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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

AS CAIXINHAS


Quando tia Ernestina aparecia com aquelas caixinhas, era uma festa. Aninha corria ao seu encontro no afã de abri-las.

Uma delas sempre continha sementinhas. A menina jurava que aquela goiabeira, que embelezava o pátio, era produto de algumas das tantas sementinhas. Também tinha uma pereira e um caquizeiro, tudo obra daquelas sementinhas tão aguardadas pela menininha.

Agora, tinham também outras caixinhas. Todas eram gratas surpresas. Nunca se sabia bem o que elas continham. Uma delas, por exemplo, de tempos em tempos, vinha com minúsculos pares de olhinhos, feitos com fios de lã. Estes podiam ser trocados por outros já colocados nas bonecas de pano, mas facilmente removíveis, para que os novos “olhinhos” assumissem o seu papel de renovação daquelas companheiras de brincadeiras.

Havia, também, a caixinha das pequeninas bolinhas de algodão, que eram guardadas para enfeitar a árvore de Natal, como se fossem flocos de neve nos moldes europeus, tão apreciada à época.

Outra caixinha aparecia, vez por outra, com florzinhas, habilmente confeccionadas pela tia, que serviam para lembrar quão bonita e alegre é a estação delas: a Primavera.

As tais caixinhas eram todas aparentemente iguais, mas escondiam surpresas. Todas, porém, agradáveis. Nada que, naquele tempo, tenha assustado Aninha.

Tinha aquela dos balões, todos coloridos.

Havia outra que continha inúmeras estrelinhas com uma lua e um sol misturados no meio delas.

Existiam duas outras caixinhas que iniciaram Aninha nas primeiras letras e números: um verdadeiro jogo de armar. O raciocínio ia sendo exercitado através de brincadeiras com a formação de palavras e com a junção de números para as primeiras continhas.

Outra caixinha muito aguardada era aquela em que, ao abri-la, saltavam carinhas de bichinhos, alguns domésticos, outros da selva distante. Todos, porém, amigos de quem se dispunha a vê-los como irmãos de brincadeira.

Um mundo encantado aquele das “caixinhas surpresa”.

Esperar pela chegada delas era sempre motivo de grande expectativa. Nem sempre continham novidades. Muitas vezes, repetiam-se. Eram, porém, repetições saudadas, pois guardavam lembranças queridas.

Tia Ernestina sabia “das coisas” do mundo.

Encantar-se era parte da vida de Aninha. E nisso, tia Ernestina colaborava como ninguém.

Daquelas sementes de goiabeira, pereira e caquizeiro nasceu um pé de cada árvore no quintal da casa. Nasceu, igualmente, o amor pelas árvores.

Do trabalho artesanal com fios de lã, nasceram não somente novos olhinhos para as bonecas, mas um olhar sempre disposto ao novo.

Do algodão ficou a imagem do inverno europeu, não nosso conhecido, porém reverenciado pela beleza plástica que encerra.

Das flores permaneceu o colírio que a cada Primavera nos invade o olhar. Imagens floridas que tornam nosso olhar mais brilhante.

Os balões ainda despertam Aninha quando ela os vê na mão de algum vendedor ou de uma criança. Dá vontade de alçar voo junto e descobrir o que existe no distante infinito. A curiosidade pelo desconhecido sempre é um desafio ao ser humano. E isso se completa com o olhar perdido em noite de estrelas e lua, tudo junto. E os sonhos tudo admitem. E é bom sonhar!



Como só de sonhos não se vive, permaneceram as letras e os números para, ambos, deixarem Aninha com os pés no chão. Ela confessa que preferiu as letras aos números. Claro que, sem eles, não se vive. Eles são, diria ela, decisivos numa disputa acirrada.

Quanto aos animais, tia Ernestina também soube, através da caixinha respectiva, demonstrar que eles são nossos companheiros nesta viagem. Alguns mais próximos de nós, outros nem tanto, mas não menos importantes.



Aninha acredita que tia Ernestina cumpriu com o seu papel. Afinal, ela era a sobrinha de que tanto gostava.

Alguns dirão que tia Ernestina falhou. Falhou? Em nada, ela falhou.

Foi excelente o seu desempenho em instigar a curiosidade, a expectativa e a descoberta do que continham as caixinhas. As surpresas eram sempre proveitosas, recheadas de ação, de emoção e de sensibilidade na medida certa. Tudo com frutos colhidos naquele presente e imaginados para um futuro que se anunciava.

Perguntarão alguns:

- E quanto às surpresas desagradáveis que não lhe foram ensinadas?

- Caberá à vida encarregar-se de oferecê-las, digo eu em favor de Aninha. 

O fato é que Aninha sabe como abrir as tais caixinhas surpresa. Já está treinada.

Quando tem certeza do seu conteúdo, numa rápida passada de mão.

Quando pairam dúvidas, com muita cautela.

Quem sabe, o sonoro canto de alguma ave possa ser decisivo. Afinal, a caixinha dos bichinhos pode ser inspiradora nesta hora.



Vivam as Árvores!

Viva a Primavera!

Viva!






Agora, surpresa mesmo, em alto nível, foi a que tiveram os jogadores do principal time de basquete da Turquia, o Anadolu Efes, conforme mostra o vídeo que segue.

A música, que é tocada na surpresa, chama-se Senden Daha Güzel e representa o hino da torcida do time. Ela foi capaz de despertar os jogadores, já que alguns estavam visivelmente entediados com o espetáculo que acontecia.



Surpresa em um concerto de Música Clássica 






segunda-feira, 29 de julho de 2013

DE SURPRESAS



 
O ouro pela prata, a cadeira suntuosa por uma mais simples, o carro blindado pelo abraço direto, menos discursos longos e mais frases curtas, concisas, diretas, mas não desprovidas de profundo significado e de um chamamento direto aos corações de milhões de pessoas que o acompanharam nessa 28ª Jornada Mundial da Juventude. Jornada essa que acolheu uma soma inimaginável de pessoas presentes ao evento e de outros tantos milhões que assistiram, pela televisão, às etapas que se sucederam durante a semana transcorrida na cidade do Rio de Janeiro.

E tudo começou com uma chuva mansa, criadeira, que se estendeu por um tempo, ressurgindo, ao final, o Sol, com cor e luz suficientes, para fazer as sementes relançadas nesse campo de fé, faminto, um bom motivo para renovarem-se. Estavam elas a necessitar de um novo alento, uma espécie de adubo. E tudo isso no meio de comunidades tão diversas, mas também tão iguais na essência que as originou: o amor de Cristo.

E do campo já fertilizado passou-se ao pasto aonde os nossos pastores conduzirão os rebanhos, não se importando com o cheiro das ovelhas, misturando-se a elas, numa alusão clara da necessidade de os clérigos saírem das sacristias para as ruas.

E de igual sorte, que todos, especialmente os jovens, saiam às ruas, quando manifestações ordeiras, de insatisfação, se fizerem necessárias. Ouvir-se-á o brado de quem será o braço trabalhador que, logo ali adiante, sustentará a nação e suas instituições. Não menos importante será o grito daquele que já não se pode levantar mais, bem como o daquele outro que ainda dá os primeiros passos.

Esses últimos foram, insistentemente, relembrados pelo Papa Francisco.

Numa sociedade economicista, palavras dele, há o descarte dos que não produzem, a saber: os muitos jovens e os idosos.

Esquece-se de que os muito jovens são o futuro, são a esperança de contínuo desenvolvimento de uma sociedade, de uma nação. E de que aos velhos cabe transmitir a experiência de quem já viveu etapas de vida, cujos ensinamentos não se tornam obsoletos, porque tratam não da moderna tecnologia, mas de condutas humanas que de vem ainda continuar repousando em valores éticos, morais e sociais. Ainda vigoram o escutar, o dar os meios e o cuidar desses mais jovens, para que não sejam manipulados. 
 
Numa alusão à Torre de Babel, narração bíblica de um reino no qual os homens importavam-se mais com a queda de um tijolo, o que era uma catástrofe, do que com a queda de um homem, o Papa desenvolve o pensamento seguinte.
 
Reportando-se aos dias atuais, disse o Papa, comparando ao que ocorria naqueles idos, quando, hoje, baixam três ou quatro pontos na Bolsa: isso vira notícia. Agora, os milhões de famintos, aqueles que têm sede, aqueles que não têm moradia, nem educação ou saúde adequada: isso não gera notícia de impacto. Quando muito, digo eu, é notícia no meio de outras tantas.

 
 
Surpresas que foram se somando como a de carregar a sua própria valise para aonde vai. E por que não?

Ou a de optar por residir na Residência de Santa Marta e não no Palácio Apostólico, também conhecido como Palácio do Vaticano, local onde viveria solitariamente. Como afirmou, é preferível estar cercado por pessoas, almoçar junto a clérigos, bispos e leigos que lá se hospedam, do que comprometer a sua higidez psíquica: ele que é um comunicador, em essência.

Prega a cultura do encontro entre as religiões, mantendo com o rabino Skorka antiga e sólida amizade. Por saber que, ao final, todos os caminhos levam ao Altíssimo, seja qual nome tenha. E quem nos confere equilíbrio entre o ser e o ter, higidez física e mental é, sem dúvida, o ser Criador de todas as coisas.

Essa cultura do encontro repousa na aproximação de pessoas de diversos credos, de etnias diversas, de diversos matizes de pensamento, bem como de diversos tempos de civilização. Tudo devendo concretizar-se num cotidiano pacífico, respeitadas as diferenças. Perpassando sempre o acolhimento, pois, não sendo assim, a exclusão é inevitável. E será danosa a todos os envolvidos. O diálogo, portanto, é essencial. Sabe-se da importância da inclusão digital e de seu uso ético, porém nada substituirá o contato humano.

Surpreendente, igualmente, a vitalidade do Papa Francisco que, com 76 anos, cumpriu de forma irreparável uma maratona de compromissos, sempre com uma expressão de alegria e espontaneidade constantes, guardando o semblante de reserva e meditação quando o momento assim exigia. Um autêntico representante da Companhia de Jesus que, só agora após 400 anos de existência, faz um Papa que, também, é o 1º latino-americano a ocupar o pontificado.

Um homem do povo, torcedor do San Lorenzo, clube de futebol fundado em 1908, no bairro de Almagro, em Buenos Aires, apreciador de chimarrão e um educador aos moldes dos padres jesuítas, pois foi mestre de noviços.

Na Missa do Envio, último compromisso junto aos fiéis, conclama os jovens a irem, sem medo, servir, conforme lição de Santo Inácio de Loyola. Aquele que evangeliza, recebe evangelização, assim como quem transmite alegria, torna-se mais alegre. Com entusiasmo e criatividade tudo é possível. A Jornada Mundial da Juventude, criada por João Paulo II, cujo lema é “Ide e fazei discípulos entre as nações”, ao que parece, motivou os milhões de pessoas que a ela assistiram.

Pelos depoimentos posteriores ao evento, acredita-se que a saudade a que o Papa referiu-se seja recíproca.

O pedido do Papa Francisco, de que rezem por ele, ressoou profundamente na alma do povo brasileiro que, como se sabe, transita muito bem com o Altíssimo, pois é sua imagem e semelhança. Permanecerá, com certeza, a postos para qualquer dificuldade com que o Papa se defronte.

 
 
E, qualquer coisa, já sabe, as porteiras desses pagos estarão abertas.

Venha, Papa Francisco, matear com a gauchada.

Porque lhe digo:

Aqui, de medo ninguém vive, tchê.
 
 
 
 
Hino Oficial JMJ Rio 2013 – “Esperança do Amanhecer”