pela frase:

-Eu não quero mais ouvir.

Diante dessa afirmação, dita pausadamente, Maria Helena foi-se rua afora, cabisbaixa.

Atualmente, passados uns dois anos, continua a encontrá-lo naquele lugar, tão seu conhecido, bem como em outros do bairro. Por vezes, está estirado na calçada a dormir. Quando acordado, senta-se junto aos muros.

E as suas MÃOS?

O que fazem?

Estendidas: pedem.

Recolhidas em concha: cheiram. Às vezes, fumam.



Giuseppe Artidoro Ghiaroni, poeta, radialista e jornalista carioca, escreveu o MONÓLOGO DAS MÃOS. Nele, o autor aponta inúmeras funções que nossas mãos exercem ao longo da vida.

Na realidade, depende de nós o bom ou o mau uso delas.

No caso do jovem adulto, elas são usadas para pedir, para drogar-se e não trabalhar.


Bem diferente do exemplo trazido em matéria publicada na data de 10 de maio, no jornal Zero Hora, página 22. Temos ali um exemplo de alguém que foi catador de latinhas, mas que virou empresário. Geraldo Rufino, 56 anos, foi palestrante na Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul). Expôs sua experiência de vida à plateia. Suas MÃOS, sem dúvida, foram usadas de forma inteligente. Carregava tudo o que poderia servir a si e aos outros. “O lixão, disse ele, foi um lugar “maravilhoso”. Lá, encontrava roupas, sapatos e brinquedos, além das latinhas. Eram 12 horas por dia recolhendo material que vendia para a reciclagem”.

Este é apenas um trecho do seu relato. A matéria completa pode ser vista ao final desta crônica.

E as MÃOS de Rufino?

Foram usadas para procurar, selecionar, carregar, dividir: para trabalhar.

E, assim, foi conduzindo a sua necessidade, atingindo momentos futuros que, com sua persistência e criatividade, lhe retribuíram com o sucesso de ser, hoje, um empresário. A sua frase “As pessoas agradecem muito pouco, lamentam muito e terceirizam a culpa”, revela a sua postura de um ser humano que atingiu o que buscava alcançar. Sermos construtivos, criativos, como digo eu, e responsáveis, como afirmou ele, pela própria vida, deveria ser um objetivo comum a todos.

Ah! Imaginem só!

Está feliz com o país que tem.


Não abordou a violência que grassa pelo país. Não era este o propósito de sua palestra.

Ao que parece transita, com otimismo, pela cidade em que se estabeleceu.

Cabe aos governantes resolverem o problema da violência.

E as MÃOS destes? Como estarão? Prometendo, desviando, destruindo, abandonando, iludindo, subtraindo, evadindo, entregando... (?)

Partamos para o construir, o encorajar, o trabalhar, o escrever, o reivindicar, o calcular, o exaltar, o aplaudir, o confessar, o exigir, o recusar, o condenar ou absolver, o reconciliar: verbos que constam do Primeiro Parágrafo do MONÓLOGO DAS MÃOS.

Tudo dependendo da necessidade do momento, em que se está vivendo, e dos atores envolvidos nesta nossa sociedade.

Para Rufino o Brasil é fantástico.

Concordo com ele.

Tudo depende de nós.


Agora, será que todos aqueles que estão se “dando bem”, também, não terão eles as MÃOS poluídas por algum desvio?

Maria Helena sempre se questiona. Com leis tão confusas, feitas com lacunas imensas, com meandros que exigem incursões malabarísticas, com exegeses (palavra bonita!) ou interpretações variadas: o que esperar?
MENTES esclarecidas são indispensáveis na avaliação do que nos cerca. Que elas se multipliquem e, insubmissas, não se conformem com a situação vigente.

Estarmos de prontidão para tanto é a missão que a nós todos cabe levar adiante.

Maria Helena permanece com o otimismo e o empreendedorismo de Geraldo Rufino: um exemplo a todos quantos desistem no meio da caminhada. Ou, como o jovem adulto sentado na calçada, nem ao menos tentam.






Fonte: Jornal Zero Hora de 10 de maio de 2018.





 


domingo, 8 de março de 2015

ATÉ QUANDO?











A cena que segue existiu e é recente. Acabou virando um conto. 

VIAGEM SEM VOLTA é um alerta àquelas mulheres que buscam o convívio como prazer em encontros fortuitos com outras mulheres em igual situação existencial, de pura carência afetiva. É tão absurda esta constatação que parece ficção. A luta pela própria identidade é ainda anterior ao alcance de níveis educacionais satisfatórios, às oportunidades de trabalho em postos de direção, bem como à igualdade de remuneração salarial com os trabalhadores homens.

A cena abaixo descrita é a realidade transformada em ficção. Aliás, a ficção tem um pé, às vezes dois, na realidade que nos cerca.

Então, vamos lá!



Chegam devagar. O banco, vazio, os recebe. Lado a lado, acomodam-se. Não se falam. Ele, olhar perdido, é um estranho ao lado da companheira. Nada parece interessar. Ela, vez por outra, fala algo.

Que pena! Não dá pra ouvir. Do banco ao lado, Helena observa o casal. Têm aproximadamente a mesma idade. São diferentes, porém. No olhar feminino há mais luz, mais brilho, mais vida. Acompanha com visível interesse o entorno. O rapaz que panfleta alcança um pedaço de papel colorido com alguma propaganda. Ela, habilidosa, de imediato vai construindo um barquinho. Um barquinho de papel, aprendido na infância. Timidamente, mostra ao companheiro. Ele olha com olhos de absoluta indiferença. Ela, por sua vez, fala palavras que se perdem por entre as árvores da praça onde se encontram. 

Que lástima não poder ouvir! Helena fica a conjecturar sobre pensamentos e sentimentos transbordantes daquela cena. Com certeza, haverá tantas coisas pra falar. Tanta vida! Helena navega mais além e imagina que aquela senhora acostumou-se a sentir prazer em doses esporádicas. Lembra-se de si própria quando regava as plantas, que se espalhavam pelo apartamento, encontrando nisso única fonte de prazer: o prazer do encontro com o outro. Não importando que o outro fosse uma planta ou, como agora, um barquinho de papel. 

Com esses pensamentos, Helena vê aproximar-se outro casal de idades aproximadas.

A mulher adianta-se e vem cumprimentar a conhecida: aquela do barquinho. O homem, por seu turno, mantém-se à distância. Depois, muito lentamente, aproxima-se. As mulheres, a esta altura, já conversam animadamente. Parecendo sentir-se obrigado, o recém-chegado cumprimenta com a cabeça e troca umas poucas palavras com o cidadão: aquele do olhar perdido.



Helena observa o entusiasmo com que as duas mulheres conversam. Parecem sugar uma da outra toda a seiva de que ainda dispõem. Parecem alimentar-se de “pura vida”. É comovente observar-se esse esforço mútuo.



Porém, aproxima-se o companheiro da “loquaz visitante” e sinaliza o fim do encontro: com um olhar e um toque no braço.

Visivelmente contrariada, a mulher encerra a conversa. Lança, ainda, um muxoxo para a amiga, que sorri. Que vontade de “quero mais”!

Ele, afastando-se, encara a mulher que, prontamente, despede-se e o acompanha. E lá se vão... Lado a lado, mudos.

No banco da praça, o barquinho, nas já enrugadas mãos, permanece. Com carinho, a senhora completa a última dobra.

Em frente, no laguinho, outro barquinho navega: daqui pra lá, de lá pra cá. Vai e volta...

Que pena! Esse não navega mais. Atracou no banco. Sucata virou.

Helena observa o casal que se levanta. Por sua vez, acredita que ainda haja tempo e força para lançar o seu próprio barco e virar timoneira.

O sino da igreja próxima desperta Helena para o instante que se foi.

Do seu banco, ainda enxerga o barquinho de papel. Resta caído no chão, levado pelo vento.

Não há mais tempo. Eis o retrato de uma viagem sem volta.

Que pena! 



Que sejam cada vez mais raras, pelo menos em nosso meio, as cenas reveladoras da sujeição evidente que reconhecemos em tantas situações do nosso cotidiano, bem como os maus tratos e agressões costumeiramente noticiadas.

Lutemos para que o ser capaz de gerar seja um ser liberto, com identidade própria e com liberdade necessária para amar e ser amada.

Que o poema abaixo sirva de alerta para “essa coisa de marcar” que só ao gado é imposto.

Dia 8 de março: um dia de ALERTA.







Mujer Coraje – Ivan Lins 





quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

DÊ UM ZUM!











Você consegue perceber o que escorre pela calçada até o meio-fio? Aquela mistura fétida, da cor do azeviche, com restos de comida que forma um veio que se espraia pela calçada e que, finalmente, alcança o meio-fio daquela rua? Amanhã, quem sabe, o tal veio será visto em outra calçada, próxima desta de agora. Ou, na mesma.

Não desvie o olhar. Dê um zum!

Observe os detalhes da cena. Acompanhe de onde parte o veio.

Existe logo ali um pé, descalço, magro, que se confunde com o líquido espesso, escurecido, fétido. Ele é parte de um ser humano que sobre a calçada, junto à parede, jaz inerte sob o efeito de alguma droga.

É pena que o zum não tenha um tanto de magia e que pudesse recuar no tempo e fornecer alguma outra cena que, talvez, explicasse o motivo daquele ser estar ali jogado. E são tantos em tantos lugares, já por tanto tempo.

O DNA é o mesmo, mas os lugares de origem são diversos. E será este último dado relevante no processo que se desencadeou até atingir a cena da calçada?

Não, necessariamente. De comunidades que sobrevivem de restos, mesmo aí temos seres que ascendem. O meio é importante, a genética, também. Há algo, porém, que se instala quando da formação de alguns seres e que deposita sobre eles um perfil psicológico diferenciado. São marcas que se impõem, mais fortes do que o ambiente que os cercam, tornando-os mais aguerridos, mais batalhadores.

Seres oriundos de uma mesma família reagirão de forma diversa às vicissitudes que a vida vai impondo. Alguns membros marcados pela violência doméstica zarparão sem temor mundo afora, buscando melhores condições de vida. Outros quedarão sem rumo. Arrastarão, pelos dias que se sucederem, a desesperança, o medo, a rejeição que, muitas vezes, se autoimpuseram. Para estes caberá o olhar atento da comunidade e o apoio de instituições de Estado que buscarão encaminhar os que quedaram pelo caminho, atropelados pelos infortúnios de origem.

Uma comunidade carente necessita de apoio de órgãos criados para realizar este trabalho. O objetivo é evitar que mais indivíduos se arrastem por calçadas e viadutos, levando seus parcos pertences, disputados entre si.

Para os que já fizeram a rua de morada, faz-se necessário o recolhimento para Unidades de Recuperação, pois depois de certa involução na escala social, nada mais é possível fazer-se sozinho. A recuperação deverá ser feita dentro de instituição mantida com o dinheiro público, fruto dos NOSSOS IMPOSTOS, arrecadados e direcionados com HONESTIDADE por quem detém esta tarefa, visando ao BEM DE TODOS: ao BEM DA CIDADE, por ser ela uma célula única que a todos contém.

O objetivo maior deve ser evitar que mais criaturas se espalhem pelas calçadas, num ritmo cada vez mais veloz, direcionando todos os esforços para que elas se tornem úteis, capazes de sobreviverem de forma digna. O trabalho, em todas as esferas da sociedade, deve ser fomentado como único meio de preservar a autoestima, sendo o motor propulsor para uma socialização com ganhos para todos os moradores da cidade.

É utópico? Talvez!

Agora, está mais do que na hora de que algo aconteça nesta direção. É absolutamente necessário ter a esperança de mudança.

E é a própria utopia que dará origem ao movimento de constante caminhar na solução dos problemas.

Que haja força e boa vontade em nossa aldeia para que se consiga direcionar, por outros caminhos, milhares de carentes a arrastar-se pelo lixo.

Que uma conscientização crescente da comunidade proteste por direitos e garantias a ela sonegados.

Caso contrário, não será nem mais preciso dar um zum. Você, leitor, não conseguirá mais desviar o olhar, porque a calçada estará tomada. As ruas, os parques e os canteiros, também.

Ou, quem sabe, você também tão espoliado não terminará como estes seus irmãos, menos afortunados: na calçada.

Agora, se falarmos daqueles grupos bem menores, quero crer, mas extremamente danosos, o dos corruptíveis e o dos corruptores, eles não mais estarão por aqui, neste momento, para contar a história de ERA UMA VEZ UM PAÍS RICO ................................................................................................................

Ah! Esqueça o zum!

Tudo terá se agigantado. Seus olhos não mais precisarão deste auxílio.



Sinceramente, quero acreditar, ainda, que aquela calçada, que conheço tão bem, possa conter, num futuro não muito longínquo, apenas os restos de chuva com as flores do jacarandá da esquina. E que a água depositada no meio-fio seja de um tom violáceo, que nem as flores do mesmo jacarandá.

Segundo Edgar Morin, sociólogo e filósofo francês, a vida é suportável se nela for introduzida não apenas a utopia, mas a poesia, ou seja, a intensidade, a festa, a alegria, a comunhão, a felicidade e o amor. Há o êxtase histórico, que é um êxtase amoroso coletivo.



De ambas, utopia e poesia, Mário Quintana entende muito bem. 

Eis, sua receita:




Agora, o samba MENOR ABANDONADO, cantado por Zeca Pagodinho, espelha bem a realidade que nos cerca e aquilo que pode ser feito para mudá-la.



Já o poeta Manuel Bandeira com seu poema O BICHO dá-nos um choque de realidade, quando verseja: 





Fiquemos com os dois primeiros exemplos. São um alento e um alerta para que não se torne corriqueira a última cena, embora Manuel Bandeira a tenha descrito na década de 40. 

Há que não se perder a esperança, porém.




Samba - Menor Abandonado – Zeca Pagodinho





segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

COMO SEMPRE... MAS E O DEVIR?











O olhar perdido no horizonte, não está tão perdido assim. As margens, de onde este olhar se lança, estão plácidas. E o céu ainda está azul. O som do mar é um acalanto e a luz, no fim do horizonte, é pura inspiração. As nuvens, lá no infinito, não parecem querer dizer grande coisa. 


Belas imagens, todas nascidas da natureza e ao dispor de quem se detenha a observá-las. Há quem confira a estes momentos, curtidos em fins de semana, ou nas férias, descanso merecido depois de um ano de trabalho, uma espécie de trégua no conflito diário da sobrevivência.

Na verdade, porém, de forma contínua, poderíamos ter estes vãos de paz com uma imaginação estendida para o infinito, chegando-se, simplesmente, à janela e erguendo nossos olhos para as copas das árvores, ou até mesmo acompanhando o caminho de volta aos ninhos dos passarinhos que dão rasantes por sobre os telhados das casas, ou sobre os edifícios que, de tão altos, exigem mais ainda imaginação. Quem sabe este recarregar de baterias esteja na audição de um som ao gosto muito pessoal de cada um, importando apenas que nos permitamos surfar no embalo de melodias as mais diversas. Ou, ainda, que a orelha daquele livro seja tão convidativa que a leitura se instale como prática constante, sempre que possível. Ou pode ser que as glicínias, no pátio do vizinho, lembrem que a arvorezinha da felicidade está precisando de mais adubo e água. Afinal, nada e ninguém sobrevive sem água.



O que se vê nos finais de ano, como sempre, são as mesmas palavras repetidas, à exaustão. O desfilar do palavreado começa nos dias que antecedem o Natal e se estende pelos dias seguintes até que, da noite para o dia, literalmente, adentra-se ao que se convencionou chamar de novo ano. Votos e mais votos são expressos, reiteradamente, a cada novo ano. Para que tudo seja melhor, para que tenhamos renovado vigor na azáfama diária do sobreviver: são os nossos desejos.

Na verdade, esquecemos-nos de reservar, diariamente, alguns instantes que sejam para pousarmos o olhar no belo que nos cerca. Quem sabe, o canto de alguma espécie urbana desperte em nós o sentimento de comunhão que une animais e pessoas. Sem pregar qualquer tipo de alienação, que sempre é danosa, reserve o olhar não apenas para as cenas dos noticiários, mas para assistir a um bom filme. Ou, melhor ainda, para a leitura de um bom livro. Aliás, é bom não esquecer que as imagens que criamos a partir do que lemos são mais ricas do que aquelas outras jogadas sobre nós, prontas, onde a emoção pura, às vezes, não nos dá tempo para refletir. E um livro proporciona, além do conhecimento, dois ingredientes fundamentais, sempre de mãos dadas, que nos enriquecem ainda mais: a imaginação e o poder criador.

Vejam o que a leitura oferece à imaginação, acompanhando os exemplos abaixo:







Também, simplesmente, podemos pousar o olhar no infinito. Ele revela muito e é para onde se ergue, nos finais de ano, um cálice de brinde ao já conquistado e ao desejo do melhor que está ainda por vir.

Agora, se o olhar revelar apenas vazio e nada de lá extrair, estará na hora de mudar. Talvez, aquela mudança sempre tão almejada, mas pouco batalhada. No fundo, tudo requer compromisso. Até para se ser feliz e desfrutar desta conquista é preciso comprometer-se consigo e com o outro. Nada melhor do que o compromisso, convictamente firmado, para mudar o panorama do “como sempre”.

O que se deseja é que o dia se apague numa lenta e contínua escuridão e renasça numa clara manhã com os primeiros raios de luz a iluminar as coisas e as gentes. Como sempre acontece todas as manhãs de todos os dias e, em especial, daquele que se apelidou de dia primeiro do novo ano.

E isto é pouco?

Não é! Claro que não!

Quem está envolvido nesta tarefa do apagar e acender as luzes do Universo é alguém, indiscutivelmente, superior: o seu próprio Criador. Ele, ao que parece, vem cumprindo com o seu compromisso, como sempre, há muito tempo.

Caberá, então, às suas criaturas despertar da letargia de um discurso do “como sempre” para o compromisso de um diferente devir. Melhores dias dependem, em grande medida, de nós mesmos.

Guardemos mais momentos para o encontro consigo próprio, como também para o convívio com os demais.

Contemplemos mais, pois isto soma, embora pareça, às vezes, perda de tempo.



Ah! As flores das glicínias do vizinho já se foram. Ficou somente a planta, que também é bonita. E a árvore da felicidade, aquela que andava com sede e meio enfraquecida, já está recuperada e pronta para iniciar o novo ano com o pé direito.

E, como sempre, de repente, da noite para o dia, estaremos em 2015. Disso o Criador se encarrega.

Ao devir, vamos dar uma mãozinha. Sensibilidade, imaginação, criatividade, muito estudo e trabalho e, sobretudo, paixão pelo que se faz são os ingredientes que farão toda a diferença no chavão “como sempre”.

Que o ano de 2015 seja melhor do que os anteriores.

Para tanto, há que ter, igualmente, fé, otimismo e esperança. Que o Criador, também ele, dê uma mãozinha no nosso devir.

Afinal, Ele sabe de tudo bem antes. E administra, muito bem, os amanheceres e anoiteceres: aqueles fenômenos por nós observados a olho nu. Os demais, também Ele e somente Ele conhece. A nós cabe apenas chamá-los de mistérios da vida.



Daí, o pedido de uma mãozinha. Se não for pedir demais, é claro!





Dias Melhores – Jota Quest 


Os Incríveis – Marcas do que se foi 





domingo, 26 de outubro de 2014

ATÉ A PRÓXIMA...











É bom retornar, de tempos em tempos, a um lugar que traz boas recordações. Embora o tempo lá passado tenha sido curto, as lembranças guardadas perduram até hoje.


Caminhando para os cem anos de existência, o referido lugar foi visitado por Regina no ano de 2008. A professora estagiária daquele estabelecimento de ensino, nos idos de 1974, pôde constatar a situação de abandono em que se encontrava a escola que completava, naquela oportunidade, 90 anos de existência.

Da visita nasceu a crônica SAMBA DE UMA NOTA SÓ, publicada em 04/09/08.

De lá para cá, algumas melhorias no entorno aconteceram. Não mais visitou o auditório. Tampouco sabe se o piano Essenfelder ainda lá se encontra. Talvez, os cupins tenham terminado o seu serviço, que já estava bastante adiantado.

Regina passa em frente ao prédio com frequência, pois a rua onde ele se encontra faz parte do trajeto de caminhada semanal.

É um lugar onde se preparam jovens para o futuro. Novas ideias, criatividade, habilidades, emoções, desejos e sonhos são ali incentivados e didaticamente explorados para que frutifiquem.

A tarefa é desafiadora e o lugar é o espaço onde o ser, o aprender e o fazer andam juntos na tarefa de aprimorar os indivíduos envolvidos nesta aprendizagem diária.

Os cidadãos que dali se lançarem pelos caminhos da vida, compondo os mais diversos segmentos da sociedade, deverão apresentar, ao longo da caminhada, claros traços de conduta irretocável e de operosidade manifesta. É o que uma educação de qualidade busca alcançar. E é o que uma escola, pública ou privada, deveria oferecer. Descontados os desvios de conduta, sempre existentes, estes deveriam ser, porém, exceção.

Agora, sem bons exemplos e com a impunidade que grassa, fica difícil construir uma sociedade justa e democrática.


Nesta volta, hoje, ao local de tantas lembranças, vejo, como de vezes anteriores, cidadãos comparecerem às urnas eleitorais ali instaladas, para celebrarem o seu direito inalienável de escolha de seus representantes.

Se os candidatos oferecidos à escolha não são os melhores, cabe aos cidadãos aprimorarem sua capacidade de crítica, para aprenderem a eleger nomes que concentrem honradez, honestidade, ética e trabalho como qualidades indispensáveis ao exercício de qualquer mandato. Candidatos que concorrem a mandatos municipais, estaduais ou federais são, todos, elementos chave na engrenagem que poderá alçá-los a futuros representantes daqueles que neles depositaram o seu voto. Com o tempo, inclusive, ao cargo máximo de chefe da nação. Daí a importância da boa escolha de nomes, independentemente da abrangência de atuação do parlamentar.


Foi bom ver algumas fisionomias que só encontramos em dia de eleição! O importante é que se mantenha este hábito saudável de participação popular, pois sem ela não sobra muito, depois, para exigir a devida contraprestação.

Por isso, a escola é fundamental no ato de capacitação do indivíduo para o exercício do pensar, comparar, avaliar, ler nas entrelinhas e, por fim, escolher o caminho que lhe pareça o mais correto. 

A melhor escolha é o que se busca.

Tomara que se consiga este objetivo!

Agora, talvez se tenha que aprender a SAMBAR DOBRADO! Ou quem sabe, uma vez mais, venhamos a curtir a letra de SOMOS TODOS IGUAIS! Assistam aos vídeos! 


Até a próxima visita, escola querida!

Até lá!



Samba Dobrado – Djavan


Somos Todos Iguais Nesta Noite – Ivan Lins






quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O PLANO











Lá se vão os pezinhos sobre o cascalho. Logo, estarão ultrapassando o portão do pátio do avô. Soltaram o guri e lá se foi ele. O caminho já era conhecido. Lugar bom aquele! Lá era sempre recebido com abraços e guloseimas. Tomara que, no próximo domingo, pudesse voltar.

O pote com água adocicada está ali para atraí-lo. E ele vai se chegando, aos poucos. Brevemente, fará este trajeto todos os dias. Espera sempre encontrar aquele presente.

Pois, um novo professor chegou. E, desta vez, Marcelinho conseguiu entender a explicação sobre as orações coordenadas e subordinadas, matéria que jamais tinha aprendido. Que professor legal! Tomara que ele permaneça com a turma do Marcelinho por muito tempo.

Com o reforço que o time recebeu, seus integrantes acreditam que irão obter melhores resultados nos certames vindouros.

As muitas horas em que Marina debruçou-se sobre aqueles tantos livros e o seu visível esforço para vencer o exame que está por vir, dá-lhe a esperança de conquistar uma boa classificação naquele concurso tão concorrido.

Aquela palavra do médico, que José aguardava há tanto tempo, foi motivo de grande alegria. Esperara por longos meses, mas valera a pena.

A embalagem, pendurada no galho mais baixo da árvore, sinaliza que, como das vezes anteriores, hoje também terá um reforço ou, dependendo do dia, apenas essa sobra para alimentar-se. Mantém a esperança diária de ali encontrar o que os olhos, lá da esquina, antecipam e que irá acalmar aquela incômoda e constante carência. Poeticamente, a imagem comove. A realidade, mais ainda. O caminho para a solução desta necessidade não é, porém, o de apenas recolher o que se encontra à mão. O caminho é bem outro.

Em todas as situações descritas subjaz aquele desejo de que se cumpram nossas expectativas.

Claro que um olhar de esperança sobre o que nos cerca é alimentar a possibilidade de que os sonhos são possíveis de serem concretizados.

O plano é este. Mas não apenas este.

Caberá a quem detiver em mãos as rédeas do poder constituído fazer o dever de casa com competência e honradez. Criar uma política de inserção social, através do trabalho, de indivíduos plenamente capazes para o exercício de atividades produtivas as mais diversas: esta a meta principal.

Todo o sonho carece de ação para que se torne realidade. A força do trabalho é que dará esperança de melhores dias. Benesses não nos levam a lugar algum. Pelo contrário!

Estudo e trabalho são o binômio capaz de inserir os indivíduos num patamar digno de uma sociedade que se quer evoluída e democrática.

Como dizem os versos da poesia O SONHO E A ESPERANÇA, de Luiz Coronel, transcrita abaixo na íntegra, entre o sonho e a esperança existem sutis fronteiras. A esperança traz encomendas, enquanto o sonho indaga respostas. Então, a esperança monta o palco do espetáculo, afia as lanças, ilumina os edifícios e desperta os homens com seus clarins solidários.

A citação que abre o referido poema, na publicação original, é uma homenagem de Luiz Coronel ao poeta modernista norte-americano Wallace Stevens que escreveu:

“O sonho é a mente reagindo à pressão da realidade”.

O plano é reagir ao status quo, movido por sonhos carregados de esperança por dias melhores.

Perseverar nas melhores ideias frente às inúmeras existentes, mantendo-se aberto ao diálogo e ao caráter ecumênico das relações, também é desejável.

Como escreveu Mário Quintana em seu CADERNO H, recheado de epigramas, sobre as IDEIAS quintanou:

“Não sou desses que um dia pensam uma coisa e no outro dia pensam outra coisa muito diferente. Eu penso as duas coisas ao mesmo tempo. Duas ou mais. Não tenho culpa de ser ecumênico”.

Agora, segundo Quintana, o provérbio, que diz que a esperança é a última que morre, não está correto. Escreveu, na página 146 do seu CADERNO H, o seguinte:

“Não, o provérbio não está bem certo. O raio é que enquanto há esperança, há vida. Jamais foi encontrado no bolso de um suicida um bilhete de loteria que estivesse para correr no dia seguinte...” (A Esperança)

Portanto, o plano é manter a vida porque, em ela havendo, haverá esperança. Sem ela não restará esperança.

O plano é viver para assistir às mudanças sonhadas tornarem-se concretas, através de muito estudo, trabalho e de uma consciência cidadã.

Aliás, Martinho da Vila, no samba O PEQUENO BURGUÊS, seu primeiro sucesso nacional, descreve muito bem o que é necessário para se chegar à condição de um ser considerado privilegiado. Ao final do samba, afirma que quem quiser ser como ele, o protagonista da letra, terá que penar um bocado.

Com certeza, sacrifícios serão necessários. Dizem que aqui não se chega para passear. Ou melhor, também para passear quando as condições financeiras já permitirem.

É! O plano é desafiador!

Compensador, porém, para quem o enfrenta com as armas corretas, a saber: educação e trabalho.






O Pequeno Burguês - Martinho da Vila