domingo, 2 de novembro de 2014

O DIA DA SAUDADE











A percepção do primeiro canto de algum passarinho, o cheiro do doce de abóbora, o gosto da massa crua, que restava na vasilha, do bolo que ia ao forno, o passeio pelo parque, o olhar sobre aquelas luzes, que teimavam em piscar sem parar, naquela árvore bem verdinha todos os Natais: estes são momentos que permanecem na minha retina e, quem sabe, também, na de outros tantos de nós.

Uma trajetória faz-se com uma superposição de imagens. Muitas restarão no emaranhado invisível do nosso interior. Outras permanecerão sempre prontas a emergir, vindo à tona, não importando serem acolhedoras ou devastadoras. Tudo dependerá das circunstâncias e do momento em que foram captadas.

Aquelas imagens que nos trazem a beleza, a emoção, o encantamento, o carinho, o convívio, a surpresa agradável, todas estarão junto a nós, lembrando-nos de quem conosco participou desses momentos. A memória é a soma de pensamentos que criarão as pontes necessárias para a travessia que estamos a empreender desde o nascer até a derradeira hora.

Lembranças que continuarão a enfeitar o caminho que cada um irá trilhar. Elas serão renovadas a cada evento em que haja similitude de momentos. E todas aquelas pessoas que participaram daqueles instantes estarão presentes como se vivas estivessem. Será como uma repetição de cenas que nos fizeram tanto bem há tempos atrás.

Assim, também, permanecerão vivas aquelas imagens que nos marcaram de forma negativa e que não são esquecidas. Estão em nossa bagagem e devem servir de reflexão, para que não se repitam conosco e nem com os de nosso convívio. Nesses episódios negativos, pessoas participaram, gerando conflitos ou sofrendo suas consequências.

Sendo assim, os registros que nos acompanham, desde tenra idade, são por demais importantes ao longo da caminhada.

Na medida em que foram bons, nós e os que já se foram estaremos juntos numa saudade boa de curtir. E isto é o que acredito deva ser lembrado a cada dia de Finados. 

Quanto aos maus momentos deixados por quem os ocasionou: que sirvam de alerta a todos nós. Cuidemos dos bons momentos de convívio, pois serão eles que deverão ficar na memória dos que aqui permanecerem. E, com certeza, aqueles que propiciaram tais instantes serão lembrados com amor por cada um de nós.



Nós, que somos A MORADA DOS AUSENTES, dedicamos este dois de novembro para homenageá-los. Não esquecendo, porém, que eles nos acompanham no dia a dia. Sem eles não existiríamos. Sem eles lições não teriam sido aprendidas. Eles guiaram nossos passos e ainda caminham conosco nesta jornada pautada pelas boas e más lembranças.

Pela importância do que a memória representa, busquemos cultivar momentos agradáveis junto aos próximos a nós. As boas lembranças nascerão dos bons registros que deixarmos.

O nosso conhecido poeta Luiz Coronel, no poema A MORADA DOS AUSENTES, transcrito abaixo, chama de saudade a este espaço das lembranças boas que nos acompanham desde a nossa infância, sempre de mãos dadas com os ausentes a quem devotamos amor.



Boas lembranças a todos neste Dia da Saudade.

Uma homenagem especial à minha mãe, através da música MÃE, de Caetano Veloso. Particularmente nos versos que dizem:

“Eu sou um homem tão sozinho,

Mas brilhas no que sou”.





A Morada dos Ausentes - Poema de Luiz Coronel



Mãe – Caetano Veloso





domingo, 26 de outubro de 2014

ATÉ A PRÓXIMA...











É bom retornar, de tempos em tempos, a um lugar que traz boas recordações. Embora o tempo lá passado tenha sido curto, as lembranças guardadas perduram até hoje.


Caminhando para os cem anos de existência, o referido lugar foi visitado por Regina no ano de 2008. A professora estagiária daquele estabelecimento de ensino, nos idos de 1974, pôde constatar a situação de abandono em que se encontrava a escola que completava, naquela oportunidade, 90 anos de existência.

Da visita nasceu a crônica SAMBA DE UMA NOTA SÓ, publicada em 04/09/08.

De lá para cá, algumas melhorias no entorno aconteceram. Não mais visitou o auditório. Tampouco sabe se o piano Essenfelder ainda lá se encontra. Talvez, os cupins tenham terminado o seu serviço, que já estava bastante adiantado.

Regina passa em frente ao prédio com frequência, pois a rua onde ele se encontra faz parte do trajeto de caminhada semanal.

É um lugar onde se preparam jovens para o futuro. Novas ideias, criatividade, habilidades, emoções, desejos e sonhos são ali incentivados e didaticamente explorados para que frutifiquem.

A tarefa é desafiadora e o lugar é o espaço onde o ser, o aprender e o fazer andam juntos na tarefa de aprimorar os indivíduos envolvidos nesta aprendizagem diária.

Os cidadãos que dali se lançarem pelos caminhos da vida, compondo os mais diversos segmentos da sociedade, deverão apresentar, ao longo da caminhada, claros traços de conduta irretocável e de operosidade manifesta. É o que uma educação de qualidade busca alcançar. E é o que uma escola, pública ou privada, deveria oferecer. Descontados os desvios de conduta, sempre existentes, estes deveriam ser, porém, exceção.

Agora, sem bons exemplos e com a impunidade que grassa, fica difícil construir uma sociedade justa e democrática.


Nesta volta, hoje, ao local de tantas lembranças, vejo, como de vezes anteriores, cidadãos comparecerem às urnas eleitorais ali instaladas, para celebrarem o seu direito inalienável de escolha de seus representantes.

Se os candidatos oferecidos à escolha não são os melhores, cabe aos cidadãos aprimorarem sua capacidade de crítica, para aprenderem a eleger nomes que concentrem honradez, honestidade, ética e trabalho como qualidades indispensáveis ao exercício de qualquer mandato. Candidatos que concorrem a mandatos municipais, estaduais ou federais são, todos, elementos chave na engrenagem que poderá alçá-los a futuros representantes daqueles que neles depositaram o seu voto. Com o tempo, inclusive, ao cargo máximo de chefe da nação. Daí a importância da boa escolha de nomes, independentemente da abrangência de atuação do parlamentar.


Foi bom ver algumas fisionomias que só encontramos em dia de eleição! O importante é que se mantenha este hábito saudável de participação popular, pois sem ela não sobra muito, depois, para exigir a devida contraprestação.

Por isso, a escola é fundamental no ato de capacitação do indivíduo para o exercício do pensar, comparar, avaliar, ler nas entrelinhas e, por fim, escolher o caminho que lhe pareça o mais correto. 

A melhor escolha é o que se busca.

Tomara que se consiga este objetivo!

Agora, talvez se tenha que aprender a SAMBAR DOBRADO! Ou quem sabe, uma vez mais, venhamos a curtir a letra de SOMOS TODOS IGUAIS! Assistam aos vídeos! 


Até a próxima visita, escola querida!

Até lá!



Samba Dobrado – Djavan


Somos Todos Iguais Nesta Noite – Ivan Lins






quarta-feira, 15 de outubro de 2014

COM A MÃO NA MASSA... COM A EMOÇÃO À FLOR DA PELE...












O ingrediente principal, para que o esforço físico somado à emoção possa prosperar e transformar-se na única receita capaz de melhorar o mundo, é juntar um bocado de gente feliz. Para tanto, urge que se coloque cada um exercendo sua tarefa principal, num ambiente adequado, com uma infraestrutura compatível com os avanços tecnológicos, onde todos se conheçam, se estimem, criem laços, trabalhem e estudem, convivam e, consequentemente, cresçam.

O poema ESCOLA, do reconhecido e saudoso educador Paulo Freire, transcrito abaixo, aponta todos os ingredientes necessários para que este lugar torne-se o celeiro de futuros indivíduos úteis à sociedade, aptos a exercerem as mais diversas profissões, capazes, segundo ele, de melhorarem o mundo.

De toda esta gente feliz, citada pelo educador no poema, credito às figuras do professor e aluno a importância maior.

Imbuído do desejo de fazer, de dar e receber, de escutar, de transformar, reprogramando, quando for necessário, caminhando junto com o seu aluno, só assim atingirá as metas propostas, os objetivos últimos, a recompensa pelo esforço despendido.

Com plateias diversificadas e conteúdos diferenciados, o melhor professor é aquele que tem um tanto de ator. 

Aquele cujo gesto surpreenda, cujo movimento gere expectativa, este será o melhor entre outros tantos. Um olhar que instigue e uma emoção que, transbordante, sacuda o “aluno/espectador”, serão bem-vindos.

Uma apresentação que encante, uma palavra que ilumine, que abra perspectivas e caminhos, acarretará admiração.

Assim, conquistam-se plateias.

Alguns dirão que certos conteúdos da área das ciências exatas não se adequariam a estas performances. Engana-se quem assim pensa. Tudo depende de quem expõe e de como é exposta a matéria.

Tudo dependerá da dose de encantamento possível de gerar. O estopim deverá permanecer nas hábeis mãos de um professor. A tecnologia fará, então, o resto. E o resto é de grande importância, quando o interesse já foi despertado e o desafio instalado.


Com o raciocínio, com a inteligência, com a dita massa cinzenta colocada a trabalhar pelas mãos de um professor que, previamente colocou a mão na massa, desejoso de transformação, o êxito será mais do que provável. É garantia de uma educação de qualidade, respeitando-se as capacidades individuais, portanto diferenciadas.

Um bom professor é alguém possível de substituir a máquina, porque com ela não se confunde, porque é capaz de superá-la, salvando todos os dados armazenados que, porventura, tenham sumido nas nuvens, perdendo-se no infinito.

Um bom professor é o próprio backup ambulante, com a vantagem de guardar e transferir todo o conhecimento com emoção. O que, convenhamos, estamos a precisar.

Nós, humanos, somos os detentores de todas as capacidades necessárias para criarmos máquinas ainda mais sofisticadas. Portanto, somos mais do que elas, pois são elas apenas nossas auxiliares.

E um professor é quem trabalhará as inteligências existentes, para que o gênero humano continue a alçar voo. Claro, com a emoção à flor da pele que deve ser o seu diferencial.

Salve o Dia do Professor!


Bah! Esqueci-me de um dado RELEVANTE.

É tão relevante que passou a ser de somenos importância. Aliás, como todos os relevantes assuntos que por aqui, com o passar do tempo, tornam-se insignificantes e ninguém mais se detém a questioná-los. A não ser em momentos especiais como este, que estamos vivendo nestes últimos dias. Sobra a esperança, sempre, de que alguma cabeça bem-intencionada consiga fazer a nação acordar para a importância da figura do professor.

Uma nação que aposta na Educação para alavancar suas riquezas, visando a constituir um Estado justo e democrático, sabe que é fundamental preparar uma massa crítica, capaz e soberana, para o ato de escolha de seus representantes.


Ah! Uma vez mais...

Salve o Dia do Professor!







Dia do Professor – Belíssima Canção







sexta-feira, 10 de outubro de 2014

UMA SOMA VALIOSA











Uma parede de hortênsias adornava a janela do quarto. Cobria a outra, a parede da casa, e de sobra, só pra enfeitar, depositava ali, ao longo de praticamente o ano inteiro, suas flores azuladas. Tudo para contrastar com a cor da parede verde-musgo e com uma janela de cor verde-claro, parecendo mar. Vez por outra, apareciam algumas florzinhas cor-de-rosa, para ainda mais bonito ficar o conjunto. 

Uma imagem fotografada pelo olhar ao longo dos anos. Registrada para sempre ficou. Tornou-se repetida em desenhos com paisagens que Aninha reproduzia, quando solicitada pela Professora nas aulas de desenho. Seus desenhos de céus e morros verdejantes primavam pelos azuis e verdes intensos, embora as hortênsias não aparecessem. Restara apenas a combinação de cores e a sua intensidade.

Aninha e a Natureza sempre dialogaram muito bem. Embora citadina, a sensibilidade para o movimento seu e de outros seres a sua volta sempre esteve presente. Os sentidos aguçados sempre tiveram lugar na primeira classe de suas observações e sensações.

Como explicar o ouvido tão apurado a ponto de ouvir uma folha seca bater de encontro ao chão? 

E os barulhos e sons, facilmente percebidos e diferenciados por ouvidos tão despertos?

E o cheiro de terra molhada a prenunciar chuva próxima, detectado a tempo de correr a recolher as bonecas para lugar seguro?

E o constante colocar-se na ponta dos pés como se uma dança estivesse por iniciar-se a qualquer momento? O pediatra reconhecera, à época, que a tal menina seria uma boa dançarina, tranquilizando a mãe preocupada com este gesto habitual da filha. Tal ritmo à flor da pele seria fundamental nas aulas de música, que se sucederiam anos após.

E o que dizer da Mindinha?

Entre frutas, hortaliças e galinhas, ela, a Mindinha, sobressaía como a preferida da menina. De tão velhinha, um dia desapareceu. Ao que parece, foi entregue a uma vizinha para que não fosse sacrificada pela família de Aninha. Lá, deve ter se transformado em um suculento prato.

As emoções iam-se somando e capacitando Aninha ao enfrentamento com o inesperado.

E a Isabel, vizinha de cerca, com quem trocava aneizinhos que acompanhavam as balas azedinhas da época? 

E a colmeia de abelhas, bem no fundo do pátio? Aquele zumbido que Aninha respeitava, não chegando próximo por cautela?

E o canto do galo junto à cerca do vizinho? Altissonante, esbanjando charme, com aquela crista bem vermelha, não deixando dúvidas de quem era o mandachuva por ali? Parecido com alguns humanos. Aninha até lembrou-se daquela música chamada Bicho Gente, do CD Arca de Noé, de Kleiton e Kledir, que diz:

“Todo mundo é um pouco bicho, todo bicho é um pouco gente, tem olho, tem nariz, tem dente, tem pai e mãe e até parente, tem amor que nem a geeente!” 

E o que dizer da habilidade de andar de bicicleta de duas rodas pelo pátio, em meio a tudo isso?

E o jardim com rosas plantadas, que abrigava uma gruta com a imagem de Nossa Sra. Aparecida?

E a mãozinha que sentia a aspereza do salpique de cimento que revestia o poço?

E a figueira, que dava figo de verdade todos os anos, com um balanço bem ao lado que oferecia colo para Aninha, enquanto ela dava o seu para a boneca Mariazinha nanar bem devagarzinho?



Imagens, sons, cheiros, sensações: um universo real que se tornava lúdico a cada amanhecer.

Experiências que sedimentam lembranças, permitindo manter olhares sempre renovados sobre o que nos cerca. Tudo, a cada dia, será novo se o lúdico permanecer em nós. Ao que parece, a interação entre Aninha e todo o universo ao seu alcance continua capaz de fazê-la alçar voos para aquele outro, não visível, mas que a acompanha durante o sono daquela criança, que ainda persiste.

Emocionar-se com a melodia de uma sinfonia, ou com uma nuvem que desliza ao sabor do vento, é produto de sensibilidade despertada bem antes, ainda na época em que o olhar se detinha nas imagens oferecidas no seu entorno.

Neste conjunto de vivências, caberá aos pais fornecerem orientação sobre justiça, caráter, honestidade e demais valores necessários ao bem coletivo. 

Daí a importância de que às crianças sejam fornecidos meios e situações vivenciais que, juntos, formarão uma soma valiosa, capaz de propiciar elementos de qualidade para o futuro que a elas pertence.

A rua poderá tornar-se menos perigosa se conseguirmos buscar no lastro de qualidade, cultivado na infância, os passos corretos para encontros que valham a pena.

Quanto aos elementos modernos de comunicação, caberá, novamente, aos pais a dosagem adequada, pois a interação pessoa/pessoa deverá priorizar o diálogo à frieza e ao automatismo das máquinas. Ainda não se inventou nada melhor do que o homem. Devemos continuar apostando em seu potencial humano, para que se torne mais humanizado a cada dia.

Um Feliz Dia das Crianças para nós todos que ainda conseguimos manter um espírito brincalhão: apesar de tudo.




E, agora, um haicai pra Aninha comemorar este já tão distante O PÁTIO, guardado na lembrança, mas ainda presente no seu universo lúdico: como se fosse hoje.





Bicho Gente – Kleiton e Kledir



quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O PLANO











Lá se vão os pezinhos sobre o cascalho. Logo, estarão ultrapassando o portão do pátio do avô. Soltaram o guri e lá se foi ele. O caminho já era conhecido. Lugar bom aquele! Lá era sempre recebido com abraços e guloseimas. Tomara que, no próximo domingo, pudesse voltar.

O pote com água adocicada está ali para atraí-lo. E ele vai se chegando, aos poucos. Brevemente, fará este trajeto todos os dias. Espera sempre encontrar aquele presente.

Pois, um novo professor chegou. E, desta vez, Marcelinho conseguiu entender a explicação sobre as orações coordenadas e subordinadas, matéria que jamais tinha aprendido. Que professor legal! Tomara que ele permaneça com a turma do Marcelinho por muito tempo.

Com o reforço que o time recebeu, seus integrantes acreditam que irão obter melhores resultados nos certames vindouros.

As muitas horas em que Marina debruçou-se sobre aqueles tantos livros e o seu visível esforço para vencer o exame que está por vir, dá-lhe a esperança de conquistar uma boa classificação naquele concurso tão concorrido.

Aquela palavra do médico, que José aguardava há tanto tempo, foi motivo de grande alegria. Esperara por longos meses, mas valera a pena.

A embalagem, pendurada no galho mais baixo da árvore, sinaliza que, como das vezes anteriores, hoje também terá um reforço ou, dependendo do dia, apenas essa sobra para alimentar-se. Mantém a esperança diária de ali encontrar o que os olhos, lá da esquina, antecipam e que irá acalmar aquela incômoda e constante carência. Poeticamente, a imagem comove. A realidade, mais ainda. O caminho para a solução desta necessidade não é, porém, o de apenas recolher o que se encontra à mão. O caminho é bem outro.

Em todas as situações descritas subjaz aquele desejo de que se cumpram nossas expectativas.

Claro que um olhar de esperança sobre o que nos cerca é alimentar a possibilidade de que os sonhos são possíveis de serem concretizados.

O plano é este. Mas não apenas este.

Caberá a quem detiver em mãos as rédeas do poder constituído fazer o dever de casa com competência e honradez. Criar uma política de inserção social, através do trabalho, de indivíduos plenamente capazes para o exercício de atividades produtivas as mais diversas: esta a meta principal.

Todo o sonho carece de ação para que se torne realidade. A força do trabalho é que dará esperança de melhores dias. Benesses não nos levam a lugar algum. Pelo contrário!

Estudo e trabalho são o binômio capaz de inserir os indivíduos num patamar digno de uma sociedade que se quer evoluída e democrática.

Como dizem os versos da poesia O SONHO E A ESPERANÇA, de Luiz Coronel, transcrita abaixo na íntegra, entre o sonho e a esperança existem sutis fronteiras. A esperança traz encomendas, enquanto o sonho indaga respostas. Então, a esperança monta o palco do espetáculo, afia as lanças, ilumina os edifícios e desperta os homens com seus clarins solidários.

A citação que abre o referido poema, na publicação original, é uma homenagem de Luiz Coronel ao poeta modernista norte-americano Wallace Stevens que escreveu:

“O sonho é a mente reagindo à pressão da realidade”.

O plano é reagir ao status quo, movido por sonhos carregados de esperança por dias melhores.

Perseverar nas melhores ideias frente às inúmeras existentes, mantendo-se aberto ao diálogo e ao caráter ecumênico das relações, também é desejável.

Como escreveu Mário Quintana em seu CADERNO H, recheado de epigramas, sobre as IDEIAS quintanou:

“Não sou desses que um dia pensam uma coisa e no outro dia pensam outra coisa muito diferente. Eu penso as duas coisas ao mesmo tempo. Duas ou mais. Não tenho culpa de ser ecumênico”.

Agora, segundo Quintana, o provérbio, que diz que a esperança é a última que morre, não está correto. Escreveu, na página 146 do seu CADERNO H, o seguinte:

“Não, o provérbio não está bem certo. O raio é que enquanto há esperança, há vida. Jamais foi encontrado no bolso de um suicida um bilhete de loteria que estivesse para correr no dia seguinte...” (A Esperança)

Portanto, o plano é manter a vida porque, em ela havendo, haverá esperança. Sem ela não restará esperança.

O plano é viver para assistir às mudanças sonhadas tornarem-se concretas, através de muito estudo, trabalho e de uma consciência cidadã.

Aliás, Martinho da Vila, no samba O PEQUENO BURGUÊS, seu primeiro sucesso nacional, descreve muito bem o que é necessário para se chegar à condição de um ser considerado privilegiado. Ao final do samba, afirma que quem quiser ser como ele, o protagonista da letra, terá que penar um bocado.

Com certeza, sacrifícios serão necessários. Dizem que aqui não se chega para passear. Ou melhor, também para passear quando as condições financeiras já permitirem.

É! O plano é desafiador!

Compensador, porém, para quem o enfrenta com as armas corretas, a saber: educação e trabalho.






O Pequeno Burguês - Martinho da Vila





quarta-feira, 24 de setembro de 2014

AS CAIXINHAS


Quando tia Ernestina aparecia com aquelas caixinhas, era uma festa. Aninha corria ao seu encontro no afã de abri-las.

Uma delas sempre continha sementinhas. A menina jurava que aquela goiabeira, que embelezava o pátio, era produto de algumas das tantas sementinhas. Também tinha uma pereira e um caquizeiro, tudo obra daquelas sementinhas tão aguardadas pela menininha.

Agora, tinham também outras caixinhas. Todas eram gratas surpresas. Nunca se sabia bem o que elas continham. Uma delas, por exemplo, de tempos em tempos, vinha com minúsculos pares de olhinhos, feitos com fios de lã. Estes podiam ser trocados por outros já colocados nas bonecas de pano, mas facilmente removíveis, para que os novos “olhinhos” assumissem o seu papel de renovação daquelas companheiras de brincadeiras.

Havia, também, a caixinha das pequeninas bolinhas de algodão, que eram guardadas para enfeitar a árvore de Natal, como se fossem flocos de neve nos moldes europeus, tão apreciada à época.

Outra caixinha aparecia, vez por outra, com florzinhas, habilmente confeccionadas pela tia, que serviam para lembrar quão bonita e alegre é a estação delas: a Primavera.

As tais caixinhas eram todas aparentemente iguais, mas escondiam surpresas. Todas, porém, agradáveis. Nada que, naquele tempo, tenha assustado Aninha.

Tinha aquela dos balões, todos coloridos.

Havia outra que continha inúmeras estrelinhas com uma lua e um sol misturados no meio delas.

Existiam duas outras caixinhas que iniciaram Aninha nas primeiras letras e números: um verdadeiro jogo de armar. O raciocínio ia sendo exercitado através de brincadeiras com a formação de palavras e com a junção de números para as primeiras continhas.

Outra caixinha muito aguardada era aquela em que, ao abri-la, saltavam carinhas de bichinhos, alguns domésticos, outros da selva distante. Todos, porém, amigos de quem se dispunha a vê-los como irmãos de brincadeira.

Um mundo encantado aquele das “caixinhas surpresa”.

Esperar pela chegada delas era sempre motivo de grande expectativa. Nem sempre continham novidades. Muitas vezes, repetiam-se. Eram, porém, repetições saudadas, pois guardavam lembranças queridas.

Tia Ernestina sabia “das coisas” do mundo.

Encantar-se era parte da vida de Aninha. E nisso, tia Ernestina colaborava como ninguém.

Daquelas sementes de goiabeira, pereira e caquizeiro nasceu um pé de cada árvore no quintal da casa. Nasceu, igualmente, o amor pelas árvores.

Do trabalho artesanal com fios de lã, nasceram não somente novos olhinhos para as bonecas, mas um olhar sempre disposto ao novo.

Do algodão ficou a imagem do inverno europeu, não nosso conhecido, porém reverenciado pela beleza plástica que encerra.

Das flores permaneceu o colírio que a cada Primavera nos invade o olhar. Imagens floridas que tornam nosso olhar mais brilhante.

Os balões ainda despertam Aninha quando ela os vê na mão de algum vendedor ou de uma criança. Dá vontade de alçar voo junto e descobrir o que existe no distante infinito. A curiosidade pelo desconhecido sempre é um desafio ao ser humano. E isso se completa com o olhar perdido em noite de estrelas e lua, tudo junto. E os sonhos tudo admitem. E é bom sonhar!



Como só de sonhos não se vive, permaneceram as letras e os números para, ambos, deixarem Aninha com os pés no chão. Ela confessa que preferiu as letras aos números. Claro que, sem eles, não se vive. Eles são, diria ela, decisivos numa disputa acirrada.

Quanto aos animais, tia Ernestina também soube, através da caixinha respectiva, demonstrar que eles são nossos companheiros nesta viagem. Alguns mais próximos de nós, outros nem tanto, mas não menos importantes.



Aninha acredita que tia Ernestina cumpriu com o seu papel. Afinal, ela era a sobrinha de que tanto gostava.

Alguns dirão que tia Ernestina falhou. Falhou? Em nada, ela falhou.

Foi excelente o seu desempenho em instigar a curiosidade, a expectativa e a descoberta do que continham as caixinhas. As surpresas eram sempre proveitosas, recheadas de ação, de emoção e de sensibilidade na medida certa. Tudo com frutos colhidos naquele presente e imaginados para um futuro que se anunciava.

Perguntarão alguns:

- E quanto às surpresas desagradáveis que não lhe foram ensinadas?

- Caberá à vida encarregar-se de oferecê-las, digo eu em favor de Aninha. 

O fato é que Aninha sabe como abrir as tais caixinhas surpresa. Já está treinada.

Quando tem certeza do seu conteúdo, numa rápida passada de mão.

Quando pairam dúvidas, com muita cautela.

Quem sabe, o sonoro canto de alguma ave possa ser decisivo. Afinal, a caixinha dos bichinhos pode ser inspiradora nesta hora.



Vivam as Árvores!

Viva a Primavera!

Viva!






Agora, surpresa mesmo, em alto nível, foi a que tiveram os jogadores do principal time de basquete da Turquia, o Anadolu Efes, conforme mostra o vídeo que segue.

A música, que é tocada na surpresa, chama-se Senden Daha Güzel e representa o hino da torcida do time. Ela foi capaz de despertar os jogadores, já que alguns estavam visivelmente entediados com o espetáculo que acontecia.



Surpresa em um concerto de Música Clássica 






quarta-feira, 17 de setembro de 2014

O PEZINHO


Pois o guri, lá pelos seus quinze anos de idade, era do tipo desconfiado, meio arisco, mais muito observador.


Certa vez, foi dar uma espiada num baile lá pras bandas onde o diabo perdeu as botas. Era um baile daqueles chamados de “cola atada”. Uma coisa que jamais vira antes! O ritmo do vanerão o impressionara, também. Pela fresta da janela, imaginou-se no salão, dando voltas e mais voltas. Lembrou-se do salão paroquial da cidade onde, vez por outra, aconteciam fandangos organizados pelo CTG local. Lá, também, costumava dar uma espiada. Nunca pudera ir, porém. Era seu sonho...


Nos domingos, dia que poderia participar, saía com um tabuleiro a vender doces: imposição de sua mãe. Não levava jeito para vender. Aliás, quando passava, ouvia sempre alguém a fazer gracejos, tipo: “Cuidado com o tabuleiro! Vai cair se balançar demais! Firma o passo!”. Sentia-se observado por todos.

Em casa, não sabia por que a mãe o tratava com certa rispidez. Soube que ela própria escolhera seu nome: Orlando. Sempre achara um nome “forte”.

Passaram-se os anos, e com eles sua inclinação superou até o próprio nome. Sentia-se, lá pela casa dos vinte anos, mais como Orlandinho. Aquele que aprendera a pôr as mesas de um restaurante conhecido na cidade. E como era benquisto pelos fregueses! Circulava entre as mesas, equilibrando bandejas, pratos e copos com graça e desenvoltura. Em passos medidos, atravessava o restaurante de um lado a outro, quase como numa dança ensaiada.

Tornara-se, com os anos, mais solto, mais descontraído. Aqueles tempos de acanhamento, desconfiança e insegurança tinham-se ido. Sua mãe falecera já há algum tempo. Suas duas irmãs, mais velhas que ele, não se preocupavam muito em saber por onde ele andava. Isto, até certo ponto, era bom. Não tinha que estar dando satisfação à família. Esse afastamento, por outro lado, exigia dele certa dose de decisão e a responsabilidade por seus próprios atos. Vez por outra, tinha a sensação de estar solito no mundo.

Foi quando apareceu, no restaurante, o Ângelo. Rapaz mais velho, tipo que china se engraça. Fora contratado, também, como garçom. Era um xiru gentil com todos os fregueses. Passado algum tempo, já formava com Orlandinho um par perfeito. Um, servia com prazer à clientela, circulando por entre as cadeiras, quase como num balé. O outro, um galanteador. Tinha sempre uma palavra de elogio, especialmente às mulheres frequentadoras do estabelecimento.

Agora, o melhor de tudo é que Ângelo gostava de ir a fandangos. Aliás, pertencia à invernada artística do CTG da cidade. Dançar era com ele mesmo. Na dança dos facões, desafiava com garbo. Mas era na chula que demonstrava toda a sua destreza, tirando fininho da lança largada no chão. As esporas chegavam a brilhar e zunir naqueles movimentos viris que, Orlandinho, fascinado, assistira uma vez. Não mais esquecera.

Nessas alturas, a amizade entre os dois já se estabelecera. Uma amizade que preservava as diferenças, sem nenhum problema. Ou seja, cada macaco no seu galho.

E através de Ângelo foi que Orlandinho entrou para o CTG. A sua grande estreia deu-se quando, integrando também a invernada artística, dançou O Pezinho com Mariana.

No outro dia, a prenda foi ter com o Patrão do CTG. Disse a ele que não queria mais fazer par com Orlandinho. Ele não só quase pisara, por várias vezes, nos seus pés, como também ela observara alguns gestos estranhos em Orlandinho. E, chegando mais próximo do Patrão, disse que, durante a dança, pegara Orlandinho segurando, por instantes, a bombacha, enquanto fazia o rodopio. Convenhamos, disse Mariana, que este gesto devia ser mais seu como prenda, do que dele. Além do que, o lenço vermelho, ao redor do pescoço, era mais uma espécie de laçarote, num degradê, puxando para a cor rosa. E por isso não queria mais dançar com ele.

A notícia espalhou-se. Quase que as portas do CTG fecharam-se para Orlandinho. Por sorte, com a intervenção de Ângelo, o amigo Orlandinho permanece, até hoje, no CTG. Não mais na invernada artística, mas no bar, onde faz “uns bicos” quando tem fandango. Quando está em serviço no bar, costuma usar umas alpargatas. São, assim, meio diferentes. Há uma rosinha, pequenininha, minúscula, estampada sobre o peito do pé. Ninguém sabe de onde surgiu aquele calçado. As bombachas são mais justas que o modelo tradicional. 

Agora, o Patrão está de olho nele! Qualquer deslize maior, ele será convidado a retirar-se.

Até já avisou:

“Aqui, o laço do lenço não é laçarote; lenço vermelho não é vermelho degradê; bombacha não é fusô e, principalmente, a montaria oficial continua sendo o cavalo.”

E estamos conversados.



Agora, não sei não!

A coisa anda mais a perigo que minhoca no galinheiro. Facilita o Patrão vai acabar mais arranhado que pau que gato trepa. Qualquer dia, a expressão “sair do armário” cairá em desuso. Ficará no passado.

E o Orlandinho?

No fandango, dançará aquele “vanerão”. Claro, não de cola atada. Que isto não é tradição: é esculhambação.

Ou, quem sabe, um “bugio” meio diferente, aquele que chamam de “bugio do pezinho”, que pode ser apreciado no primeiro vídeo abaixo.

Ah! Mariana também é um nome forte, como ficou demonstrado no vídeo seguinte.



Orlandinho aguarda ansioso estes novos tempos...

Aguardemos: todos nós.







Bugio do Chico – Os Serranos 




Adeus Mariana – Oswaldir e Carlos Magrão