Você é prisioneiro e nem suspeita. E o mais aterrador é
exatamente isso: não se dar por conta.
Você está diuturnamente ligado. Até quando dorme, o seu
entorno mantém-se conectado. Há quem diga que seus dedos, em pleno sono, são,
por vezes, vistos a deslizar sobre o lençol na busca incessante da conexão. Há
quem já esteja próximo do ser “autômato”, aquele descrito por George Orwell.
E o pior é que essa contínua conexão, que começa
precocemente, prima pela pura diversão, pelo simples entretenimento.
Como esse ser irá adquirir cultura, aquele ingrediente que o
tornará diferenciado e não apenas uma mera reprodução do coletivo de que faz
parte em número, porém, não necessariamente em pensamento, em virtudes, em
sensibilidade, em imaginação?
Como se pode adquirir cultura sem ler uma obra literária?
Como aguçar a sensibilidade para a música sem apreciá-la? Será
que é suficiente, para tanto, ouvi-la como fundo de uma conversa pelo facebook,
que, por sua vez, usa uma linguagem quase criptográfica?
Reflexão é coisa que se adquire após um tempo suficiente de
amadurecimento obtido através de leituras e não em bate-papos pelo face.
Qual o futuro de um jovem que permanece sete horas em frente
a uma tela, apenas divertindo-se, jogando, digitando letras desconexas que
expressam sentimentos de alegria, prazer, raiva, descontentamento?
Há que ter presente a indiscutível importância da tecnologia
da informação como ferramenta auxiliar do conhecimento. Nunca, porém, como base
para uma sólida formação. Isso, claro, se estivermos interessados em capacitar
os jovens a assumirem o papel que lhes cabe, qual seja o de transformar, para
melhor, as sociedades as quais pertencem.
Agora, se esse não for o propósito, acredito que essa
tecnologia poderá estar a serviço da criação de hordas de seres que
absolutamente não pensariam, pois o pensar, ato que distingue o ser humano dos
demais, estaria totalmente refém do inconsciente. Essa é a chamada sociedade
Ingsoc, vislumbrada por Orwell em seu livro 1984, onde sistemas sofisticados, aparentemente não totalitários,
poderão conduzir-nos a perdas de conquistas humanas que levaram séculos para se
constituírem. Aliás, um livro escrito em 1948 e profundamente atual.
Qual de nós não pensa na linguagem da Internet ao se deparar
com o vocabulário da Novilíngua?
Quem não se enxerga no duplipensar, quando vê mudanças
repentinas de posições ideologicamente contrárias e que a nós passam a tornarem-se
legítimas, tão legítimas que podemos adotá-las, conforme as conveniências do
momento, de uma forma ou de outra?
Quem não se assusta ao ver os “Proles” de 1984 serem, hoje,
uma expressiva fatia da humanidade, cujas opiniões ou a ausência delas é
absolutamente indiferente para o “establishment”?
Há sempre o risco de esses usuários tornarem-se tão
despreparados, tão vulneráveis à realidade que exige conhecimento, competência,
espírito crítico nas escolhas, que ao abrir-se a porta dessa grade que os
aprisiona, não consigam por ela escapar. Permanecendo, portanto, presos ao
comodismo, a uma parca sobrevivência, pois não terão possibilidades de um pleno
desenvolvimento da sua individualidade. Essa perder-se-á nos estereótipos do
grupo, da turma, do coletivo massificado.
Agora, para descontrair, leia O PASSARINHO ENGAIOLADO de Rubem
Alves que demonstra bem essa possibilidade de desistência da liberdade até
para um animalzinho que só sabe viver voando, livre, capaz de, pelo instinto,
safar-se dos perigos.
Por outro lado, Martinho
da Vila traz, para compensar, uma passarinha bem mais corajosa que sai em
busca de companheiro e que não deixaria, com certeza, as pimentinhas do conto
de Rubem Alves intactas. Acompanhe a letra do samba GAIOLAS ABERTAS na voz de um de seus autores. O outro é João Donato. Bom divertimento!
Ah! Não se esqueça de conviver mais, conversar mais, ouvir
mais, enxergar mais. Tudo ao vivo e em cores.
E, por favor, desligue o tablet na hora do almoço!
Martinho da Vila – Gaiolas Abertas